*Da Redação Dia a Dia Notícia
Alienação parental é um dos temas mais delicados tratados pelo direito de família, considerando os efeitos psicológicos e emocionais negativos que pode provocar nas relações entre pais e filhos. Desde dezembro de 2022, a atriz Luana Piovani vem expondo nas redes sociais sua insatisfação com as atitudes de seu ex-marido e pai de seus três filhos, Pedro Scooby, divulgando conversas privadas entre eles.
A divergência entre pais separados, principalmente com relação a criação dos filhos, não é algo novo e a polêmica entre a atriz e o surfista trouxe para o centro de debates familiares o termo “alienação parental”. De acordo com os dados do Datafolha, cerca de 80% dos 20 milhões de filhos de casais separados são alvos dessa condição.
No Brasil, em março de 2022 foi criada a Lei 14.340/22 que altera a Lei 12.318, de 2010, e consolida a importância da atuação interdisciplinar em processos que tratam da alienação parental. A ideia é que crianças vítimas da prática passem a contar com maior participação de psicólogos e assistentes sociais na condução do caso.
O termo “Alienação Parental” é definido pela lei nº 12.318/2010 como “a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este”.
Como identificar alienação parental?
Para identificar se o filho está passando por uma alienação parental na casa do ex-companheiro(a), a advogada afirma que tem que observar as mudanças no comportamento da criança/adolescente.
“A gente conhece os filhos, quando a criança não quer ir para a casa de um ou do outro, fica mais relutante. Quando ela sente medo do contato com aquele adulto, fica receosa e às vezes até pela expressão corporal da criança a gente sabe. O comportamento e a manifestação deles é um sinal”.
Segundo Dora, outro sinal de alienação parental é quando está acontecendo a falta de ambivalência afetiva. “Quando a gente gosta de alguém, sentimos raiva, brigamos, isso é natural da ambivalência afetiva, é da natureza humana. Quando a criança está sofrendo alienação, isso some e tudo que vem do outro é ruim e ela odeia e da família também. Ela não tem aquela coisa natural do ser humano de gostar, sentir raiva e depois voltar a gostar, esse sentimento some”.
Entre as diversas formas de alienação, a mais popular, talvez, seja a campanha desqualificadora da conduta da mãe, do pai ou do responsável pelo exercício da paternidade ou da maternidade da criança, em que falsas denúncias são criadas para que o vínculo afetivo seja rompido.
Outra característica do alienador é dificultar o convívio familiar ou a autoridade parental, omitindo informações relevantes, como dados escolares, médicos, alterações de endereço, mudando para lugares distantes, onde o acesso para visitas é mais difícil.
Entre as ações classificadas como alienação parental, de acordo com a lei estão:
- Realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;
- Dificultar o exercício da autoridade parental; o contato de criança ou adolescente com genitor; e o direito de convivência familiar;
- Omitir informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;
- Apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;
- Mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, para dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.
Em entrevista ao site da TV Cultura, a advogada e mediadora de conflitos entre casais Dora Awad explica o que o termo significa.
“É a tentativa feita pelo pai, pela mãe ou qualquer outro adulto que tenha a criança ou adolescente sob a sua guarda, de afastar ela do outro genitor. Então, esse alienador inventa histórias e uma série de coisas para desqualificar a outra pessoa”.
O objetivo da conduta, na maior parte dos casos, é prejudicar o vínculo da criança ou do adolescente com o genitor. Na prática, o alienador tem uma repetição muito sistemática e a desqualificação do outro é completa, tudo que vem do alienado é ruim.
“Ela vai construir uma imagem falsa sobre o pai ou a mãe e não quer mais conviver com aquela pessoa. Dessa forma vai se criando uma falsa memória, que são coisas que de tanto serem repetidas pelo alienador essa criança/adolescente acaba acreditando e vivendo como se aquilo fosse verdade. A gente classifica a alienação parental como abuso moral com violência psicológica”, conclui a advogada.
A alienação parental fere, portanto, o direito fundamental da criança à convivência familiar saudável, sendo um descumprimento dos deveres relacionados à autoridade dos pais ou decorrentes de tutela ou guarda. Independentemente da relação que o casal estabeleça entre si após o término do casamento ou da união estável, a criança tem o direito de manter preservado seu relacionamento com o pai e a mãe.
O que é e como provar a alienação parental? Advogada de família explica:
Pelo olhar da criança alienada
Pós-doutor em neurociências e mestre em psicologia, Fabiano de Abreu reforça a importância de reconhecer e perceber os traços da criança alienada, para que eles sejam revertidos da melhor maneira possível. Alguns dos sintomas citados por ele, e possivelmente presentes, são: ódio ou medo do genitor alienado; acusações irrealistas ou falsas; ausência de culpa sobre sentimentos negativos em relação ao genitor alienado; apoio inabalável ao genitor alienador; e idealização do genitor alienador.
