*Da Redação Dia a Dia Notícia
A decisão do prefeito David Almeida (Avante) de ‘privatizar’ o plano de saúde dos servidores da administração pública municipal, substituindo o Serviço de Assistência à Saúde do Município de Manaus (Manausmed) pela Hapvida Assistência Médica Ltda pelo valor de R$ 108 milhões, pode custar danos irreparáveis nos tratamentos de pacientes que enfrentam câncer e outras doenças com sério risco de vida.
Cerca de 150 pacientes com câncer realizam tratamento de quimioterapia em uma clínica especializada conveniada ao Manausmed, a Oncoclin, referência em oncologia humanizada. A contratação dos serviços da Hapvida gera incertezas que causam pânico e estresse aos servidores e pode até significar risco à saúde, conforme relata a advogada de uma das pacientes entrevistada pelo Dia a Dia Notícia, que preferiu manter-se em anonimato.
“A privatização da Manausmed trouxe sérias consequências negativas para os usuários do sistema de saúde, especialmente para aqueles que dependem de tratamentos especializados, como oncologia, cardiologia e nefrologia. No caso da minha cliente, a descontinuidade no padrão de atendimento representa um risco significativo à saúde, pois mudanças abruptas no tratamento podem comprometer sua eficácia e estabilidade”, explica a advogada Verônica Oliveira.
“Tais situações violam o princípio da dignidade da pessoa humana e o direito fundamental à saúde, garantidos pelo artigo 6º da Constituição Federal. Ademais, a ausência de uma transição organizada intensifica o impacto, expondo os usuários a uma situação de incerteza e vulnerabilidade”, complementa.
A paciente em questão é servidora da Secretaria Municipal da Mulher, Assistência Social e Cidadania (Semasc) e enfrenta doenças oncológicas há 12 anos. Ela já fez cirurgia renal e precisou retirar os rins, recebendo acompanhamento em uma clínica especializada em urologia pela Manausmed. Em 2021, foi diagnosticada com câncer no pulmão e iniciou o tratamento na Oncoclin, onde realiza quimioterapia a cada 21 dias. Recentemente, ela descobriu um novo nódulo que precisará ser removido com cirurgia, a qual deseja realizar na sua clínica de confiança.
“No mês de julho eu fui surpreendida que o meu atendimento lá ia ser suspenso, por conta da verba que não havia sido repassada para a clínica. Comigo são 150 pacientes atendidos, e ficamos muito desesperados por conta dessa situação de migração da Manausmed para a Hapvida porque ninguém quer isso. Queremos ficar com a nossa médica e realizar nosso tratamento na clínica, que é muito boa e muito acolhedora para nós. Agora essa situação de migrar nos pegou de surpresa, o prefeito já havia falado que isso não ia acontecer, que a Manausmed estava segura”, relata a servidora.
“Essa situação de que a gente vai ficar sem o nosso tratamento nos deixa muito a desejar. Eu fico em pânico por essa situação, porque eu tomo uma medicação duas vezes ao dia e faço a medicação na clínica a cada 21 dias. Inclusive, eu tenho uns exames para eu fazer, porque descobri um outro nódulo, né? E eu vou ter que fazer uma cirurgia para retirar ele novamente. Como que a gente fica nessa situação? Não sabemos se vai continuar Manausmed ou se não vai”, lamenta a servidora.
Ela conta que, para além da incerteza sobre os tratamentos, há também uma irregularidade nos hospitais que fazem atendimentos de urgência e emergência. “Antes nós éramos atendidos na Santa Júlia, já mudou para a Beneficente Portuguesa, aí volta pra Santa Júlia, volta pra Beneficente, vai pro Santo Alberto, não é mais Santo Alberto, e a gente fica sem saber o que fazer. São muitas coisas que a Manausmed me deixa muito a desejar, por eu ser uma paciente oncológica e ter que enfrentar todas essas situações”, afirma.
Para garantir a continuidade de acesso a serviços essenciais, como a quimioterapia e outros procedimentos, e mitigar danos à saúde do paciente, os usuários da Manausmed podem recorrer por via judicial com uma ação ordinária de obrigação de fazer, acompanhada de pedido de tutela de urgência. A advogada Verônica Oliveira explica que esse processo agiliza a liberação do serviço, mas que a decisão final pode levar até anos para ser obtida.
