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Henrique Azevedo: Eram só 15 dias, mas…

Nas últimas semanas uma nova tendência apareceu nas redes sociais: pessoas contando histórias de superação ao longo da pandemia, com um certo tom de ironia em função das promessas iniciais de que a “gripezinha” seria resolvida com uma quarentena de 15 dias de duração (“quinzentena”?). A tendência se espalhou e em pouco tempo TikTok, Twitter, Facebook e atéYouTube foram tomados por esses vídeos. Como o sucesso não é só sorriso, começaram a surgir críticas focando no egoísmo dessas pessoas frente à tragédia de mais de meio milhão de brasileiros mortos pela COVID-19.

Assisti alguns desses vídeos e de cara achei interessante e fiquei realmente feliz por aquelas pessoas, superando depressão, abandonando relacionamentos tóxicos e realizando sonhos no meio desse período tão desafiador. Porém, ao ler as críticas comecei a refletir sobre o contraditório e exercitar a empatia me colocando no lugar de algumas das partes. A primeira pergunta que me fiz foi: mas afinal, para que diabos serve uma rede social além da óbvia socialização online?

Tive uma conversa há alguns dias com uma amiga sobre como as redes estão deixando de ser sociais para serem comerciais. Percebi que nós dois temos o mesmo incômodo sobre esta mudança. Nas redes hoje o importante é vender, vender, vender, tornando os criadores de conteúdo e usuários reféns dos algoritmos, métricas, públicos e formatos diferentes.

A ideia de que as redes eram uma vitrine para o ego, em que as pessoas buscavam aprovação ainda me parece muito válida. Porém, o que vemos na tendência do “Eram só 15 dias” já não são as triviais exposições de ostentação material e social. O que vemos são histórias pessoais de superação, com as dificuldades não sendo mais escondidas, mas usadas como contraponto para valorizar as conquistas. Me parece que esse foco mais comercial está tornando a vitrine para o ego mais complexa e elaborada, e ao mesmo tempo, tornando-a mais humana ao expor as dificuldades enfrentadas para se chegar à situação atual. As vidas nas redes já não são aqueles mundos perfeitos de alguns anos atrás.

A pandemia afetou e trouxe desafios a todos, sejam materialmente, seja mentalmente. Sucesso e superação nesta difícil fase de nossas vidas é algo sim que merece ser celebrado. Mas volto para um questionamento que tenho feito a mim mesmo há algum tempo e refletido no conteúdo impessoal e um tanto vago do meu perfil particular no Instagram: quem realmente precisa saber disso e com que detalhe?

Essa reflexão me faz crer que as críticas de fato possuem fundamento, pois apesar das conquistas e histórias superação serem positivas, elas de fato podem soar como uma exaltação ao ego versão 2.0. Nesta versão atualizada vemos novas formas de se obter admiração e aprovação através da oposição das dificuldades e conquistas, se utilizando de toda a dificuldade e consequências da pandemia, o que obviamente inclui tantos seres humanos mortos mundo afora por essa terrível doença. Entendo que as críticas são válidas, mas não acho que precisem ser tão duras, afinal de contas ainda estamos falando de pessoas que conquistaram e construíram coisas positivas durante a pandemia e isso é sim muito louvável.

Esta tendência é uma mais consequência dessa necessidade de exaltação do ego, a carência pela aprovação alheia como tantas outras que vieram antes. Logo, combater e criticar cada nova tendência pelo seu egoísmo também poderia ser uma forma de se exaltar o próprio ego como alguém crítico e mais inteligente. E aí entramos num ciclo parasitário, onde pessoas exaltam seu ego criticando quem exalta seu ego apenas por ser de outra forma.

Será que a real crítica não deveria ser voltada à essa necessidade incessante de aprovação do que fazemos e a exaltação de nossos egos?

  • Henrique Azevedo é um curioso nato e autodidata, antenado nas tendências tecnológicas e sempre pensando em como elas mudam nosso mundo e nossas interações.

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