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Quaresma e conversão, princípios éticos da vida cristã

“Onde não há caridade não pode haver justiça.”

Santo Agostinho

           Eu não poderia deixar de tratar deste tema tão próprio de nossa cultura ocidental e de nossa cultura brasileira, a Quaresma e a Páscoa, já que nos encontramos exatamente neste período em que as tradições cristãs celebram estas festividades. Não irei desenvolver uma reflexão do ponto de vista teológico e religioso, mas partirei exatamente da ideia de que por trás do ensinamento de Jesus Cristo há uma profunda sabedoria humana em defesa do bem maior, do bem individual e também de um bem coletivo.

Comumente não se fala de Jesus como sendo um filósofo, como o foi Platão, Sócrates, Heráclito, porém, jamais negaremos que se trate de alguém que abordou temas da vida humana com profundidade extraordinária. Jesus não se enquadra no conceito de pensador que nega o processo religioso e transcendental do ser humano. Sua mensagem contida nos Evangelhos é profundamente marcada pela ideia de um Deus trino que se manifesta na história como Pai, Filho e Espírito Santo, e que deseja a salvação da humanidade da condição de pecado em que se encontra.

O período da quaresma cristã (tempo de quarenta dias iniciado na quarta-feira de cinzas até a Semana Santa) é marcado por atitudes que remetem a uma ideia de se fazer penitente diante de nossos atos, de nossos pensamentos e palavras. Este período não se fecha em si mesmo, mas tem como principal objetivo a vivência da Páscoa, festividade mais importante de todo o calendário cristão, quando se celebra a passagem de Jesus da morte para a vida, ou seja, a sua ressurreição.

Na história do cristianismo as comunidades cristãs passaram a vivenciar os acontecimentos mais importantes da vida de Jesus e mais do que isso, a se pautar em uma vida marcada pela oração, pela caridade e pela abstinência de bens materiais. Porém, é na quaresma que estas práticas são mais evidenciadas por se tratar de uma preparação, da purificação do corpo e da alma para festejar a ressurreição de Jesus.

Se tomarmos a bimilenar tradição e sabedoria cristã poderemos extrair de suas práticas quaresmais a exigência de um viver ético e corretamente moral. A prática da oração nos faz lembrar de introspecção, de olhar para dentro de si, avaliar se erramos, se pecamos. Esta prática pode ser traduzida como reflexão, pois nos coloca em atitude de avaliação do que somos, de como temos agido com nossos semelhantes e de quais propósitos podemos assumir para uma mudança de vida. E a conversão seria exatamente este mudar de vida, deixar de “praticar coisas erradas” e passar a viver segundo o bem, com retidão nas ações.

A terceira atitude quaresmal é do jejum. Em sua origem consistia basicamente em abster-se de comer alguma coisa, mas hoje o conceito de jejum é bem mais abrangente, podendo ser um jejum de coisas que gosto em geral, um jejum moral, um jejum financeiro, jejum de atitudes, entre outros. O Papa Francisco alerta a seus seguidores de que devemos nos abster, ou seja, jejuar de tratar mal as pessoas e passar a agir de maneira gentil, com respeito e de forma sempre amistosa.

O jejum é a base fundamental para a próxima prática quaresmal, a prática da caridade (que era mais conhecida como esmola). Pois, a ideia de jejum é não se utilizar de algo para que seja compartilhado com outrem. Por exemplo, comer menos chocolate na quaresma e utilizar o dinheiro que gastaria com este produto para comprar uma cesta básica para uma família carente. Há pessoas que deixam de comer farinha, ou açúcar, ou feijão na quaresma e doam para instituições de caridade o que não comeram fazendo jejum. De forma que este jejum não deve ser feito de forma isolada e individualizada, mas sempre pensando no bem de alguém que mais precise.

Por sua vez, a vivência da caridade consiste na atitude de repensar nossas práticas para que em nosso ser se construa uma mudança: do individualismo para vivência do bem coletivo; da mesquinhez para a prática da partilha; do egocentrismo para o uso comunitário daquilo que pode servir para o bem de todos; ou em uma linguagem cristã, do pecado para a vida, ou seja, de um renascimento. Hoje não se fala tanto em apenas dar esmolas na quaresma, mas em se fazer um bem para os nossos semelhantes, na partilha da vida, das qualidades que temos e podem ser compartilhadas, do alimento, até mesmo de nosso tempo dedicado a quem dele necessite, acompanhando um idoso, cuidando dos doentes, dedicando-se ao bem. A caridade cristã é amor que transborda, é dedicação para com alguém, e na mensagem de Jesus, a vivência verdadeira da caridade é condição para a salvação da alma.

Se sairmos do campo de ideias religiosas e pensarmos a partir da reflexão ética, estas práticas cristãs exercem grande contribuição pois podem causar impacto e mudança social. À medida em que as diversas denominações cristãs convidam seus seguidores a uma reflexão pessoal de suas práticas e de abandoná-las para viver uma mudança interior e exterior, de se fazerem pessoas mais amigáveis, mais fraternas, mais respeitosas. Esta mudança perpassa não somente o ser de quem se converte, mas se faz concreta na atitude e na prática do bem, bem ao próximo, do respeito à vida, por entender que esta vida é sagrada, ou seja, de que ela é dom de Deus.

Em linhas mais gerais da vida cristã, pessoas convertidas são pessoas que geram e defendem a vida, são pessoas que se sensibilizam com as realidades de sofrimento e exclusão de outras pessoas, do indigente, do faminto, do doente, do encarcerado, do morador de rua, dos idosos “órfãos de filhos”, dos depressivos, dos que não sabem amar. E a partir desta mudança de vida elas passam a agir de maneira que sua vida se faz abundante, se faz um dom, ou seja, se faz um bem onde quer que estejam e com quer que estejam. Para Jesus a caridade e o fazer o bem ao próximo são condições básicas de salvação, são condições fundamentais de vida plena e abundante.

Sergio Bruno

É um livre pensador e professor formado em Ética e Filosofia Política, com mais de 15 anos de experiência na docência e formação de jovens e adultos. Atualmente também é professor em cursos pré-vestibulares na área de Ciências Humanas e suas tecnologias, atuando também como professor de Sociologia, Cultura Religiosa e Teologia. É apaixonado por temas como Cultura e Sociedade, Cidadania, Política, Direitos Humanos e Diálogo Inter-religioso. Adora livros, leitura e literatura e deseja convidar você para compartilhar pensamentos, ideias e reflexões diversas.

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