Pouco mais de cinco meses após o apagão que deixou grande parte do Amapá convivendo com falta de energia por 22 dias, o sistema elétrico do norte do país ainda convive com consequências da crise, que levou a um revezamento de transformadores entre instalações do Norte e Nordeste, conforme a reportagem da Folha de S. Paulo.
Esta semana, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) estabeleceu prazos para que a operadora da subestação responsável pelo apagão finalmente reponha os equipamentos danificados pela explosão em novembro de 2020 e devolva aqueles emprestados para manter o fornecimento ao Amapá.
O remanejamento de transformadores só não trouxe problemas maiores pelo atraso na projeção de operações de uma térmica em Boa Vista, que demandaria o uso do equipamento que foi deslocado para Macapá. Com atraso das obras pela pandemia, só deve iniciar as operações em janeiro.
A LMTE (Linhas de Macapá Transmissora de Energia), operadora da subestação de Macapá, diz que vai cumprir os prazos estabelecidos pela Aneel, que preveem a entrega dos equipamentos até o fim agosto. A companhia comprou dois novos equipamentos, ao invés de mandar os danificados para conserto.
O apagão do Amapá foi provocado por uma explosão em um transformador da subestação Macapá, instalação responsável por receber energia do resto do país para injetá-la na rede elétrica do estado.
A estação deveria ter três transformadores operando no momento da explosão, mas um deles estava fora de serviço havia quase um ano. Um outro também foi danificado e, sem o reserva, a subestação não tinha como funcionar.
O problema foi parcialmente solucionado com o transporte de transformadores que estavam em Laranjal do Jari, no mesmo estado, e em Boa Vista (RR) para Macapá. Para reduzir o risco de novo apagão por falha em Laranjal do Jari, um transformador foi levado de Belém (PA) para a cidade.
A expectativa era que o transformador de Boa Vista voltasse a Roraima até maio. O estado precisa do reforço para possibilitar a conexão da térmica Jaguatirica, da Eneva, projeto que venceu em 2019 leilão do governo para fornecer energia para a região.
Mas com a demora na reposição pela LMTE, a Eletronorte decidiu levar para a capital de Roraima um equipamento que está na subestação de Miranda, em São Luís.
A decisão gerou um novo problema. Miranda já operava de forma precária após incêndio em um de seus três transformadores em 2019 e, para não ficar em situação de alto risco, precisou receber um transformador de Teresina.
A instalação é essencial para fornecer energia ao sistema de abastecimento de água em São Luís e mais três cidades da região metropolitana da capital maranhense. Em caso de pane, portanto, os impactos chegariam tanto às tomadas quanto às torneiras dos moradores da região.
O ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) disse que a saída do equipamento de São Luís só ocorreu após a instalação do equipamento deslocado de Teresina. Assim, afirma, a subestação “continua a contar com dois transformadores, suficientes para garantir atendimento aos consumidores, mesmo na indisponibilidade de um deles”.
Embora a cessão de transformadores para subestações de outras empresas seja recorrente no setor elétrico, executivos do setor ouvidos pela Folha dizem que o revezamento provocado pelo apagão do Amapá não tem precedentes.
O traslado dos equipamentos, principalmente na Amazônia, envolve uma complexa logística de custo elevado, com o uso de diferentes meios de transporte, como barcaças e caminhões. Transformadores desse porte chegam a pesar entre 150 toneladas e 200 toneladas e têm as dimensões de uma pequena residência.
Três dos cinco transformadores movimentados para resolver a crise pertencem à Eletronorte —aqueles retirados de Boa Vista, Belém e São Luís. Um deles é da própria LMTE e o último a entrar na roda é da Chesf (Companhia Hidrelétrica do São Francisco).
Em meio à crise, a Eletronorte chegou a pedir autorização à Aneel para comprar um novo transformador, mas o pedido ainda não foi aceito. A aquisição de novos equipamentos tem impacto na conta de luz, já que os custos são rateados entre todos os consumidores.
Para executivos do setor, a situação ilustra que as autoridades do setor elétrico vêm permitindo que o sistema opere com nível elevado de risco, que pode repetir transtornos como o gerado pelo apagão de novembro. Além de corte no fornecimento de luz e água, a crise provocou o adiamento da eleição para prefeito de Macapá.
Em fevereiro, a a Aneel, aplicou multa de R$ 3,6 milhões à LMTE, alegando que falhas na manutenção das instalações contribuíram para a crise. A empresa recorre, dizendo que a penalidade foi definida antes da conclusão das investigações.
Em seu recurso, a LMTE diz ainda que não foram investigadas as responsabilidades de outros agentes do setor elétrico responsáveis pelo planejamento da segurança energética do Amapá.
“O papel de uma transmissora é ligar um ponto A com um ponto B, não é entregar e garantir o suprimento ao consumidor final. Isso é papel de outros agentes setoriais, do próprio planejador, do ministério, da própria Aneel ao leiloar os projetos…”, disse na época a defesa da companhia.
Esta semana, a agência multou o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) em R$ 5,7 milhões por ter conhecimento da demora na reposição do transformador danificado em 2019 em Macapá e não tomar medidas preventivas para reduzir os riscos da operação precária.
Logo após o apagão, especialistas consultados pela Folha já avaliavam que faltou ação dos órgãos planejadores e fiscalizadores diante da demora na recuperação do terceiro gerador.
O fornecimento de energia ao Amapá é dependente de um sistema de transmissão que liga o linhão Tucuruí-Manaus a Macapá. São duas linhas de transmissão de alta voltagem que terminam na subestação Macapá.
Para técnicos do setor, a dependência de uma só conexão com a principal fonte de energia já demandaria uma atenção especial ao sistema amapaense, necessidade reforçada pelo fato de estar isolado do resto do país, com uma logística mais difícil.
Relatório do ONS divulgado no fim de 2020 aponta também falhas de outros agentes envolvidos no fornecimento de energia ao Amapá, como a distribuidora estadual CEA e usinas hidrelétricas instaladas no estado. Para reduzir o risco de novas ocorrências, o operador pede estudos para a construção de uma nova subestação.