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Conep pede investigação de médica que aplicou cloroquina nebulizada em Manaus

A Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa), instância do Conselho Nacional de Saúde e vinculada ao Ministério da Saúde, pediu ao Ministério Público Federal que investigue a conduta da médica que ofereceu cloroquina nebulizada a pacientes com Covid-19 no Instituto da Mulher e Maternidade Dona Lindu, em Manaus (AM), conforme a reportagem da Folha de S. Paulo.

Para a Conep, o tratamento experimental realizado em Manaus pela ginecologista e obstetra paulistana Michelle Chechter, revelado pela Folha, se tratou de pesquisa clínica com seres humanos, sem autorização da instância regulatória ética e sem respeito às normas de ética em pesquisa vigentes no país. Cinco pessoas que receberam o tratamento morreram, dentre eles uma mulher grávida e seu bebê.

Além disso, segundo a comissão, a médica infringiu substancialmente o Código de Nuremberg e outros documentos internacionais de bioética, como a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos da Unesco.

A comissão informa que, após verificar os registros em sua base de dados (Plataforma Brasil), não encontrou qualquer pesquisa cuja intervenção estivesse associada à nebulização com cloroquina ou hidroxicloroquina. A própria médica responsável pelo tratamento confirmou que o procedimento experimental ocorreu sem a aprovação de um Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) ou mesmo da Conep.

“Cumpre esclarecer que qualquer tratamento experimental deve ocorrer estritamente no âmbito da pesquisa clínica, havendo necessidade de aprovação de um protocolo submetido à instância regulatória ética antes de ser iniciado”, diz o documento.

O Brasil dispõe de um robusto sistema de análise ética em pesquisa desde 1996, composto pela Conep e por mais de 800 Comitês de Ética (CEP) espalhados por todo o país (Sistema CEP/Conep).

A Resolução do Conselho Nacional de Saúde n° 466 12 de dezembro de 2012 define explicitamente que as pesquisas, em qualquer área do conhecimento envolvendo seres humanos, devem estar fundamentadas em fatos científicos, experimentação prévia e/ou pressupostos adequados à área específica da pesquisa.

Também estabelece que todo participante deve consentir sua participação na pesquisa por meio de um termo de consentimento livre esclarecido previamente avaliado e aprovado pelo Sistema CEP/Conep. Os estudos devem ser conduzidos por pesquisadores devidamente capacitados.

“No caso em tela, há flagrante desrespeito às normas de ética em pesquisa do país, tendo-se aplicado tratamento experimental para Covid-19 sem fundamentação científica, sem autorização prévia do Sistema CEP/Conep e conduzido por profissional sem experiência em pesquisa clínica”

De acordo com a comissão, ainda que a médica responsável pelo tratamento experimental tenha aplicado o termo de autorização, ele não representa um termo de consentimento livre e esclarecido minimamente aceitável para uma pesquisa clínica, faltando, entre outros pontos, assegurar os direitos dos participantes de pesquisa e informar adequadamente os procedimentos e riscos associados.

“O tratamento experimental proposto em Manaus é uma grave violação não somente à luz das normas de ética em pesquisa no Brasil. O Código de Nuremberg, formulado em 1947 em resposta aos crimes praticados por médicos em experimentos com seres humanos durante a Segunda Guerra, é documento, ainda hoje, referenciado internacionalmente na área de ética em pesquisa”, diz a Conep.

Ao que tudo indica, segundo a comissão, o tratamento experimental proposto pela médica feriu o Código de Nuremberg em diversos itens, senão todos.

“Deve-se dar destaque ao primeiro item [do código], que define desde a década de 40: “O consentimento voluntário do ser humano é absolutamente essencial. Isso significa que a pessoa envolvida deve ser legalmente capacitada para dar o seu consentimento; tal pessoa deve exercer o seu direito livre de escolha, sem intervenção de qualquer desses elementos: força, fraude, mentira, coação, astúcia ou outra forma de restrição ou coerção posterior; e deve ter conhecimento e compreensão suficientes do assunto em questão para tomar sua decisão.”

Esse último aspecto requer que sejam explicadas à pessoa a natureza, duração e o propósito do experimento; os métodos que o conduzirão; as inconveniências e os riscos esperados; os eventuais efeitos que o experimento possa ter sobre a saúde do participante.

“O dever e a responsabilidade de garantir a qualidade do consentimento recaem sobre o pesquisador que inicia, dirige ou gerencia o experimento. São deveres e responsabilidades que não podem ser delegados a outrem impunemente.”

Segundo a Folha apurou, a ginecologista e obstetra Michelle Chechter, que atuou, ao lado do marido, o também médico Gustavo Maximiliano Dutra, no IMDL (Instituto da Mulher e Maternidade Dona Lindu), em Manaus, fazendo testes clandestinos de hidroxicloroquina nebulizada em pacientes com Covid-19.

Uma das pacientes de Chechter era Jucicleia de Sousa Lira, mulher de Kleison Oliveira da Silva. Ele ficou sabendo, por meio de um vídeo recebido via WhatsApp, que a esposa, em estado grave e dias após passar por um parto de emergência, havia passado por um procedimento experimental baseado em um medicamento sem eficácia comprovada no tratamento contra o coronavírus.

Sob influência da médica, Lira dizia que tinha melhorado significativamente com a aplicação do medicamento. Após a nebulização, Lira não parou de piorar. Morreu no dia 2 de março, 27 dias após o nascimento do filho. Segundo o hospital, a causa foi infecção generalizada em decorrência da Covid-19.

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