*Da Redação do Dia a Dia Notícia
Por ano, transformar cerca de 80% da Amazônia em áreas de conservação ambiental custaria ao Brasil, sete vezes menos por hectare do que a União Europeia investe para manter todas as suas áreas de preservação. O cálculo faz parte de um artigo publicado em maio deste ano na revista Perspectives in Ecology and Conservation.
De acordo com o estudo, o Brasil gastaria entre 1,7 e 2,8 bilhões de dólares por ano para proteger formalmente 3,5 milhões de km2 de floresta — o equivalente a 83% da extensão total do bioma Amazônia no Brasil. Atualmente, as áreas de conservação amazônicas se estendem por 2,2 milhões de km2, ou 51% do bioma. Para estabelecer os 1,3 milhões de km2 adicionais de novas áreas protegidas, os pesquisadores estimam um investimento inicial de 1 a 1,6 bilhões de dólares.
A fim de mostrar como o valor é pequeno perto dos investimentos em preservação de outros países, o artigo ressalta que a União Europeia gasta cerca de 5,3 bilhões de dólares anualmente para manter apenas 1 milhão de hectares (ou 0,01 km2) de áreas preservadas – o equivalente a meio estado de Sergipe.
“Em geral, o Brasil investe muito pouco nas áreas de conservação da Amazônia”, diz o professor da Universidade de Miami, José Maria Cardoso da Silva, um dos autores do estudo.
Outro fator que explica a diferença entre os valores, segundo o professor, é o modo como essas áreas estão distribuídas na Amazônia e na Europa: enquanto o sistema europeu é composto por centenas de pequenas unidades de conservação entre áreas densamente povoadas, na Amazônia elas estão em extensas áreas de floresta com baixa densidade populacional.
“Os estudos mostram que os custos de áreas de conservação diminuem com o tamanho [maior] da área de conservação e aumentam com o crescimento das atividades humanas ao redor dessas áreas”, explica Silva.
Apesar de pequeno quando comparado à União Europeia, o gasto estimado de até 2,8 bilhões de dólares por ano para proteger 83% da Amazônia é elevado quando comparado ao orçamento total de 2022 do Ministério do Meio Ambiente, que é de cerca de R$ 3,1 bilhões — ou 700 milhões de dólares.
O cálculo
Para calcular os o valores mínimo e máximo necessários para manter os 3,5 milhões de km2 de floresta, os pesquisadores analisaram todas as áreas de conservação já existentes.
“Primeiro, usamos as fontes oficiais do governo para mapear todas as Unidades de Conservação, as Terras Indígenas, as terras públicas não designadas e as áreas prioritárias para conservação, tal como definidas pelo governo brasileiro”, diz Silva.
Então, os pesquisadores consideraram o número necessário de pessoal para gerenciar cada área de conservação.
“Áreas menores do que 167 km2 devem ter pelo menos cinco pessoas, segundo número proposto pelo próprio Governo Federal; áreas maiores devem ter pelo menos três pessoas para cada 100 km2, segundo recomenda a literatura científica mundial”, explica Silva.
Para estimar o custo de manejo anual de cada área de conservação, os pesquisadores consideraram o salário médio anual de empregados de empresas públicas, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e cada valor foi multiplicado por dois.
“No custo de manejo anual, incluímos o custo de pessoal e mais todos os outros custos das atividades necessárias para gerenciar cada área, como, por exemplo, manutenção de infraestrutura, transporte etc”, afirma o professor.
0,03% dos gastos públicos
Áreas de conservação são unidades territoriais legalmente instituídas pelo poder público, podendo ser federais, estaduais ou municipais. Já as Terras Indígenas são instituídas e geridas pela Fundação Nacional do Índio (Funai).
No âmbito federal, essas áreas são administradas pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Nas esferas estadual e municipal, estão sob responsabilidade dos Sistemas Estaduais e Municipais de Unidades de Conservação.
Dados do Portal da Transparência mostram que a Funai, responsável pelas terras indígenas, tem orçamento previsto em 2022 de apenas R$ 642 milhões (US$ 125 milhões). Já o ICMBio, que gere 27% das unidades de conservação na Amazônia, tem o orçamento total de R$ 727 milhões (US$ 142 milhões). Somando os dois órgãos ambientais federais, seus orçamentos representam 0,03% dos gastos públicos do país.
Além de verbas enxutas destinadas à conservação ambiental, o governo de Jair Bolsonaro é o primeiro desde a ditadura militar a não regularizar nenhuma das 235 Terras Indígenas que ainda aguardam demarcação.
Áreas insuficientes
O estudo ressalta que, entre as áreas prioritárias a serem transformadas em Unidades de Conservação estão as terras públicas não destinadas, pertencentes aos Estados e à União, consideradas “terras de ninguém”.
Um levantamento do Instituto Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) publicado em 2020 na revista Land Use Policy apontou que 23% dos 49,9 milhões de hectares de terras públicas não destinadas na Amazônia brasileira estão registradas ilegalmente como propriedades privadas.
O estudo também alerta que os 2,2 milhões de km2 de áreas formalmente protegidas na Amazônia são insuficientes para manter a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos da região, como controle do clima e das chuvas, e resguardar os direitos das populações indígenas e tradicionais cujas terras ainda não são demarcadas.
O professor Silva lembra que a Amazônia pode atingir o “ponto de inflexão irreversível”, estágio em que a devastação transformará a floresta tropical em savana, se o desmatamento atingir de 20% a 25% do bioma.
“Caso a janela seja fechada, uma parcela significativa da Amazônia, a maior região de florestas tropicais do planeta, será perdida rápida e irreversivelmente. Os efeitos desta imensa perda sobre a humanidade estão ainda sendo estudados, mas as projeções são absolutamente terríveis”, alerta Silva.
*Com informações da agência Mongabay