Na edição deste ano do Painel do Saneamento, Manaus aparece com a 5ª pior cobertura de esgoto entre os 100 maiores municípios do Brasil, melhor apenas que Ananindeua (PA), Macapá (AP), Porto Velho (RO) e Santarém (PA), de acordo com a reportagem da Folha de São Paulo. É a sétima vez em oito anos que a cidade fica entre as 20 piores do país no ranking elaborado pelo Instituto Trata Brasil com dados do IBGE e do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento.
Em 2000, Manaus privatizou os sistemas de água e esgoto. Dezoito anos depois, 8,6% da população (mais de 183 mil pessoas) da capital amazonense ainda não tinha água encanada. E apenas 12% tinha acesso à rede de coleta de esgoto, o terceiro menor índice entre as capitais brasileiras. Em 2020, a situação é a mesma para milhares de pessoas que vivem em palafitas às margens do rio Negro e em igarapés que cortam a cidade.
No trecho do bairro Educandos, na zona sul de Manaus, onde mora a recepcionista Priscila Souza, 29, o esgoto das casas é lançado no rio, assim como boa parte dos resíduos domésticos. A água vem de uma ligação clandestina “emprestada” do vizinho.
“Na seca [do rio] a gente mal vê o chão de tanto lixo. E na cheia, a gente mal vê a água”, diz ela, que mora com a mãe e três filhos, de 5, 8 e 10 anos.
No bairro Tarumã, o vigilante Eduardo Santos de Oliveira, 32, tem como parte da rotina, desde a infância, buscar água em um poço profundo público para abastecer a própria casa, que também não tem coleta de esgoto. “Mais de 20 anos e nada da água chegar aqui.”
Apenas em 2020 a rede de abastecimento de água chegou a 98% da população, atingindo a meta estabelecida em 2018 pelo contrato de concessão de gestão do serviço à empresa Águas de Manaus. A concessionária é a quarta a assumir a gestão do sistema nas últimas duas décadas.
Essas trocas constantes de concessionárias e o lento avanço nos índices de saneamento de Manaus revelam “falhas de gestão” por parte das empresas e “falta de controle por parte do poder público”, afirma Gracita Barbosa, diretora de Estudos e Projetos Estratégicos do CFA (Conselho Federal de Administração) da capital amazonense.
“O que faltou [em Manaus] foram pessoas qualificadas e controle de uma agência reguladora. E os índices de perda de água que, em 2018, eram de 74%, comprovam isso. Que empresa joga fora 74% da sua produção?”, diz.
Diretor-presidente da concessionária Águas de Manaus, Renato Medicis culpa o avanço das ocupações irregulares e das ligações clandestinas pelas perdas e intermitências no fornecimento de água. E diz que a cobertura da rede de esgoto passou para 21% neste ano, com a meta de atingir 80% da cidade até 2030.
“Não podemos responder pelo que foi feito antes da nossa chegada.” O executivo diz que a cobertura de fornecimento de água aumentou em 8% e a de coleta de esgoto, em cerca de 10% desde 2018.
Em Palmas, estudo aponta risco de desabastecimento
Moradora há 20 anos da quadra 605 Norte, no centro de Palmas (TO), a servidora pública Maria Lúcia Gomes conta que nunca teve problemas com o fornecimento de água desde que se mudou do Maranhão para o Tocantins. Ela não viveu o período em que o abastecimento na cidade era precário e feito por caminhões-pipa, como lembram seus vizinhos.
Mas a servidora pública sofre com a falta de coleta de esgoto em seu bairro, numa região central. Sua família já teve que construir três fossas no local.
“A água do chuveiro e da pia vai para o sumidouro. Já a da máquina de lavar vai para a rua, que é sem saída. Como somos muitos vizinhos, dependendo da época do ano, a gente vê a água parada”, diz.
Desde 2011, o sistema de saneamento e de coleta de esgoto é privatizado na capital do Tocantins. Atualmente, a BRK Ambiental (antes Odebrecht Ambiental/Saneatins) detém a concessão.
De acordo com Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, mantido pelo Ministério do Desenvolvimento Nacional com informações enviadas pelas concessionárias, na área urbana de Palmas 100% da população tem acesso à água tratada e 87% tem coleta de esgoto. Antes da privatização do serviço em 2011, esse percentual era de 33%.
Em nota, a BRK afirma que o atendimento com coleta e tratamento de esgoto na capital atende aos critérios do Plano de Atendimento ao Saneamento do Estado do Tocantins, que estabeleceu como universalização o atendimento a 80% da capital. A companhia, no entanto, não explica o motivo pelo qual 13% da cidade ainda não tem acesso à coleta de esgoto.
Para Fernán Vergara, doutor em tecnologia ambiental e recursos hídricos e professor da UFT (Universidade Federal do Tocantins), o grande desafio para o futuro de Palmas é garantir o fornecimento de água.
Atualmente, o ribeirão Taquaruçu, em processo de desmatamento com loteamentos ilegais que impactam no abastecimento, é responsável pela água de 80% da população do município, segundo Vergara.
Após a implantação da usina hidrelétrica do Lajeado, ele diz, um lago se formou na cidade, que antes era margeada pelo Rio Tocantins — e é dele que a concessionária poderá ter que captar água no futuro.
“Uma equipe da UFT criou o Plano de Bacias Hidrográficas em torno do lago e, no documento, apontamos o colapso do Taquaruçu, dada a taxa de crescimento da demanda da cidade. Por mais que a BRK trabalhe impecavelmente, se não tiver água, ela não pode fazer nada”, fala.
O professor também diz que o fato da cidade estar entre o lago e uma serra aumenta os custos do saneamento, “porque você passa a ter casas distantes umas das outras e quadras com baixa densidade populacional. Mesmo com o lago, o sistema de captação dessa água é totalmente diferente do que temos hoje”.
Com a nova lei do saneamento aprovada pelo Senado, o governo do Tocantins continua com a concessão do serviço por mais oito anos. Mesmo que haja alterações ou vetos à lei, nada muda no Estado, segundo a ATS (Agência Tocantinense de Saneamento).
Em nota, a agência informou que, um dos maiores problemas enfrentados pelo governo para elevar o percentual da população atendida (uma média de 80% do total de cada município) e aumentar a eficiência dos serviços prestados pela agência, é “o excesso de burocracia que onera o preço de produtos e serviços, constituindo assim um claro obstáculo ao desenvolvimento do setor de saneamento no Estado”.