*Folha de São Paulo
Apesar de uma norma do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) determinar que cortes estaduais divulguem mensalmente os valores e destinos de indenizações judiciais pagas por condenados, parte dos Tribunais de Justiça não informam esses dados nem sequer por meio de pedidos via LAI (Lei de Acesso à Informação).
A falta de transparência restringe as informações sobre como esses recursos estão sendo geridos pelos TJs brasileiros.
Dos 27 tribunais nos estados e no Distrito Federal, apenas 11 mantêm essas informações atualizadas em páginas específicas em seus sites, sendo que um deles só as colocou após contato da reportagem. Desses 11, contudo, ao menos dois publicam dados incompletos.
Os valores são referentes às “prestações pecuniárias”, penas alternativas pagas por condenados pela prática de alguns crimes. Esse dinheiro deve ser transferido para a vítima de um crime ou usado para projetos sociais.
Os juízes decidem o destino dos valores. Segundo provimento de 2012 do CNJ, os tribunais estaduais devem “publicar mensalmente na internet os valores, as entidades beneficiadas e os respectivos juízos”.
Levantamento do site de jornalismo de dados Pindograma e da Folha aponta que as informações completas estão disponíveis nos sites dos tribunais do Distrito Federal, do Espírito Santo, do Rio Grande do Sul, de Goiás, de Minas Gerais, de Rondônia e de Santa Catarina.
O TJ do Amazonas publicou as informações no site após contato da reportagem da Folha e o TJ de Sergipe passou a publicar informações completas, de todas as suas varas, apenas em 2020.
Já as cortes do Pará e do Piauí têm informações de apenas algumas varas em seus sites. Contudo, o PI passou as informações completas após pedidos de acesso à informação.
As informações foram solicitadas ao restante via Lei de Acesso à Informação. Desses, três TJs não atenderam aos pedidos (Rio de Janeiro, Acre e Alagoas) e quatro pediram que a consulta fosse feita vara por vara (São Paulo, Bahia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul).
Quatro forneceram as informações completas (Amapá, Paraná, Pernambuco e Roraima) e outros quatro responderam de forma incompleta (Ceará, Maranhão, Rio Grande do Norte e Tocantins).
Na Paraíba, não foi possível fazer a solicitação. O sistema da ouvidoria não funciona, e funcionários se recusaram a aceitar pedidos por outros meios.
Mesmo entre os seis tribunais estaduais que atenderam integralmente aos pedidos de informação da reportagem, apenas quatro cumpriram os prazos da Lei de Acesso à Informação.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, por exemplo, descumpriu os prazos da LAI e respondeu ao pedido da reportagem com uma foto da tela de um computador. Na tela, constavam apenas os repasses de 2020. O tribunal não prestou informações dos anos anteriores.
No Tribunal de Justiça do Acre, o presidente da corte determinou, em janeiro de 2021, que o pedido de acesso à informação fosse cumprido.
Embora a Lei de Acesso à Informação determine um prazo improrrogável de 30 dias para a resposta, após transcorrer esse prazo, um juiz da corte deu outros 30 dias para que a informação fosse enviada à reportagem.
Já o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro descumpriu todos os prazos da Lei de Acesso à Informação. A Ouvidoria do TJ-RJ informou que o pedido da reportagem seria arquivado, dada a ausência de resposta do órgão responsável. A reportagem pediu que a Corregedoria do Tribunal tomasse providências para garantir o cumprimento da Lei de Acesso à Informação, mas não teve resposta.
O consultor e especialista em transparência Fabiano Angélico afirma que, independentemente do provimento do CNJ, o Judiciário está sujeito às principais normas que norteiam o tema de acesso da sociedade à informação governamental: a Constituição e a LAI.
Em suas diretrizes, diz, a LAI aponta que o Estado deve usar tecnologias de informação e comunicação para promover essa transparência. “É absolutamente espantoso que Tribunais de Justiça estejam em desacordo com uma lei”, diz Angélico.
“A coisa fica ainda mais espantosa quando a gente verifica que se trata de informação a respeito de recursos públicos. Isso é um descalabro completo e total. É inaceitável, e o CNJ precisa agir para coibir esse tipo de situação.”
