É bem certo que nos encontramos bem no centro de uma crise profunda, onde as consequências da degradação ambiental desencadeiam cada vez mais a injustiça social. Trata-se de fenômenos frutos de um modelo de vida que ignora a interconectividade da criação, da natureza. Uma temática que diz respeito a todos nós, independentemente de qualquer credo, cultura, religião, nacionalidade.
Temas como este, que desafiam a capacidade humana de solucionar seus problemas e impasses, nos interpelam a cada instante sobre como vivemos, sobre os critérios de escolha que utilizamos para pautar nossa liberdade, bem como dos fundamentos éticos que devem fazer parte de nossa convivência. Por ente motivo resolvi trazes nesta semana a iniciativa religiosa da Igreja Católica no Brasil de chamar atenção a um tema social, ético, político, e de raízes econômicas em seu todo, a Ecologia Integral.
No período quaresmal, que se inicia na quarta-feira de cinzas e vai até o domingo de ramos, a Igreja Católica no Brasil dirige uma proposta de mudança de vida, entendendo que o não cuidado com a ecologia se trate também de um pecado, pois afeta diretamente ao próximo e à obra de Deus. Diante de um cenário cada vez mais alarmante, a ecologia integral emerge como uma proposta essencial para nossa conversão e transformação de vida, complexa por si mesma, pois envolve praticamente todas as dinâmicas e instâncias da vida humana.
Trata-se, desta forma, de um convite a repensar nossa relação com o mundo, indo além das soluções técnicas e nos direcionando para uma mudança espiritual e ética. Inspirados por filósofos, teólogos e cientistas, devemos assumir essa mudança como uma práxis urgente e inadiável. No livro bíblico de Gênesis há uma constatação fundamental em que Deus, depois de tudo ter criado, viu bondade em toda a sua criação.
Podemos dizer que uma primeira abordagem da ecologia integral se trata da justiça socioambiental, que reconhece a conexão indissociável entre a degradação ecológica e a desigualdade social. O Papa Francisco, em sua encíclica Laudato Si’, denuncia a exploração predatória da Terra e dos pobres, afirmando que “tudo está interligado” e que a destruição ambiental afeta, antes de tudo, os mais vulneráveis, ou seja, os mais pobres.
Da mesma forma, o teólogo e filósofo brasileiro Leonardo Boff, alerta e propõe um novo contrato social que respeite tanto a natureza quanto os direitos humanos. Ambos convidam para a conversão ecológica, em que se exige uma postura ativa contra sistemas que geram miséria e destruição, comprometendo-nos com práticas sustentáveis e solidárias, entendendo que afetar a criação divina significa ofender também a Deus.
Podemos afirmar que a segunda perspectiva propõe uma mudança radical na maneira como percebemos a realidade. Trata-se da ecofilosofia e interconectividade. O pensador Fritjof Capra, ao adotar uma visão sistêmica, nos alerta para a necessidade de abandonar a concepção mecanicista do mundo e reconhecer que somos parte de uma grande rede de relações. Isso nos leva a uma conversão intelectual e cultural, na qual deixamos de nos ver como dominadores da natureza para nos compreendermos como seus cuidadores e participantes conscientes da vida e da existência.
Por fim, a dimensão espiritual da ecologia integral nos lembra que a relação com a natureza não é apenas material, mas também sagrada. O sacerdote americano Thomas Berry, nos convida a perceber a Terra como um organismo vivo e sagrado, chamando-nos a um compromisso ético e espiritual. Essa perspectiva exige uma conversão do coração, uma redescoberta da contemplação e do respeito pela criação como manifestação do divino, sendo esta a natureza do conteúdo da campanha da Fraternidade 2025, proposta pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a CNBB.
Diante dessas reflexões, fica evidente que a ecologia integral não pode ser reduzida a um discurso apenas teórico ou a pequenas ações isoladas. Ela nos interpela a uma conversão total: de mentalidade, de hábitos e de espiritualidade. O chamado à mudança é urgente e inescapável. Se desejamos e necessitamos de um futuro sustentável e justo, devemos abraçar a ecologia integral como um novo estilo de vida, pautado na responsabilidade, no amor à criação e na solidariedade com toda a humanidade. O tempo da mera espera já passou. Agora é urgente que abracemos um novo tempo, com novas atitudes: o tempo da esperança, da ação e da transformação.
Por Sérgio Bruno
É um livre pensador e professor formado em Ética e Filosofia Política, com mais de 15 anos de experiência na docência e formação de jovens e adultos. Atualmente também é professor em cursos pré-vestibulares na área de Ciências Humanas e suas tecnologias, atuando também como professor de Sociologia, Cultura Religiosa e Teologia. É apaixonado por temas como Cultura e Sociedade, Cidadania, Política, Direitos Humanos e Diálogo Inter-religioso. Adora livros, leitura e literatura e deseja convidar você para compartilhar pensamentos, ideias e reflexões diversas.