“A criança alienada desenvolve um apego emocional doentio (vínculo traumático) com seu agressor, o genitor alienador. Comportamentos de vínculo traumático são vistos em cultos, situações de reféns, tráfico humano, violência de parceiro íntimo e abuso infantil. É resultado de trauma interpessoal em relacionamentos violentos ou exploradores”, acrescenta o profissional.
Fabiano descreve que o impacto da alienação parental pode durar anos ou até a vida inteira. A prática, como avaliada por ele, nega às crianças uma infância normal. Outro aspecto mencionado pelo profissional, e pouco abordado quando correlacionado ao tema, é a impossibilidade de a criança ter uma relação com a família do genitor alienado.
“Crianças alienadas vivenciam um luto complexo pela perda de um genitor ainda vivo. Como essa perda é resultado de manipulação emocional, elas experimentam dificuldades psicológicas associadas a esse tipo de trauma e abuso. A alienação parental causa sofrimento emocional aos filhos. Os resultados a longo prazo nas crianças incluem: isolamento social, senso de identidade frágil, raiva, depressão e ansiedade”, elenca o doutor em psicologia.
“Cadê seu pai?”
De fato, tudo que é construído na infância, visto pelo olhar da criança, é guardado em sua memória com acontecimentos que ela não queria ter presenciado. Fernanda Souza (nome fictício), 22, nasceu dentro da guerra de seus pais, que se separaram quando ela tinha apenas 3 anos. No começo, confessa que não entendia o porquê do drama familiar ter inaugurado tantas cicatrizes em seu peito. Mas, à medida que foi crescendo, percebeu que estava no meio de uma realidade dura e difícil.
“Por um lado, uma mãe solteira revoltada com o término; por outro, um pai que vacilou de diversas maneiras e se ausentou depois da separação”, diz a jovem. Ao longo do tempo, percebeu-se cada vez mais distante daquele que deveria cumprir o papel de homem de sua vida. E isso, como afirma, porque se viu tomando as dores da mãe em relação às vivências que ela teve com o ex-companheiro. Foi aí que virou a chave: Fernanda estava sendo alienada.
“Havia coisas que realmente me davam motivos para ficar chateada com ele, mas boa parte era por situações que a minha mãe tinha passado com ele no casamento, não eu. Como fui criada por ela, a raiva e todos os outros sentimentos foram passados pra mim”, relembra.
Todos esses elementos presentes no crescimento da jovem implicaram no difícil acesso ao pai, que acabou se afastando. Crescer sem uma companhia masculina fez nascer em Fernanda cicatrizes ainda na infância, que perduraram na adolescência e ainda precisam ser cuidadas na vida adulta.
“Não consigo abraçar nem me expressar afetivamente sem sentir um incômodo no peito. Parece que ele é um estranho para mim, mesmo que tenhamos melhorado nossa relação. Essa situação refletiu muito nos meus relacionamentos, principalmente amorosos”, expõe. Ela cita ainda a dificuldade em verbalizar mágoas ou mesmo pedir desculpas.
Acredita que tudo isso tenha sido gerado pela forma como viu a mãe conduzir a relação com o pai. Durante a infância, a escutava dizer coisas como: “Eu tô aqui fazendo tudo por você, ‘cadê seu pai?’. Seu pai fez tal coisa e você ainda quer sair com ele?”.
Escutar e absorver tantas informações não foi fácil. Apesar da barreira em lapidar afeto paterno, Fernanda conta que o relacionamento entre os dois melhorou, que é tranquilo. Mesmo assim, os traumas e cicatrizes ficaram, pois, quando o assunto é afeto, esquecer parece nunca ser uma opção.
“Isso não é só em relação ao meu pai. Depois que tive plena consciência da situação em que estava, sinto a mesma coisa com a minha mãe. Meu lado maduro e adulto entende tudo que ela passou, entende a situação em que ela estava (criando uma filha sozinha, desempregada), mas minha criança interior vê uma mãe que não poupou uma criança de problemas que não eram para ser absorvidos, que perdeu a infância e uma relação melhor com o pai por conta dessas brigas”, expressa.
Traços do alienador
— Personalidade problemática
— Traços de personalidade narcisista
— Traços de personalidade borderline
— Traços de personalidade paranoica
— Traços de personalidade histriônica
— Distorções cognitivas
— Exteriorização de emoções e responsabilidades indesejadas
— Incapacidade de aceitar os próprios problemas
— Resposta ao luto anormal
— Família de origem problemática
— Histórico de relacionamento ruim
— Desejo de controle
— Desejo de vingança
*Com informações do Correio Braziliense