Respeitar seria o mesmo que amar? Devemos respeitar apenas as pessoas que gostamos? Devemos respeitar as pessoas que nos faltam com respeito? Afinal de contas, o que é respeitar? Esta é uma pergunta que sempre me veio à mente. Acredito que a raiz etimológica desta palavra já nos ajuda a pensar o respeito e forma menos superficial e mais sábia. A atitude do respeito/respeitar trata-se de uma das práticas sociais mais importantes e fundamentais.
Como construir uma sociedade saudável sem a mínima noção de respeito mútuo? Como estabelecer relações humanas sem a prática do respeito? Outro problema ou impasse quando se trata da atitude de respeitar é a noção comum de que o respeito seja um sentimento, que dependa de gostar ou não gostar de alguém. Assim como também há uma ligação confusa que se faz entre respeito e medo, de forma que muitas relações humanas se tenham construído na ideia de que respeita-se alguém a partir de quanto alguém pode me ameaçar ou mesmo de imposição de barganha entre quem pode mais e quem pode menos. É pensando nestes aspectos que podemos buscar uma iluminação no pensamento filosófico para auxiliar no seu melhor entendimento e em uma sábia e coerente prática de vida tanto individual quanto coletiva.
E quando se trata de conhecer o que é respeito, o que é de fato respeitar? O entendimento deste conceito exige um aprofundamento etimológico. Segundo o site origem da palavra.com, ela vem do Latim RESPECTUS, particípio passado de RESPICERE, “olhar outra vez”, de RE-, “de novo”, mais SPECERE, “olhar”. A ideia é de que algo que merece um segundo olhar em geral merece uma atenção redobrada. origemdapalavra.com.br/palavras/respeito
Uma outra fonte, significados.com esclarece que na sua origem em latim, a palavra respeito significava “olhar outra vez”. Assim, algo que merece um segundo olhar é algo digno de respeito. Por esse motivo, respeito também pode ser uma forma de veneração, de prestar culto ou fazer uma homenagem a alguém, como indica a expressão “apresentar os seus respeitos”.www.significados.com.br/respeito
De maneira mais comum falar de respeito é quase um ato de veneração, mas essa ideia carrega dentro de si um tom de medo, e medo não seria o sentido aqui buscado, pois se trata de um impulso muitas vezes impensado, de um sentimento negativo quando em uma relação entre pessoas tudo se estabeleça a partir do medo, entende-se que não haja prazer ou mesmo satisfação em se estar na presença um do outro.
Respeito, dentro da construção filosófica, seria o resultado de uma decisão pensada e refletida, e não simplesmente uma ação baseada em simples impulso emocional. No livro O Monge e o Executivo, James C. Hunter entende que o respeito é atitude de “tratar as pessoas como se fossem importantes”. Isto já nos leva ao entendimento de que respeitar não exige necessariamente uma ligação sentimental, mas, no ato de refletir, ou em outras palavras, uma decisão fundamentada na razão.
Um outro aspecto muito interessante abordado por Hunter diz respeito ao amor de Jesus quando afirma que “o amor que Jesus fala não é o ágape, não é o SENTIMENTO DO AMOR. Nem sempre posso controlar o que sinto a respeito de uma pessoa, mas posso controlar como me comporto em relação a outras pessoas”. E autocontrole é por si mesmo uma decisão ou ato pensado.
É justamente diante do ato de decidir que adentramos em um campo de reflexão racional e filosófico, portanto, do campo da ética. De maneira que se pode entender que respeitar não corresponde a gostar de alguém, mas fundamentalmente decidir a maneira de se tratar alguém.
Um dos maiores impasses de nossa existência humana é justamente a forma como entendemos o ato de respeitar, pois muitas vezes este é considerado um sentimento, e erroneamente se traça o seguinte caminho: somente se gostar de você, o respeitarei. Daí podermos questionar, mas se não gosto de todos, não respeitaria a todos? As consequências são drásticas. Imaginemos um mundo em que haja respeito apenas por quem se tem algum tipo de apreço.
