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Vendas de pescado traz chineses à Amazônia e alcança mercado milionário no Brasil

Sarita Reed

*Da Redação do Dia a Dia Notícia

No mercado Ver-o-Peso, em Belém, no Pará, uma grande variedade de alimentos é ofertada desde o amanhecer, incluindo peixes capturados no rio Amazonas e nos mares próximos. Sob o teto alto do mercado de peixe, o cheiro de anos de vendas de pescado preenche o ar. Fileiras de barracas exibem seus produtos sob bandeirinhas coloridas. Seus donos arrumam os melhores cortes enquanto aguardam os clientes.

Cláudio, que vende frutos do mar há 30 anos, eviscera e limpa quatro ou cinco peixes, mas mantém suas bexigas natatórias, o órgão do peixe que controla a flutuabilidade do nado, conhecido na região como “grude”. Moradores não comem esse órgão, mas “clientes veem a bexiga e sabem que o peixe é fresco”.

Sarita Reed

A pescada-amarela, um dos peixes mais caros à venda no Ver-o-Peso, é distribuída já eviscerada. Sua bexiga natatória sequer chega ao mercado. “Já a venderam há muito tempo!”, Cláudio explica. A carne da pescada-amarela custa cerca de R$ 20 o quilo, ele nos diz, mas sua grude é negociada a R$ 2.800 o quilo. “Cara, muito cara”.

A bexiga natatória de algumas espécies não vale um centavo, enquanto outras são vendidas a preços exorbitantes. Ele nos olha e diz: “todas são vendidas para a China”.

 

Muitos peixes vendidos em Belém vêm de Vigia, um porto pesqueiro mais ao norte. A cidade de 55 mil habitantes fica às margens da Baía do Marajó. Barcos que saem para o mar pela baía logo chegam ao Oceano Atlântico, onde a água doce se funde com a água salgada – o que significa um bom lugar para pescar.

Quando por sorte os pescadores jogam suas redes e conseguem capturar a pescada-amarela, é como se tivessem encontrado uma joia. “É como ouro no mar”, dizem, referindo-se ao brilho atraente da espécie.

O peixe, encontrado em abundância na costa do Pará, há muito é associado ao ouro. Mas só recentemente se tornou valioso.

A razão por trás disso é um mistério para eles. “A grude é usada para fazer cola ou plástico? Talvez seja para produtos de beleza? Quem pagaria tanto por comida?”, se perguntam. Quem está familiarizado com o comércio sabe que os preços das bexigas natatórias dos peixes machos e fêmeas são diferentes e que as dos machos valem mais. Um ex-pescador achava ter a resposta: “É um afrodisíaco?”.

Na China, a bexiga natatória seca é considerada por muitos como fonte de recursos medicinais, que variam conforme espécie, tamanho, idade e origem do peixe. Em razão disso, a captura da bexiga natatória da pescada-amarela para exportação torna-se cada vez mais uma fonte vital de renda para alguns pescadores na costa amazônica.

De acordo com especialistas, o peixe — e a indústria pesqueira em geral — pode ser uma alternativa de menor impacto para o bioma amazônico, sobretudo em relação a produções como a de carne e de grãos, grandes vetores de desmatamento.

No entanto, a falta de pesquisas, regulamentação e fiscalização podem prejudicar o potencial de longo prazo da bexiga natatória e, como qualquer “corrida pelo ouro”, é provável que se esgote.

Preços de ‘grude’ disparam

Nossas entrevistas e outros estudos mostram que a bexiga natatória já era vendida para a China no início do século 20. Mas só na última década que quantidades e preços dispararam.

Qualquer que seja seu uso, os pescadores de hoje estão interessados em aproveitar o crescente mercado e os altos preços da grude.

À tarde, em um vilarejo tranquilo perto de Vigia, a maré está baixa, e o pequeno barco de pesca de madeira de Élder Júnior repousa silenciosamente sobre o lodo. Júnior, 37 anos, sorri enquanto repara suas redes, com a lançadeira em sua mão girando rápido para trás e para frente.

Júnior voltou do mar recentemente. Ele e outros três pescadores passaram dez dias em um barco com menos de cinco metros de comprimento. Trouxeram de volta 40 pescadas-amarelas, um total de 142 quilos.

Foi uma boa pescaria. A carne do peixe cobrirá apenas o custo do combustível. A bexiga natatória é o que dá lucro. Em outras palavras, a expedição seria inútil se ele não conseguisse vender a bexiga. “Quando minha filha era pequena, eu usava a grude para fazer bonecas para ela”, brinca Júnior. É claro que hoje ele não faz isso.

Júnior pesca desde os 12 anos. Na primeira vez que seu filho de 10 anos pôs os pés em um barco, ficou enjoado. Mas Júnior ficou contente: “Isso significa que ele será mais feliz indo à escola”. Sua família pesca há gerações, mas ele espera que seus filhos façam outra coisa.

Apesar dos ganhos, é uma vida mais difícil para Júnior do que foi para seu pai, diz ele, já que há mais barcos para competir, inclusive os grandes.

Na maré cheia, no dia seguinte, um barco grande chega a Vigia após semanas no mar. Ele descarrega centenas de pescadas-amarelas do porão — todas com as bexigas natatórias já removidas. De outro barco, um saco cheio de bexigas natatórias secas é jogado no cais, onde um carro o esperava. Um grupo de pessoas de aparência séria o carrega para o porta-malas. Eles ignoram nossas chamadas e vão embora.

Águas turvas no comércio da grude

Ao saber que estávamos fazendo uma reportagem sobre o comércio de bexigas natatórias, Bianca Bentes, professora do Núcleo de Ecologia Aquática e Pesca da Amazônia da Universidade Federal do Pará, nos informou que poderíamos ter dificuldades para acessar o mercado como repórteres.

Bentes nasceu em Santarém, no Pará. Ela começou a estudar a pesca da região em 1996. Foi então que ela se deparou pela primeira vez com o comércio de bexigas natatórias. Os peixes de água doce, com os quais ela tinha mais familiaridade, têm bexigas natatórias sem valor comercial.

No passado, quando começou a pesquisar sobre esse mercado, ela foi avisada para não se envolver. Outros especialistas também nos alertaram que investigar o comércio de grude poderia ser “sensível”.

Um pesquisador local, que deu entrevista sob condição de anonimato por temer implicações no seu trabalho, não conseguiu explicar por que o assunto havia “se tornado tabu”. Tem algo “a ver com os enormes lucros”, disse ele.

Lam Chun Tung

As cadeias de abastecimento entre a Amazônia e o mercado final do outro lado do mundo não são complexas. A bexiga natatória é frequentemente retirada do peixe, limpa e seca enquanto o barco ainda está no mar. O proprietário do barco então a vende — às vezes diretamente aos exportadores, mas mais frequentemente ao primeiro de uma série de compradores intermediários. O exportador envia a grude para Hong Kong por via aérea ou marítima.

Os comerciantes mantêm um perfil discreto. Em entrevistas, nos falaram que algumas empresas exportadoras equipam com vidro à prova de balas os veículos que transportam as bexigas natatórias, e que comerciantes chineses têm sido alvo de grupos criminosos locais.

A maior parte do lucro no Brasil vai para atravessadores e exportadores. Eles preferem manter esse comércio longe dos holofotes para evitar o aumento na concorrência e  roubos, que são frequentes na região. Por esses motivos, ficamos surpresas quando uma empresa exportadora de bexiga natatória disse que estaria disposta a nos dar entrevista.

*Com informações do InfoAmazônia

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