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Serviu de aprendizado, mas eu preferia ter ficado burra

“Todos tem o direito de desistir a qualquer hora, todos podem retirar suas promessas. Mas isso é diferente de fingir que não foram feitas.” Natalia Timerman

 

 

Copo vazio, de Natalia Timerman é um livro sobre o luto proveniente do abandono. Sobre o que sobra das mulheres quando são deixadas e as feridas abertas por tudo que foi ressignificado durante o relacionamento. Uma história sobre a tradição milenar do abandono e as consequências tão diferentes e possíveis para uma só relação. Aliás, será que era mesmo só uma?

 

Mirela é uma mulher descolada, inteligente, divertida e bem-sucedida que se transforma completamente quando conhece e se apaixona por Pedro. Mas todo o brilho gerado a partir da paixão inicial é apagado, modificado e quase ridicularizado quando ele simplesmente some. Vai embora. Sem nenhum adeus, motivo ou conversa. Mirela definha em constrangimentos que variam desde frequentes e obsessivas stalkeadas nas redes sociais até a invenção de histórias e justificativas para uma visita inesperada ao apartamento do ex-amor.

 

Quando a gente vê de fora parece muito óbvio que ela está presa dentro de um vórtice de humilhação e que não conseguirá sair deste turbilhão sozinha. Ela tem amigos e família, mas soa sempre muito solitária. Sem o Pedro, mas também — principalmente — com ele. Eu li querendo ligar pra ela e dizer: “Pare, Mirela. Apenas pare.” Mas é tão fácil quando o cenário tá dado, as fragilidades, a carência, os temores passados e íntimos não são nossos e nós não estamos nos sentindo uma merda. Difícil é olhar para o passado e não reconhecer a Mirela que já fomos, a que vive com a gente, que pode passar muito tempo adormecida, mas que vibra forte quando somos atingidas pela vertigem dos dias, a qual a autora chama lindamente de buraco do instante.

 

Há algo ancestral nessa posição feminina que a protagonista evoca. A nossa vulnerabilidade adquirida e incentivada através do tempo nas diferentes sociedades machistas e misóginas, aquela amarra que Simone de Beauvoir chama de laço opressor, criado e não comparável a qualquer outro: o que une as mulheres aos homens pela função imposta a elas. Segundo Beauvoir, uma mulher, para si mesma, é central e essencial. Para a sociedade, ela é desimportante, secundária e definida a partir de seus relacionamento com os homens. Já a figura masculina, ao contrário da feminina, não experimenta contradição alguma entre seu gênero e sua “vocação como ser humano”. Parece teoria, contudo, são gerações de mulheres criadas para não incomodar e servir, enquanto os homens nunca tiveram uma obrigação neste sentido. Já que estamos aqui para servi-los, qual o problema quando eles não quiserem mais? Por que conversar francamente sobre o assunto, ter uma partilha de sentimentos e visões para o fim? Essa soberania de irresponsabilidade emocional masculina infelizmente soa quase perpétua.

 

Um dia, Mirela conclui: “Acho que o grande legado de Pedro na minha vida, no fim das contas, foi me dar de presente a certeza de que qualquer pessoa pode ir embora a qualquer momento.” Como diz um meme recente, “serviu de aprendizado, mas eu preferia ter ficado burro”.  Será que essa exibição das nossas feridas internas e consequentes cicatrizações precisam ser feitas de forma tão exposta assim? Será que é preciso nos apagarem tanto? Será que não conseguiremos vibrar no nosso tom independente do que façam conosco?

Divulgação

 

Copo vazio enche a gente de vontade de mudar tudo isso, enchendo-o até a boca, até que ele transborde. Nos transborde.

 

Transbordemos, Mirela. Transbordemos.

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