*Da Redação Dia a Dia Notícia
Como os povos indígenas foram historicamente tratados pelas Constituições Federais brasileiras? Esse foi o tema do artigo do promotor de Justiça do Ministério Público de Roraima (MPRR), Márcio Rosa da Silva, que integra a obra “200 anos de independência do Brasil – das margens do Ipiranga à margem da sociedade”, lançada na manhã desta sexta-feira (25), na sede do Ministério Público do Amazonas (MPAM), em Manaus.
Segundo Silva, a Constituição Federal demorou para avançar no reconhecimento dos povos indígenas no Brasil. A primeira vez que são mencionados é em uma espécie de emenda na constituição imperialista, datada de 1824, a qual determinava a catequese e a civilização dos indígenas, denominados na época de “selvagens”.
“Com a proclamação da República decidiram não enxergar os povos indígenas, porque a constituição republicana em 1891 não menciona os povos indígenas. Eles só vão ser mencionados em 1934, para dizer que eles precisam ser assimilados à cultura nacional”, afirma o promotor. “Depois, em 1946, afirma-se de novo que [os povos indígenas] têm que ser assimilados, e incrivelmente, só na Ditadura Militar, em 1967, que se define na Constituição que os indígenas têm direito à posse de suas terras. Infelizmente, só em 1988 que, aí sim, há um avanço significativo ao mencionar suas culturas, línguas, organizações sociais e a posse perpétua da terra que tradicionalmente ocupam”, completou.
O promotor ressaltou que, apesar da importância de reconhecer os direitos dos povos originários na Constituição, é preciso que as palavras sejam colocadas em prática. “É importantíssimo colocar no papel, é simbólico, tem força, mas precisamos transformar esse constitucionalismo de papel em uma realidade. Precisamos avançar no reconhecimento de fato, e não olhar para os povos indígenas como algo somente exótico, algo que tem que ser preservado, como se fosse uma coisa estática”, pontuou.
Para Silva, para combater a visão colonial historicamente imposta sobre os povos indígenas, é necessário entendê-los como civilizações dinâmicas, que assim como todas as outras, passam por transformações. “Como qualquer povo e qualquer civilização, são civilizações dinâmicas que estão em constante transformação. Estavam aqui antes da gente chegar e, os guerreiros que sobreviveram, continuam aqui lutando para serem respeitados e para não haver violação de suas terras”, ressalta.
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Novo ‘Estatuto do Índio’
Outro ponto levantado pelo promotor foi também a necessidade de se reformular o Estatuto do Índio, a começar pela nomenclatura. “Nós temos que ter um ‘Estatuto dos Povos Originários’ ou ‘Estatuto dos Povos Indígenas’. Já existe projeto rolando no Congresso Nacional, só que não vai pra frente. E o Estatuto do Índio, na minha opinião, não está de acordo com a Constituição Federal e nem com as normativas internacionais, porque estas colocam os povos indígenas com toda a sua diversidade e exige respeito a essa diversidade. O atual Estatuto do Índio não faz isso”, afirma.
Um dos problemas do estatuto vigente, segundo Souza, é o sistema de tutelagem que se adota sobre os povos indígenas, simbolizado pela atuação da Fundação Nacional do Índio (Funai). Ao contrário desse sistema de tutela, o promotor acredita que o órgão deve ser voltado para a articulação de políticas públicas que defendam a vida indígena.
“A Funai tem que ser um órgão para articular e fortalecer as políticas públicas para os povos indígenas, para dar mais autonomia a eles, e não tutelar esses povos. Por isso, é ultrapassado e por isso a minha esperança é que haja um avanço nisso. Se nós tivermos um Ministério dos Povos Indígenas, com uma pessoa indígena como ministro, nós teremos também, muito provavelmente, uma pessoa indígena também como presidente da Funai, que é muito importante, porque aí você não coloca um branco para tutelar os povos indígenas”, ressalta.
Por esses motivos, o promotor defende não apenas uma atualização do Estatuto do Índio, mas a revogação da legislação atual, em troca de um novo texto, que demonstre respeito à Constituição e aos tratados internacionais sobre povos originários. “Revoga o Estatuto do Índio e aprova-se uma nova legislação, moderna, contemporânea”, finaliza.
Lançamento da obra
O promotor do MPRR compôs a mesa de debate do evento denominado “Novos Caminhos contra a Corrupção”, que também contou com a participação do procurador de Justiça do Ministério Público de São Paulo (MPSP), Roberto Livianu, um dos organizadores da coletânea de artigos críticos sobre o sistema político que rege o Brasil – desde a invasão portuguesa – e os impactos em diversas áreas da sociedade.