A proposta filosófica implica reconhecer que o agir humano deva ser orientado e clareado pela razão, pela consciência, que antes de agir, pensa e repensa, ou seja, reflete sobre o que fazer, bem como suas consequências positivas ou negativas, benéficas ou maléficas.
O ato de respeitar, como resultado de um processo racional se traduz como decisão, daí voltamos ao conceito etimológico do respeito onde “na sua origem em latim, a palavra respeito significava “olhar outra vez”. Assim, algo que merece um segundo olhar é algo digno de respeito”. De maneira que se pode entender que agir de modo respeitoso significa dirigir-se ao próximo com atitude de reverência.
Daí surge outro impasse: quem merece respeito, ou quem seria digno de respeito? Respeitar não significa gostar, mas é uma tomada de decisão pessoal diante do outro. O pensamento contemporâneo nos coloca diante de conquistas humanas no campo dos direitos e deveres. Reconhecemos através da Carta dos Direitos do Homem e da Declaração Universal dos Direitos Humanos que o ser humano é digno de direitos iguais e inalienáveis justamente pelo fato de ser um ser humano, um indivíduo, uma pessoa, um ser vivo dotado de consciência bem como de personalidade e de caráter único.
Então, reconhecer estes direitos e a dignidade da vida humana deve nos colocar em atitude racional de compreender que mesmo diante de um não apreço por alguém sou chamado, como ser consciente e racional a respeitá-lo. E decido agir desta forma justamente porque reconheço que uma vida social marcada pelo desrespeito é uma vida marcada pelo caos. Reconheço também que tratar os outros de maneira desrespeitosa não me torna melhor, mas, pelo contrário, me diminui como ser humano, já que o ato de respeitar diz respeito à minha própria pessoa. Assim como pode causar transtornos e sofrimento para alguém. O mínimo que uma sociedade pode fazer para se manter equilibrada é diante da atitude respeitosa entre seus membros.
Compartilhando da ideia do filósofo Kant, devemos ser educados para alcançar a maioridade, uma maturidade capaz de agir por mim mesmo tendo como principal parâmetro o conceito de que um bem que se faça a outrem torne-se uma regra universal, ou seja, válida para todos sem exceção. Respeito a todos porque respeitar a todos é a forma mais coerente de vida social.
Respeitar significa venerar, é fazer-se atento e não ignorar. Respeitar significa reconhecer que todos somos dignos pelo que somos, e fundamentalmente porque somos seres humanos. O próprio cristianismo carrega em sua doutrina uma contribuição marcante, pois entende que toda a vida, todo dinamismo vital, que todo ser humano é obra da bondade criadora de um Deus, portanto, respeitar, na ideia religiosa, é tratar o outro como irmão, como semelhante que tem em si a mesma origem, o mesmo fundamento, a mesma causa, o mesmo propósito, o propósito pensado por Deus. De maneira que agir como Deus significa agir da maneira verdadeiramente válida, onde jamais devo causar ao meu semelhante ou próximo qualquer tipo de mal.
Respeitar não se trata de um sentimento ou mesmo de afinidade, respeitar significa ser ético, ser justo, agir para o bem de todos, defender a dignidade da vida acima de qualquer coisa. E como diria Kant, devemos buscar sempre agir segundo a razão e não segundo o impulso. Então, somente pela razão podemos ponderar, discernir e decidir o que é melhor para todos e não por ser conveniente.
Por Sérgio Bruno
É um livre pensador e professor formado em Ética e Filosofia Política, com mais de 15 anos de experiência na docência e formação de jovens e adultos. Atualmente também é professor em cursos pré-vestibulares na área de Ciências Humanas e suas tecnologias, atuando também como professor de Sociologia, Cultura Religiosa e Teologia. É apaixonado por temas como Cultura e Sociedade, Cidadania, Política, Direitos Humanos e Diálogo Inter-religioso. Adora livros, leitura e literatura e deseja convidar você para compartilhar pensamentos, ideias e reflexões diversas.
