Os investimentos do Ministério da Educação (MEC) nos dois primeiros anos do governo Jair Bolsonaro (sem partido) foram os menores desde 2015. A situação tem impacto nas instituições de ensino superior e técnicas federais.
Esses gastos são aqueles direcionados à expansão da oferta de políticas públicas, como compra de equipamentos, insumos para laboratórios e obras. Não entram no cálculo os pagamentos de salários e custeio do MEC, que também passam por reduções.
No primeiro ano de gestão Bolsonaro, em 2019, o ministério executou apenas R$ 39 milhões das rubricas inscritas como investimentos, em valores atualizados pela inflação. O montante equivale a 6% do previsto no Orçamento.
Houve uma reação em 2020, quando se chegou a R$ 60 milhões de gastos com investimentos. Ainda assim, o valor é o menor desde 2015, auge da crise econômica no governo de Dilma Rousseff (PT).
Mais de um terço dos recursos do ano passado, entretanto, é relacionado a ações emergenciais de enfrentamento à pandemia do novo coronavírus nas instituições federais de ensino, sem impacto nas demandas estruturais permanentes.
O MEC foi procurado, mas não se manifestou sobre os questionamentos apresentados pela reportagem.
Os investimentos não acompanham também a evolução do número de alunos de ensino superior. De 2015 a 2020, o total de matrículas cresceu 10% na rede (universidades e institutos federais).
Esses recursos emergenciais foram direcionados para que as instituições colaborassem na produção de equipamentos de proteção individual, e uma parte, para um projeto do MEC que ofereceu acesso à internet a estudantes pobres das federais.
A verba só só foi anunciada em agosto passado, apesar de as unidades terem fechado as portas desde março.
Na média dos dois primeiros anos de governo Bolsonaro, o MEC executou de fato 10% do que havia sido orçado como investimento. No mesmo período da gestão anterior, de Dilma e Michel Temer (MDB), esse índice foi de 12%.
Apesar de a diferença nos percentuais ser pequena, os Orçamentos de 2019 e 2020 foram menores do que o acumulado nos dois anos iniciais da gestão passada.
Em valores nominais, foram R$ 12 milhões a menos na comparação dos dois períodos –quando atualizados pela inflação, a diferença chega a R$ 29,8 milhões.
“A situação é extremamente complexa e delicada, não conseguimos executar nosso planejamento e mesmo tocar a própria consolidação da rede”, diz a professora Sônia Regina de Souza Fernandes, que assume neste mês a presidência do Conif (Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica).
“Temos muitas unidades que precisam se consolidar em termos de infraestrutura, aquisição de equipamentos, laboratórios, e [a redução de orçamento] tem implicações na oferta de cursos e de novas vagas”, afirma.
Com relação à educação profissional, os cortes afetam obras atrasadas em 24 institutos federais, que somam R$ 88 milhões, segundo levantamento do Conif do fim do ano passado.
São construções de salas, laboratório, aquisição de equipamentos, atualização de data center para reforço do ensino a distância e até reforma de telhado.
Colaboram com o preocupante cenário, diz Fernandes, as reduções orçamentárias que se acumulam desde 2015 e que impactam as contas de custeio, e o fato de o Orçamento de 2021 ainda não ter sido aprovado pelo Congresso. Com isso, o percentual atual destinado à rede neste ano está muito baixo.
Sob a gestão do ex-ministro Abraham Weintraub, que ficou no cargo de abril de 2019 a junho de 2020, o MEC passou por uma paralisia com fortes reflexos na execução orçamentária.
A pasta sofreu contingenciamentos, perdeu quase R$ 1 bilhão para que o governo pagasse emendas parlamentares em busca de apoio, represou recursos ao longo de 2019 e somente nos últimos dias do ano acelerou empenhos (a primeira etapa da execução).
Em 2020, as confusões ideológicas provocadas por Weintraub, que insultou até o STF (Supremo Tribunal Federal), travaram o andamento dos trabalhos, segundo relatos de membros do governo.
A pandemia impactou os gastos do governo como um todo. No entanto, decisões políticas da gestão Bolsonaro representaram prejuízo para educação: houve, por exemplo, a retirada de R$ 1,4 bilhão do MEC para financiar obras federais gerenciadas por outras pastas.
A maior parte desse corte afetou a educação básica e profissional. O orçamento de 2021 prevê para o MEC uma redução de 21% nos recursos dos programas de educação profissional, gestados sobretudo pelos institutos federais.
O projeto no aguardo de aprovação parlamentar ainda condiciona 42% dos recursos da Educação a aprovações de créditos extras pelo Congresso, como revelado pela Folha de S.Paulo.
O efeito mais contundente dessa situação, que representa insegurança aos ordenadores de despesas, será nas universidades e institutos federais.
O atual ministro, Milton Ribeiro, tem tido atuação criticada pela sua distância dos temas e decisões da pasta.
O pesquisador Gregório Grisa, do Instituto Federal do Rio Grande do Sul, diz que a paralisia do MEC provocou uma imobilidade nas instituições no planejamento. Ele ressalta que os investimentos “são a cereja do bolo” dos recursos discricionários (de livre aplicação do governo), que têm tido fortes reduções.
“Reitor nenhum vai ampliar cursos e vagas, assim como ampliar pesquisas e projetos de extensão, com o universo de constrangimento de capital. Não é só o fato de receber menos recursos, mas eles não sabem quando, não sabem o perfil de contingenciamento, só o que sabem é que não vai ter investimento”, diz Grisa.
Segundo o pesquisador, sem investimentos não há adaptações prediais, de laboratórios e compra de insumos para pesquisa. “Isso implica menor uso ou inviabilidade de uso [de recursos] que afetam projetos de ensino, extensão e pesquisa.”