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Sobre meninos, bonecas e princesas

“– Você sabe que meninos não assistem a esse desenho, né?”

  • Sim, sei.
  • E você não se importa?
  • Não, posso ser o primeiro.”

 

Um ex-jogador de futebol americano órfão e presidiário sai da cadeia e volta para a casa da avó na cidade em que cresceu e foi criado. Lá ele precisa confrontar todo seu passado para se reinventar, ao mesmo tempo em que é forçado a lidar  bem de perto com uma criança que não é seu filho.

Ao ler esse resumo, o enredo de Palmer não parece tão inovador, mas o drama, que estreou em fevereiro na Apple Tv+, é gentil e emocionante quando apresenta personagens tão próximos da realidade e toca em temas com o não binarismo em crianças. A vida do menino Sam (atuação incrível de Ryder Allen) é marcada pela violência: ele não conhece o pai, a mãe (Juno Temple) é viciada em drogas e desaparece com frequência por semanas. O menino de 8 anos fica então com a vizinha, Vivian (June Squibb), enquanto a mãe não retorna.  É esse o cenário que o neto Eddie Palmer (Justin Timberlake) encontra ao voltar da prisão.

 

Um dos podcasts que ouvi nos últimos dias falava sobre as possíveis redes de afeto criadas a partir do nascimento de uma criança. Lua Barros e Flávia Calina discutiam em Bom dia, Obvious, de Marcella Ceribeli, o porquê de algumas pessoas que passam dificuldade quando crianças conseguirem se reerguer e ter uma vida diferente e outras, não. As duas, especialistas em educação parental, concordam que as pessoas que conseguiram mudar sua vida drasticamente tiveram alguém, uma pessoa que seja, que pegou na mão e que não desistiu dela. Não foi, necessariamente, a mãe, nem o pai, nem um parente próximo. Foi alguém que disse que estava junto dela, que reafirmou que não havia algo de errado, que não soltou sua mão quando ela se sentia só. A verdade é que quando ajudamos uma criança a gente não tem muita ideia do impacto que isso pode ter no futuro. A verdade é que cada vez fica mais claro que a cadeia de afeto desenvolvida a partir do auxílio no processo de construção infantil tem não só a capacidade de transformar as relações que temos hoje entre nós, mas, também, o próprio mundo.

No filme, Sam sofre bullying extremo por ser um menino que gosta de se vestir com roupas consideradas femininas, por brincar com bonecas e por ter um desenho preferido na TV: o clube das fadas princesas. Palmer, em um primeiro momento, não consegue lidar com essa realidade. Fica claro o estranhamento e o medo do diferente. Mas o personagem de Sam brilha demais, ele é incrível. Tudo é levado de uma forma tão honesta e natural – como é e deve ser – , que, ao mesmo tempo em que tira sorrisos de quem está assistindo, quebra também as duras e grossas camadas que envolvem o personagem mais velho. A relação, no início forçada a partir de circunstâncias que nenhum dos dois esperava, vai sendo construída, revisada e,  ao poucos, tornando-se sólida e verdadeira.

 

Daí por diante, fica difícil continuar sem dar muito spoiler. O que posso dizer é que é um filme que toca em temas como os diferentes choques de realidades, a força das relações familiares reais (que não tem qualquer coisa a ver com sangue), o machismo e o preconceito, e também sobre a honestidade e as transformações que as crianças podem causar na vida de quem a gente menos espera. Sobre ser doce, saber ouvir e saber falar; sobre as dinâmicas do amor e o poder da compreensão; sobre muitas, muitas fadas princesas meninos.

 

*Heloiza Daou é movida à palavra e um pouco obsessiva. É diretora de marketing na Intrínseca e também mãe do Tomás, o job mais insano e amado da vida.

 

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