Na tentativa de reverter a imagem negativa do país, o governo federal avalia a concessão de incentivos fiscais para o setor da bioeconomia, modelo econômico que transforma recursos naturais em produtos de maior valor agregado seguindo regras consideradas corretas do ponto de vista ambiental.
Os ministros Paulo Guedes (Economia) e Ricardo Salles (Meio Ambiente) decidiram criar até o final deste mês um grupo de estudo para discutir medidas que impulsionem o segmento no país. Segundo assessores do governo, uma das iniciativas que será tratada é a criação de uma zona franca no Pará, que ofereça isenções fiscais para a instalação de empresas de bioeconomia, uma espécie de zona franca ‘verde’.
A ideia é criar no país um polo de atração mundial de empresas de biotecnologia, sobretudo dos ramos cosmético, farmacêutico e alimentício, e de pesquisadores de universidades estrangeiras que desenvolvam trabalhos no segmento.
Com isso, o governo busca criar iniciativas de estímulo ao desenvolvimento sustentável que sejam apresentadas como vitrines do investimento do país na preservação ambiental. Neste ano, a expectativa é de que o Brasil seja cobrado por resultados em pelo menos dois eventos mundiais: no Fórum Econômico Mundial, realizado em maio em Cingapura, e na COP 26, em novembro no Reino Unido.
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) escalou para representar o país nos dois eventos internacionais Guedes e Salles, respectivamente. O objetivo é para que, ao apresentem medidas de responsabilidade ambiental, consigam reduzir as críticas sobre os índices recentes de desmatamento, voltando a atrair investimentos externos.
O estímulo à bioeconomia na floresta amazônica é defendido por ambientalistas e climatologistas como uma alternativa para substituir atividades de alto impacto ambiental, como o agronegócio e a mineração, por iniciativas de baixo impacto.
No início deste ano, o presidente disse que estudava a criação de uma zona franca em Marajó (PA). Segundo Bolsonaro, a ideia seria conceder uma série de isenções de impostos federais para a comercialização de produtos. A iniciativa foi uma sugestão do governador Hélder Barbalho (MDB).
Em setembro, o superintendente da Suframa (Superintendência da Zona Franca de Manaus), Algacir Polsin, anunciou que o CBA (Centro de Biotecnologia da Amazônia) será transformado em uma fundação pública de direito privado. A mudança jurídica permitirá que a instituição receba investimentos privados.
Para o deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados, o incentivo fiscal não é a melhor alternativa e hoje ele é utilizado, inclusive, com prejuízos para o meio ambiente.
“O governo está dando incentivo para a indústria madeireira. Aí não dá. O governo está financiando a compra de equipamento agrícola que está sendo usado para desmatamento. Isso também é incentivo”, afirmou.
Na avaliação do deputado, a Amazônia exige um conjunto de ferramentas. Países vizinhos, por exemplo, adotaram o pagamento por serviços ambientais em áreas privadas, semelhante a projeto enviado à sanção em 21 de dezembro. Em áreas públicas, o governo dá uma destinação para esses terrenos, criando parques, reservas ou fazendo concessão florestal.
“Eu pago alguma coisa ou dou algum benefício, que pode ser fiscal, para o cara manter a floresta em pé”, explicou Agostinho.
Especialistas também criticam a ideia de conceder incentivo fiscal, como já ocorre na Zona Franca de Manaus. Na avaliação da consultora econômica Zeina Latif, nenhum incentivo tributário deveria ser feito.
“E, se for fazer qualquer tipo de ajuste, que seja via Zona Franca de Manaus, no sentido de mudar o desenho do programa”, afirmou.
Latif defende parcerias com empresas privadas, a revisão de marcos regulatórios para dar segurança ao investidor e focar no ensino superior.
“A gente percebe as universidades, principalmente as públicas, diferente no mundo lá fora, que a gente vê tantas parcerias, você vê Oxford, AstraZeneca, você tem parceria universidade e setor privado. Isso é uma coisa que a gente não tem no Brasil”, disse.
Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper e colunista da Folha, afirmou que seria aceitável criar uma zona franca no Pará desde que o governo trocasse os benefícios da Zona Franca de Manaus por benefícios de incentivo à bioeconomia.
“Então seria alguma coisa do tipo ‘industrializar não deu certo’. Você não conseguiu fazer em Manaus um polo industrial autônomo, que viva sem subsídio”, disse. “Vamos acabar com isso e vamos mudar para uma outra coisa que seja a vocação do local. Mas não parece que é isso. Parece que vão criar uma coisa nova ao lado de uma coisa antiga que não funciona”, acrescentou.
No primeiro ano do atual governo, as emissões de gases estufa do Brasil aumentaram 9,6%. Para reverter o quadro atual, o Meio Ambiente anunciou meta de neutralidade nas emissões de gases do efeito estufa até 2060. O principal motor do aumento foi o desmatamento, que cresce acentuadamente e sem sinal de interrupção.
A destruição da floresta amazônica aumentou cerca de 9,5% de agosto de 2019 a julho de 2020 em comparação com o mesmo período de 2018 a 2019. No total, foram derrubados 11.088 km² de floresta nesse intervalo de tempo, apesar da presença na região do Exército.
A ausência de resultados aumentou a pressão sobre o vice-presidente Hamilton Mourão, que coordena o Conselho da Amazônia. Em conversas privadas, o general da reserva tem cobrado maior empenho da equipe ministerial em políticas de preservação.
Para evitar a piora da imagem do país, o presidente pediu recentemente a integrantes de sua equipe que, em 2021, moderem o discurso e evitem o embate direto com nações estrangeiras que criticam o Brasil por causa de sua política ambiental.
Em setembro, o superintendente da Suframa (Superintendência da Zona Franca de Manaus), Algacir Polsin, anunciou que o CBA (Centro de Biotecnologia da Amazônia) será transformado em uma fundação pública de direito privado. A mudança jurídica permitirá que a instituição receba investimentos privados.
Bolsonaro ainda autorizou integrantes de seu governo a aceitarem doações de nações europeias, desde que não ameacem a soberania do Brasil sobre a floresta amazônica. Em 2019, o Brasil bloqueou repasses de países como Noruega e Alemanha ao bilionário Fundo Amazônia. A ordem agora, ao baixar o tom, é tentar retomar a contribuição, incluindo novas nações europeias, como a Inglaterra.
Para a COP 26, o Brasil pretende adotar como discurso principal a defesa da regulamentação de trecho do Acordo de Paris que viabiliza o mercado de carbono. A expectativa do governo brasileiro é de que a iniciativa possa render anualmente ao país pelo menos US$ 10 bilhões (mais de R$ 50 bilhões pela cotação atual).
O mecanismo estimula países ricos a investirem em políticas de desenvolvimento sustentável de nações em desenvolvimento como forma de mitigar emissões de gases de efeito estufa.
Para investidores europeus, no entanto, medidas paliativas não são suficientes para recuperar a credibilidade do Brasil na área ambiental. Para restaurar a imagem, o país deverá dar uma sinalização concreta de redução do desmatamento, o que não foi feito até agora.
Em dezembro, o Brasil acabou de fora de evento preparatório promovido pela ONU (Organização das Nações Unidas) sobre mudanças climáticas.
Os organizadores do encontro chegaram a enviar ao governo brasileiro um roteiro para que Bolsonaro gravasse um vídeo que seria exibido no encontro. A orientação era para que o discurso fosse focado nos esforços de redução da emissão de gás carbônico, pauta principal do encontro, com o anúncio de uma meta.
Segundo relatos feitos à Folha, na gravação enviada, Bolsonaro chegou a tratar de forma pontual sobre o tema, mas ocupou a maior parte do tempo discorrendo sobre a preservação da floresta amazônica e a implementação do Código Florestal.
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