Ele reconhece que existem desafios para implementação por parte de alguns órgãos, como a operacionalização e organização de massas de dados para serem publicados de maneira clara e coerente. Mas diz que “a Lei de Acesso à Informação foi sancionada em novembro de 2011, há quase dez anos, e esse desafio já devia ter sido superado há muito”.
Procurado, o CNJ não se manifestou. Os tribunais dão diferentes explicações para ainda não disponibilizarem as informações da maneira determinada pelo CNJ.
Em São Paulo, o tribunal diz que segue uma resolução de 2012 do CNJ, alterada em 2015 e 2016, que não traz a exigência de publicação de dados na internet.
“Deve-se assinalar que referida resolução tratou de forma ampla a matéria e, conforme consta em sua redação, foi editada diante da ‘necessidade de regulamentação da destinação, controle e aplicação de valores oriundos de prestação pecuniária aplicada pela Justiça criminal, assegurando publicidade e transparência na destinação dos aludidos recursos’”, diz o tribunal.
A juíza Jovanessa Silva, que trabalha com as penas de prestação pecuniária na Corregedoria do TJ-SP, diz que uma divulgação maior desses gastos “é uma sugestão interessante para a gente aprimorar”.
No entanto, ela afirma que, pelo menos em São Paulo, há mecanismos fortes para o controle dos repasses e que, se os juízes corregedores pudessem escolher não ficar administrando dinheiro, seria mais tranquilo.
“É uma preocupação. É uma responsabilidade muito grande. Há fiscalização por conta do Ministério Público também. E quando você faz essa destinação para entidades públicas, o Tribunal de Contas também tá fiscalizando esse valor. Então tem prestação de contas por todo lado”, afirma.
Segundo a juíza, os repasses relacionados à pandemia da Covid-19 também tiveram um controle adicional por parte da Corregedoria-Geral do TJ-SP: “Todos os valores foram comunicados para a Corregedoria, pra gente saber quem recebeu, quanto recebeu.”
O Tribunal de Justiça do Paraná disse que estuda a melhor forma de publicar os dados, e que deve fazer isso nas próximas semanas.
O do Rio Grande do Norte afirmou que está em processo de construção de um novo portal oficial, que consolidará, em um mês, um banco de dados com os valores, e disse que os editais com os valores das penas são publicados no Diário da Justiça Eletrônico.
A Vara de Execuções Penais de Boa Vista também afirma que os seus editais são publicados. O Tribunal de Justiça de Roraima não respondeu sobre os outros locais.
No Maranhão, o Tribunal de Justiça disse que disponibilizou um novo portal no ano passado, com uma série de melhorias nos recursos para cidadãos, advogados e magistrados, mas que, “por questões técnicas, algumas informações já disponibilizadas anteriormente não foram migradas na atualização”. A Corregedoria trabalha para sanar as pendências.
O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul informou que “não tem os dados consolidados, portanto, não sendo possível atendê-lo”.
O Tribunal de Justiça do Piauí informou que ainda não desenvolveu um sistema informatizado próprio para alimentação dos dados, mas afirma que cumpre as normas do CNJ.
Segundo a corte, “os dados referentes a cada unidade judiciária, a exemplo da VEP [Vara de Execuções Penais], podem ser obtidos diretamente no respectivo juízo, mediante requerimento”.
O Tribunal de Justiça da Paraíba informou que “está com os estudos avançados no sentido de dar publicidade a essas contas prestadas ao Conselho da Magistratura e homologadas, para cumprir o disposto na Resolução do CNJ”.
O Tribunal de Justiça de Pernambuco informou que, em cumprimento a resolução do CNJ de 2020, tem destinado desde o ano passado os recursos provenientes das transações pecuniárias ao Fundo Estadual de Enfrentamento ao coronavírus, instituído por lei estadual.
“As planilhas contendo os valores são devidamente encaminhadas ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas do Estado. O repasse ao Fundo vem sendo realizado desde o ano passado, por força da resolução do CNJ”, diz, em nota.
As demais cortes estaduais que não seguiam o provimento não se manifestaram até a publicação deste texto.