Com a ajuda das redes sociais, empreendedoras indígenas expandem seus negócios, ao mesmo tempo que valorizam a tradição, a arte e as causas de seus povos.
Dona de uma marca de roupas, a artista plástica We’e’ena Tikuna, 33, é também uma influenciadora digital, com mais de 105 mil seguidores no Instagram e 93 mil inscritos no seu canal do YouTube.
Nele, ela aborda temas como hábitos e costumes de sua etnia, medicina e alimentação indígena, além de manifestações culturais, como pintura corporal e música.
We’e’ena, cujo nome significa “a onça que nada para o outro lado do rio”, saiu da Terra Indígena Tikuna, no Alto Solimões, Amazonas, no início da adolescência. A família se mudou para Manaus, para que ela e seus cinco irmãos tivessem mais acesso aos estudos.
We’e’na foi alfabetizada aos 12 anos —até então, não falava português. Em 2004, fez uma formação em artes plásticas e se destacou na técnica de acrílico sobre tela. No Museu Histórico de Manaus, há 12 obras dela, que compõem o acervo permanente.
O interesse pela arte passou para a moda. We’e’na já confeccionava peças com tecidos, cores e grafismos que representam a herança da cultura do povo tikuna para si mesma e vendia para amigos.
Em 2018, mudou-se para o Rio e passou a participar de feiras de design. No ano seguinte, foi selecionada para o evento Brasil Eco Fashion Week, no qual lançou a marca que leva seu nome, We’e’ena Tikuna Arte Indígena, conforme a reportagem da Folha de S. Paulo.
A grife tem linhas feminina e masculina, além de acessórios. As peças custam a partir de R$ 150 e são confeccionadas artesanalmente em tecidos como algodão e tururi —fibra natural da palmeira ubuçu, nativa da Amazônia.
No fim de 2020, a marca lançou uma linha de bonecas vestidas com looks da coleção. São 11 modelos, criados à imagem e semelhança de We’e’ena e confeccionados por ela e uma equipe de cinco pessoas.
“Decidi criar as bonecas com uma proposta educativa, como uma forma de divulgar a cultura tikuna e mostrar às crianças que não existem só bonecas loiras e magras”, diz.
Após vender mais de cem unidades no fim do ano, ela disponibilizou mais uma centena em abril, que também se esgotou em pouco tempo. Chegou a enviar produtos para Suíça, Espanha e Portugal.
Hoje, é preciso entrar em uma lista de espera para comprar as bonecas, que custam cerca de R$ 130 e representam guerreiros e mães indígenas.
Vendidas no ecommerce da marca, tanto as peças de roupa quanto as bonecas são acompanhadas de um certificado com informações sobre sua produção e a história do povo tikuna —30% das vendas são revertidas para a aldeia de We’e’ena.
Em paralelo ao trabalho com a moda e a internet, ela é também nutricionista, carreira que decidiu seguir após constatar que muitos indígenas estavam adoecendo em razão da má alimentação.
Hoje, atende online, com uma proposta de resgate da alimentação natural do povo tikuna, baseada em frutas, raízes e peixes, além de atender ao público vegetariano.
Para a influenciadora, as redes sociais ajudam na conexão do público com as causas indígenas e no combate ao preconceito.
“Se tenho um celular ou frequento a universidade, muitas pessoas dizem que não sou mais indígena. Mas a moda, as bonecas, as artes plásticas e minha atuação na área de saúde são ferramentas para mostrar justamente a minha identidade”, diz.
O resgate das artes e do artesanato tradicionais dos povos indígenas também é a aposta da Galeria Amazônica, loja e galeria de arte criada há 13 anos em Manaus. O espaço comercializa cestaria, cerâmicas, esculturas e acessórios criados por artesãos de povos como parakanã, yanomami, baniwa, saterê mawé, macuxi, entre outros.
A loja nasceu de uma parceria entre o Programa Waimiri-Atroari, associação comunitária da etnia, e o Instituto Socioambiental, com o intuito de eliminar os intermediários da cadeia, revertendo margens de lucro maiores para os artesãos e artistas.
À frente da Galeria Amazônica está Ana Helena Serra Cabral, 29, filha de uma família de artesãs do povo wanana, do Alto Rio Negro. Com uma tradição em produzir cestaria e joias a partir da fibra natural da palmeira tucumã, Ana cresceu em Manaus, em um ambiente de forte empreendedorismo feminino.
A pandemia representou um desafio para manter o negócio aberto. Foi preciso fazer uma campanha de financiamento coletivo, que levantou R$ 40 mil, para garantir o salário dos três funcionários e manter o espaço funcionando.
Outra solução foi aprender a vender online —antes, Ana fazia apenas vendas esparsas pelo Instagram. Ela criou um ecommerce, reforçou as vendas pela rede social e buscou novos canais de comercialização. Um deles é a Tucum, marketplace dedicado a arte e artesanato indígenas.
Com as novas estratégias, as vendas aumentaram 70% em comparação ao início da pandemia. O carro-chefe são os produtos de cestaria, que custam a partir de R$ 50. A maior parte das vendas é feita para as regiões Sul e Sudeste, especialmente São Paulo.
Pioneira em fazer a conexão entre o mercado consumidor dos centros urbanos e os povos da floresta, a Tucum tem uma curadoria que busca manifestações artísticas diversas. Hoje, trabalha com 72 grupos étnicos de 30 territórios indígenas —a maioria na Amazônia.
A ideia do negócio surgiu a partir do interesse por arte indígena da empreendedora Amanda Santana, 39. Em 2015, ela lançou um ecommerce pelo qual vendia peças que comprava em viagens.
Em dezembro de 2020, a plataforma se tornou um marketplace, após receber um aporte de R$ 380 mil do Programa Parceiros pela Amazônia, que acelera startups de impacto positivo na região.
Os recursos foram utilizados também para promover um curso de capacitação em vendas online para artesãos indígenas, com noções de fotografia, processo logístico e marketing digital. O treinamento já capacitou três grupos, e a meta é formar mais dez até o fim de 2021.
Desde o início da pandemia, as vendas cresceram 40%. Em junho, a loja terá um sistema com o qual o consumidor poderá saber exatamente o que compõe o preço de cada peça.