Enquanto a devastação da floresta amazônica avança em ritmo acelerado, o baixo nível de transparência dos estados sobre o setor madeireiro segue estagnado. Uma pesquisa que analisou a evolução da atividade na Amazônia entre 1980 e 2020 revelou que há problemas no controle da cadeia nos nove estados que compõem a região, além de restrições de acesso a dados públicos. E isso mesmo após uma década da implementação da Lei de Acesso à Informação (LAI).
A consequência da baixa transparência é a impossibilidade de checar o quanto dos 462 mil hectares que tiveram extração de madeira na Amazônia entre agosto de 2019 e julho de 2020, o dado mais atual, foram explorados de forma irregular. O que prejudica a proteção da floresta e de seus povos, a imagem do país e os consumidores.
Produzido pela Rede Simex, que reúne quatro instituições ambientais: Imazon, Idesam, Imaflora e ICV, o estudo avaliou os estados em seis indicadores relacionados à divulgação de dados das autorizações para exploração florestal e do Documento de Origem Florestal (DOF) ou da Guia Florestal (GF). Tanto o DOF quanto a GF são documentos obrigatórios para o transporte e o armazenamento de matérias-primas, produtos e subprodutos florestais desde o local de extração ou beneficiamento até o destino final. Com acesso a esses dados, seria possível cruzá-los com as áreas de exploração madeireira indicadas pelas imagens de satélite e verificar as ilegalidades.
“A transparência e o acesso à informação são condições fundamentais para a promoção da legalidade e da sustentabilidade do setor florestal madeireiro. É importante que os dados estejam abertos à toda a sociedade, contribuindo para a rastreabilidade da produção de madeira na Amazônia e valorizando o manejo florestal sustentável”, ressalta Vinícius Silgueiro, coordenador de inteligência territorial do ICV.
Estados têm diferentes níveis de transparência
Na análise de cada estado, três deles não divulgam nem as autorizações e nem os documentos de transporte: Acre, Amapá e Maranhão, sendo os piores na avaliação de transparência. Já Roraima, Rondônia e Tocantins têm os dados das autorizações acessíveis, mas não são atuais e estão incompletos, além de não divulgarem informações sobre o DOF. Cenário que é ainda mais preocupante em Rondônia, pois o estado concentra a terceira maior área com extração de madeira na Amazônia.
No caso do Amazonas, o segundo estado com a maior área de exploração madeireira na região, os dados das autorizações são acessíveis e atuais, porém estão incompletos. Além disso, o Amazonas é outro estado que não divulga informações sobre o DOF. Vale ressaltar que o DOF é um sistema federal e cuja disponibilização das informações tem sido realizada pelo Ibama.
A maior transparência é do Pará e de Mato Grosso, com destaque positivo para o segundo estado. Isso porque o Pará dá acesso tanto aos dados das autorizações quanto das Guias Florestais, porém apenas os primeiros são atuais e completos. Já em Mato Grosso, estado responsável por mais da metade da área com exploração madeireira na Amazônia, os dados das autorizações e das Guias Florestais são acessíveis e atuais, mas não é possível fazer um download único da base de dados dessas guias devido ao grande volume de informações.
Níveis de acesso a dados madeireiros por estado na Amazônia:
Fonte: Pesquisa “A Evolução do Setor Madeireiro na Amazônia entre 1980 a 2020 e as oportunidades para seu desenvolvimento inclusivo e sustentável na próxima década”, da Rede Simex (Imazon, Idesam, Imaflora e ICV)
Rastreabilidade para combater fraudes
Além da baixa transparência, outro problema apontado na pesquisa é que os sistemas de controle oficiais “ainda não se encontram completamente blindados de fraudes documentais e de contaminação de suas cadeias produtivas com madeira de origem ilegal”. Por isso, os pesquisadores apontam a rastreabilidade como uma solução para combater o ingresso de madeira irregular no mercado.
“Hoje existem ferramentas e metodologias que permitiriam uma melhor rastreabilidade dos produtos madeireiros que se originam da Amazônia, passando aos compradores e consumidores finais uma maior segurança de que estão adquirindo madeira produzida de acordo com as regulações e legislações vigentes. Entretanto, as falhas de transparência relacionadas aos dados dos sistemas oficiais de controle fazem com que essas cadeias de produção não possam ser efetivamente mapeadas”, explica Marco Lentini, do Imaflora.
Nova onda de boom-colapso da exploração madeireira
A pesquisa também mostra que a extração madeireira migrou para as regiões mais centrais da Amazônia. Em 2019, um levantamento já havia indicado que os principais polos de produção se encontravam em uma nova fronteira, localizada ao longo do oeste do Pará, sul do Amazonas e noroeste de Mato Grosso e do Acre. A fronteira antiga, no leste do Pará, tem atualmente poucos polos madeireiros, um resultado da exploração predatória sem manejo que leva à exaustão dos recursos e a um colapso da atividade nessas regiões.
“Com esse avanço, a exploração madeireira está se aproximando de áreas conservadas como as do Norte do Pará, onde há o maior bloco de áreas protegidas do mundo. E, também, está migrando para o sul do Amazonas, região onde há uma nova fronteira de desmatamento. A pressão sobre essas florestas ameaça diretamente a vida dos povos e comunidades tradicionais. Por isso, precisamos de medidas que tornem o manejo florestal mais sustentável e mais atrativo economicamente”, afirma Dalton Cardoso, pesquisador do Imazon.
Manejo florestal aliado à bioeconomia
O estudo também aborda a necessidade de criação de uma agenda positiva para a exploração madeireira, que pode ser aliada à bioeconomia. No Brasil, conforme a publicação, o comércio de produtos florestais não madeireiros movimenta aproximadamente R$ 1,89 bilhão por ano, mas ainda é muito impulsionado pela castanha do Pará e pelo açaí.
É possível, conforme os pesquisadores, realizar investimentos para que outros produtos tenham suas cadeias desenvolvidas e aliadas ao manejo florestal sustentável. “Existe hoje uma demanda crescente por produtos da floresta que não se limitam somente à madeira, que sejam oriundos de fontes comprovadamente responsáveis e que reconheçam o valor de toda a cadeia produtiva, como os gerados a partir de sementes e frutos. Os óleos, os artesanatos, e os cosméticos são exemplos disso. Portanto, se integrarmos as demandas da bioeconomia à cadeia madeireira, é possível gerar transformações socioambientais positivas na trajetória de uso e de conservação da Amazônia”, afirmam os pesquisadores Tayane Carvalho e Pablo Pacheco, do Idesam.
Além disso, o sucesso para o mercado sustentável de recursos florestais, madeireiros e não madeireiros, dependerá do aprimoramento dos sistemas de controle dos órgãos ambientais, da transparência das bases de dados de manejo e do monitoramento remoto das florestas.