“A concessão da tutela de urgência, quando deferida, possibilita a retomada imediata do tratamento, mitigando os danos à saúde do paciente enquanto o mérito da ação é analisado. Essa medida visa garantir o acesso ao tratamento sem a necessidade de aguardar a conclusão de todas as etapas do processo. Contudo, a tramitação completa de ações ordinárias costuma demandar um prazo mais extenso, podendo se prolongar por meses ou até anos até a obtenção de uma decisão definitiva”, afirma.
No entanto, recorrer à Justiça não é o cenário ideal para pacientes que já enfrentam situações graves e delicadas de saúde. A mudança no plano de saúde deveria ser, no mínimo, acompanhada pelos servidores municipais, com representação, processo de escuta e transparência nos processos.
“Tal realidade evidencia a importância de que quaisquer mudanças nos modelos de gestão sejam realizadas com planejamento adequado e respeito integral aos direitos dos beneficiários, evitando, sempre que possível, o recurso ao Judiciário para resolver questões que poderiam ser tratadas no âmbito administrativo”, explica a advogada.
“Além disso, atrasos injustificados na autorização de procedimentos, recusas para realização de exames ou cancelamentos de tratamentos previamente agendados podem exigir medidas judiciais para assegurar os direitos do servidor. Em casos de descumprimento contratual ou lesão ao direito à saúde, que é protegido constitucionalmente, a via judicial pode se tornar indispensável. Nessas circunstâncias, é crucial buscar orientação de um advogado qualificado, que poderá analisar a situação específica e adotar as medidas legais necessárias para garantir o tratamento de forma célere e eficaz”, orienta.
Manifestação dos servidores
Nesta quarta-feira, 18, servidores se reuniram em frente à sede da Manausmed em protesto à decisão de David Almeida. Segundo Vânia, uma das manifestantes, ela teria ouvido pessoalmente do próprio prefeito, durante a campanha eleitoral, que ele manteria os serviços da Manausmed. No entanto, menos de dois meses após as eleições, a contratação da Hapvida foi publicada no Diário Oficial do Município, na última sexta-feira, 13, surpreendendo os servidores.
“Sou paciente oncológica há 3 anos, e já passei pela experiência de chegar na clínica e ser barrada, não ser autorizada. […] Eu estive diante do seu David Almeida durante a campanha, me coloquei à frente dele, tenho isso filmado, onde ele dizia que ia manter sim a Manausmed. Ele não se negou de forma alguma. Eu cheguei de frente a frente com ele e perguntei ‘prefeito, e a Manausmed?’, ele disse ‘tá garantida, fique tranquila’. E agora, prefeito?”, afirma a servidora em um vídeo.
Vânia conta ainda que já testemunhou uma experiência negativa com o tratamento oncológico da Hapvida, resultando no falecimento da sua irmã há um ano. De acordo com o depoimento, a Hapvida teria se recusado a seguir o protocolo mais eficaz contra a doença, mesmo com recomendação do Ministério Público.
“Eu não perdi a minha irmã pro câncer, eu perdi pra Hapvida. Porque até pro Ministério Público nós fomos, o MP mandou que a Hapvida fizesse o tratamento dela e a Hapvida se negou. Preferiu pagar multa e até hoje não pagou. É nessa situação que nós vamos ficar? Estou com um protocolo para ser seguido, e a Hapvida falou que não seguiria esse protocolo pelo alto custo, porque a Hapvida tinha outro protocolo. O protocolo que a Hapvida oferecia não era suficiente para curar minha irmã. Não sou só eu. Veja o nosso desespero. O senhor está em um patamar altíssimo hoje às nossas custas, porque nós acreditamos na sua palavra. Cadê as suas promessas políticas? Acabou. Virou ar, poeira? Nós exigimos respeito. Não somos marionetes. Precisamos que as clínicas que atendem a gente continuem com o convênio Manausmed”, diz Vânia.
Sem resposta
A reportagem do Dia a Dia Notícia entrou em contato com a prefeitura de Manaus acerca das denúncias recebidas e de que forma será conduzida a migração do plano de saúde para a Hapvida, porém, até a publicação desta matéria, não houve resposta. O espaço segue em aberto para maiores esclarecimentos.
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