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Terror ou maternidade? História faz confusão proposital baseada na observação dos detalhes

“- É seu? É seu filho?

– Era meu. Agora já não é.

– Carla, filho é para toda a vida.

– Não, querida,”

 

Tensão, medo e agonia. É esse o ambiente criado por Samantha Schweblin em Distância de Resgate (Editora Record, 2016), livro vencedor do prêmio Tigre Juan de 2015, um dos mais importantes em língua espanhola, e também finalista do Man Booker Prize em 2020.

A pequena obra de 143 páginas traz a narração de um diálogo entre dois personagens: Amanda, uma mulher com febre em uma cama de hospital, e David, uma criança que sussurra ao seu ouvido e guia a conversa, fazendo com que ela tente se lembrar do que aconteceu antes daquele dia. Bastam pouquíssimas páginas para que o leitor se veja agarrado ao texto em suspensão: falta ar, é insalubre, mas é bem difícil largá-lo.

 

Acompanhamos então a reconstrução do dia anterior à doença: Amanda tem uma filha, Nina, que ela leva para uma cidade no interior a fim de descansar nas férias. Lá ela faz amizade com Carla e seu filho, David, menino que manifestou sintomas estranhos depois de algo que lhe aconteceu na infância e pelo qual Carla se sente muito responsável, misturando o que seria culpa com alguma espécie de maldição.

 

Ao mesmo tempo, vemos a construção da relação entre Amanda e Nina, o fio invisível que as liga – ora mais esticado e presente ora permissivo dando independência – e a preocupação genuína desta mãe com o que ela chama de distância de resgate, a distância variável que a separa de sua filha caso seja necessário salvá-la de algo: Amanda passa metade de todos os dias fazendo esse cálculo e, no fim, acaba sempre se arriscando mais do que deveria.

 

A escolha da autora em misturar terror fantástico com a banalidade do dia a dia é ao mesmo tempo desesperadora e inquietante para quem lê: fica a dúvida se há algo realmente errado com aquele povoado ou se são apenas as dificuldades da maternidade se impondo na criação dos filhos? E quando chegamos ao desfecho, nada fica mais suave ou fácil porque foi visto. A vibração e tensão da corda continuam reverberando altas assim como as reflexões que surgem a partir do toque nelas. Assusta pensar que os problemas de todos os dias podem ser um pouco mais terríveis para alguns do que para os outros? Existe por acaso algum apocalipse ou horror que não seja pessoal?

 

O romance com cara de conto foi adaptado para as telas em uma produção chilena da Netflix e está disponível na plataforma desde outubro. Com o título de O fio invisível, foi dirigido pela cineasta peruana Claudia Llosa, e o roteiro tem participação da autora Samantha Schweblin. Mesmo a adaptação sendo muito fiel ao livro, inclusive com diálogos e descrições inteiras presentes na história, a experiência de leitura tem um quê de atravessamento e combustão difícil de ser encontrado na experiência da película, onde as chaves para a solução do suspense acabam sendo entregues mais facilmente do que nas entrelinhas do texto e da potência narrativa.

 

Ainda assim, os temas todos estão lá: o corte do cordão umbilical, o misticismo, o povoado esquisito com poucas crianças que nascem boas e a construção da amizade um tanto quanto perturbada destas duas mulheres muito sozinhas que ao mesmo tempo em que se salvam também se enterram. Uma dualidade tipicamente feminina escancarada no instinto e na projeção dos filhos, afinal, precisamos nos reconhecer neles para sempre?

*Heloiza Daou é movida a palavra e um pouco obsessiva. É diretora de marketing na Intrínseca e também mãe do Tomás, o job mais insano e amado da vida.

 

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