No dia 25 de janeiro de 2019, a vida na cidade de Brumadinho, a cerca de 35 quilômetros de Belo Horizonte, mudou completamente. A barragem de rejeitos de minério de ferro da mina Córrego do Feijão se rompeu causando 272 mortes e um rastro de degradação ambiental e social.
Dois anos depois, trata-se de um problema ainda a se resolver em diversas esferas. A indenização aos familiares das vítimas e às demais pessoas afetadas pela tragédia ainda é um assunto pendente, conforme a reportagem da CNN.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) abriu uma conciliação entre autoridades e a mineradora Vale. As partes esperavam fechar um acordo satisfatório antes do segundo “aniversário” do desastre, mas a última audiência indica que a resolução do conflito ainda vai demorar mais.
“É o momento de a Vale assumir sua responsabilidade, agir com dignidade e reparar os danos que foram causados aos mineiros ou demonstrar seu antagonismo com Minas Gerais e sua posição de inimiga dos mineiros”, criticou, em entrevista coletiva, o secretário-geral do governo mineiro, Mateus Simões.
A Vale, por sua vez, contemporizou. Em nota, a mineradora afirma que a conciliação permitiu um “diálogo de alto nível”, com “avanços consideráveis para construção de um acordo”. A empresa argumenta ter pago já cerca de 8.700 indenizações individuais e ter destinado cerca de R$ 10 bilhões para reparação dos danos.
Se nada mudar até a próxima sexta-feira (29), a conciliação será encerrada e o caso voltará à primeira instância da Justiça, em um caminho sem prazo para solução. Uma fonte da agência Reuters afirmou que o descompasso entre as partes está em R$ 11 bilhões.
O Governo de Minas Gerais, o Ministério Público e a Defensoria Pública teriam pedido uma indenização global de R$ 40 bilhões, enquanto a Vale estaria disposta a pagar R$ 29 bilhões. As autoridades mineiras já reduziram o pedido, que era de R$ 54 bilhões em agosto de 2020 – R$ 28 bilhões em danos morais coletivos e R$ 26,6 bilhões em compensação socioeconômica.
Na sexta-feira (22), em ato de preparação para a retomada da disputa judicial, o procurador-geral de Justiça de Minas Gerais, Jarbas Soares Júnior, designou um grupo de 18 promotores e quatro procuradores para atuarem nos processos abertos.
Barragens ainda não desmontadas
Lei federal sancionada em outubro de 2020 dá o prazo máximo para o fim do modelo de barragens “a montante”, como Brumadinho e Mariana (que se rompeu em 2015), até o dia 25 de fevereiro de 2022.
Em dezembro, a secretária de Meio Ambiente de Minas Gerais, Marília Melo, deu um número preocupante: só uma das 53 barragens desse tipo já teriam sido descaracterizadas, termo técnico para a desativação e inutilização.
A Vale aponta mais uma, em Nova Lima (MG), que teria descaracterizado em novembro de 2019 e não estaria na contagem oficial.
Barragens do tipo “a montante” são as construções em que os próprios rejeitos de minério de ferro ali depositados são utilizados como base para ampliação da capacidade.
Flávio Penido, diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), afirmou à CNN que o setor está comprometido com a descaracterização das barragens. Penido, no entanto, argumenta que esse é um processo alongado e em andamento.
“Descaracterização não é tirar a barragem do lugar. É você deixar o que era a barragem, o corpo da barragem e os sedimentos em uma situação segura. Principalmente, tirar a água”, disse.
O executivo argumenta que o desastre de Brumadinho provocou mudanças significativas para a mineração.
“A segurança das barragens e a proteção de vidas é a maior preocupação de todo o minerador”, afirmou.
Penido argumenta que foram incluídas no processo novas práticas de segurança. Ele cita a instituição do Engenheiro de Registro, profissional externo às operações e que fica encarregado de monitorar a segurança, com acesso direto aos gestores das empresas.
Novas resoluções da Agência Nacional de Mineração (ANM), diz Penido, intensificaram a fiscalização e as responsabilizações das empresas.
Questionado sobre a razão dessas medidas serem adotadas apenas depois do desastre, o presidente do Ibram admite que foram “lições”. “O setor aprendeu lições e segue esses ensinamentos. Nós agimos para mudar os nossos procedimentos”, completa.
Ele argumenta também ter sido constituído um hub de inovação, em parceria com startups, com o objetivo de pensar medidas que reduzam o impacto ambiental da atividade mineradora.
“É perfeitamente possível compatibilizar mineração com sustentabilidade, mantendo bons resultados para as empresas.”
Vale
As ações da mineradora Vale (VALE3) chegaram a perder um quarto do seu valor de mercado na B3 depois do rompimento da barragem. Os papéis, que custavam R$ 56,15 na véspera do rompimento, desabaram até menos de R$ 42 no início de fevereiro.
Em um ano, a Vale conseguiu se recompor, recuperando seu antigo valor em janeiro de 2020. Mais um ano passado da quebra da barragem, as ações da mineradora chegaram a R$ 93,07 cada, o que representa um crescimento de mais de 65% no acumulado do período desde o desastre.
No balanço mais recente divulgado pela empresa ao mercado, do terceiro trimestre de 2020, a mineradora previa despesas ainda de R$ 3,1 bilhões com as reparações de Brumadinho.
“A Vale registrou um lucro líquido de R$ 15,6 bilhões no 3T20, ficando R$ 10,3 bilhões maior quando comparado aos R$ 5,3 bilhões registrados no 2T20”, informou a companhia no mesmo resultado de operações.
Outra empresa com pendências legais é a TÜV SÜD, companhia especializada em auditorias industriais. A TÜV SÜD enfrenta uma ação civil na Alemanha por seu suposto papel no colapso da barragem de Brumadinho.
Um grupo de reclamantes brasileiros alega que a TÜV SÜD foi responsável pela certificação da barragem de rejeitos de Brumadinho, quando ela era insegura, por medo de perder como cliente a Vale, maior produtora mundial de minério de ferro.
A TÜV SÜD disse em um comunicado que continua convencida de que não tem responsabilidade legal pelo rompimento da barragem.
Nota da Vale após término de audiência sem acordo:
A Vale reconhece, desde o dia do rompimento, sua responsabilidade pela reparação integral dos danos causados.
A empresa tem prestado assistência às famílias e regiões impactadas, buscando restaurar a dignidade e meios de subsistência, seja através de ações diretas nas regiões, seja através de acordos individuais com famílias das vítimas e atingidos. Até o momento foram pagas cerca de 8.700 indenizações individuais.
A Vale considera fundamental reparar os danos causados de maneira justa e ágil e tem priorizado iniciativas e recursos para este fim.
Fundamental destacar a qualidade do processo de mediação do CEJUSC do TJMG que assegurou, num diálogo de alto nível, avanços consideráveis para construção de um acordo. Embora as partes não tenham chegado a consenso, a divergência concentra-se em aspectos relacionados a valores a serem pagos e à sua destinação.
A Vale continuará a cumprir integralmente sua obrigação de reparar e indenizar as pessoas, bem como de promover a reparação do meio ambiente, independentemente de haver condenação ou acordo. Até o momento, a empresa destinou cerca de R$10 bilhões para estes fins.
A Vale reitera sua confiança no Poder Judiciário.
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