Aos 24 anos, a paiter-suruí Txai Suruí fez história ao discursar, em inglês, na abertura da COP26, em Glasgow, nessa segunda-feira (1º). Diante dos olhos do mundo e na presença de líderes como o britânico Boris Johnson, defendeu a participação dos povos indígenas nas decisões da cúpula do clima e lembrou o assassinato do amigo Ari Uru-Eu-Wau-Wau.
Ela discursou sobre a importância de proteger a Amazônia e ouvir os povos indígenas. Foi a única brasileira a falar na abertura da Cúpula do Clima (COP-26) aos mais de cem chefes de Estado – o presidente Jair Bolsonaro decidiu não ir ao evento. “A Terra está falando. Ela nos diz que não temos mais tempo”, disse na conferência. “Não é 2030 ou 2050. É agora.”
Mas os dois minutos no palco principal foram curtos para relatar as ameaças, os reveses e as conquistas que a jovem e a sua família vêm acumulando em Rondônia.
Txai é filha de Almir Suruí, 47, uma das lideranças indígenas mais conhecidas do país e duro crítico do governo Jair Bolsonaro (sem partido).
Por causa dessas críticas, foi perseguido. No final do ano passado, o presidente da Funai, Marcelo Xavier, pediu à Polícia Federal a abertura de um inquérito para investigar “crime de difamação” que teria sido cometido por duas associações ligadas a seu pai. O motivo foram críticas à atuação do órgão indigenista federal no combate à Covid-19. O caso, revelado pelo UOL, acabou arquivado em maio.
A pandemia, aliás, foi especialmente dura para Txai. Ela perdeu as duas avós para a doença, além de primos e tios.
A mãe de Almir, Weitãg Suruí, falecida em janeiro, era um dos poucos paiter-suruís vivos nascidos antes do contato, ocorrido em 1969. Nos anos seguintes, doenças trazidas pelos brancos, principalmente o sarampo, quase dizimaram o povo, que habita a divisa entre Rondônia e Mato Grosso.
Outro momento difícil para a família foi em maio. A mãe da jovem, a indigenista Ivaneide Cardozo, 62, passou a receber ligações com ameaças de morte por conta de denúncias contra invasores da Terra Indígena (TI) Uru-Eu-Wau-Wau. Dois deles estiveram na sede da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, fundada e liderada por ela.
Na avaliação de uma organização dedicada a proteger a vida de lideranças na Amazônia, a sua vida corria sério risco. A contragosto, Neidinha, como é mais conhecida, se viu obrigada a deixar Rondônia, exílio que durou dois meses.
As invasões à TI Uru-Eu-Wau-Wau começaram em janeiro de 2019, em meio a promessas de Bolsonaro de reduzir terras indígenas. Nesse contexto de conflito, Ari Uru-Eu-Wau-Wau, 33, que atuava como guardião do território, acabou assassinado com golpes na cabeça, em 18 de abril de 2020. O caso até agora não foi solucionado pela Polícia Civil.
Ativismo indígena
Txai faz parte dos Povos Suruí, tem cerca de 2 mil indígenas. As aldeias passaram a sofrer com invasões nos últimos anos e, segundo ela, com efeitos da crise do clima, que dificulta a subsistência pela caça e plantio.
Fundadora do Movimento da Juventude Indígena de Roraima e estudante de Direito, ela também atua no núcleo jurídico da Associação de Defesa Etnoambiental – Kanindé, organização referência na causa indígena. Recentemente se tornou conselheira da World Wide Fund For Nature no Brasil (WWF Brasil).
Uma das vozes mais emergentes no ativismo indígena, Txai afirma que, enquanto o mundo passa a ouvir os povos indígenas, o País vai no movimento contrário. “O Brasil precisa mudar radicalmente se quiser salvar o planeta”, afirmou ela, que ainda lembrou o o ativista Ari Uru-Eu-Wau-Wau, que denunciava crimes ambientais e foi encontrado morto em abril de 2020 em Rondônia.
Nas próximas duas semanas, ela continua na COP e em outras agendas pela Europa. “Os líderes precisam saber que o que estamos vivendo na Amazônia também é responsabilidade deles”, concluiu.
*Com informações do Estadão e Folha de São Paulo.