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Plano para controlar ONGs na Amazônia provoca reação da sociedade civil

Dezenas de organizações brasileiras assinaram, nesta semana, uma carta aberta em repúdio ao plano do Conselho Nacional da Amazônia Legal que pretende, por meio de um marco regulatório, ter o “controle” de 100% das entidades que atuam na região até 2022.

A meta consta de documento obtido pelo jornal O Estado de S. Paulo, que divulgou a informação no início da semana, e objetiva limitar organizações não governamentais que, na avaliação do Executivo, “violam interesses nacionais”.

Mais do que um ataque às organizações que atuam diretamente na Amazônia, a estratégia do colegiado presidido pelo vice-presidente, general Hamilton Mourão, foi considerada uma ameaça a toda a sociedade civil.

Esse é o posicionamento central da carta Garantir a liberdade das ONGs é defender o interesse nacional. Em tom crítico, o documento frisa que a atuação e a liberdade das organizações são garantidas pela Constituição Federal e que a lei brasileira veda qualquer tipo de interferência do Estado na criação, no funcionamento ou mesmo no posicionamento das entidades.

“É gravíssima e repugnante a informação de que, em reuniões oficiais e que envolvem um grande número de ministérios, integrantes do atual governo apresentem de forma expressa propostas que afrontam a democracia no país”, diz o texto.

Para o conjunto das mais de 70 organizações que assinam a carta, as propostas “somente encontram parâmetros em outros regimes autoritários ao redor do mundo, nos quais as liberdades de imprensa, de livre manifestação e de associação foram suprimidas para dar espaço a autocracias ditatoriais”.

O que está por trás [do plano] é a intenção do governo Bolsonaro de controlar e coibir a participação da sociedade civil no debate público

Luiza Lima, da campanha de Políticas Públicas do Greenpeace Brasil, ressalta a gravidade do cerco às organizações da região amazônica ser colocado como uma estratégia de governo que circula em documentos internos assinados pelo vice-presidente.

“O que está por trás [do plano] é a intenção clara, evidente, explícita do governo Bolsonaro que desde o princípio tem o desejo de controlar e coibir a participação da sociedade civil dentro do debate público e das tomadas de decisão que afetam a população”, critica Lima.

O governo prevê “ações setoriais” e cita a criação de um marco regulatório mas não apresenta uma proposta fechada de nova legislação. De acordo com a reportagem do Estadão, os ministérios da Justiça, do Meio Ambiente e o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) são os responsáveis pela tarefa.

O Conselho da Amazônia Legal, que não conta com a participação de organizações e é totalmente centralizado no governo federal, não divulgou quais seriam os critérios para avaliar se as organizações estão de acordo com o que definem como “interesses nacionais”.

Lima destaca que por mais que o plano dê a entender que o foco seja os grupos da área ambiental, os termos foram colocados de forma ampla e podem impedir a atuação de grande parcela de entidades nas áreas de educação, saúde e assistência social na Amazônia.

“As ONGs existem para cumprir certa lacuna deixada justamente pelos governos, mas também tem o papel de fiscalização e denúncia de práticas cometidas. Nesse governo, especialmente, que tem uma agenda muito agressiva contra os povos indígenas, contra aqueles que defendem as florestas e comunidades tradicionais, é uma ameaça direta às organizações, aos ativistas, aos especialistas e às comunidades. Aos indígenas, quilombolas e ribeirinhos que estão em uma terra onde o conflito é gigantesco”, endossa a porta-voz do Greenpeace.

Após a repercussão negativa da informação, Hamilton Mourão afirmou desconhecer a proposta de ter o “controle” das ONGs até 2022, mesmo tendo assinado o comunicado convocando servidores para discutir os objetivos do grupo.

Histórico de ataques

Os setores jurídicos das entidades estudam por quais brechas o governo poderia optar por concretizar a estratégia tendo em vista que a medida é inconstitucional.

Alessandra Nilo, integrante do Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030, que objetiva traçar estratégias para que os Objetivos Sustentáveis das Organizações das Nações Unidas (ONU) sejam alcançados no país, afirma ser urgente que as instituições democráticas e a classe política freiem o plano do Conselho.

O que ele [Bolsonaro] faz na Amazônia terá repercussão para todas as organizações sociais. É o momento para toda a sociedade se unir

Ela reforça que um “novo marco regulatório” que limite as entidades na Amazônia abre um precedente de intervenção generalizado.

“O que ele [Bolsonaro] faz na Amazônia terá implicância e repercussão para todas as organizações sociais no Brasil. É um momento para toda a sociedade se unir e pensar como barrar esse tipo de retrocesso. O que ele quer é continuar uma guerra contra as organizações da sociedade civil, que por terem princípios e valores completamente diferentes do dele, representariam uma forte ameaça”, comenta Nilo.

As ofensivas do presidente e de representantes de seu governo às ONGs são sistemáticas. Logo no início de sua gestão, em abril de 2019, o presidente assinou um decreto que praticamente extinguiu a política de participação social construída no país. A medida destituiu comissões, comitês e órgãos colegiados que atuavam em diferentes áreas.

“Constitucionalmente temos um papel a cumprir na sociedade brasileira e não vamos abrir mão desse papel. O tipo de regulação que Bolsonaro quer fazer com as ongs é uma regulação para interferência. Não é promoção de transparência, tentativa de melhorar as relações para promoção de contratos entre sociedade civil e organizações governamentais”, enfatiza Nilo.

“Sua perspectiva é absolutamente autoritária. Ele resiste a nossa participação. Não é surpresa o que está fazendo. Ele já fez várias acusações infundadas às ONGs”, completa.

No início de setembro, ao falar sobre o incêndio na Amazônia, Bolsonaro afirmou que as ONGs que atuam na região eram um “câncer” que ele não havia conseguido matar. Em 2019, o presidente também acusou as entidades, sem provas, de incendiar as florestas e prejudicar a imagem do país internacionalmente.

Brasil ainda mais isolado

A informação sobre a existência do plano de controle foi divulgada em meio a um momento delicado para o Brasil no que tange à política ambiental do país. Mesmo antes da derrota de Donald Trump nos Estados Unidos, o Palácio do Planalto já teve seus posicionamentos na área questionados pelo presidente eleito, o democrata Joe Biden.

Com a saída de Trump da Casa Branca, o desgaste do Brasil no exterior deve aumentar ainda mais caso Bolsonaro mantenha sua postura. E a perspectiva não é positiva.

Nesta quarta-feira (10), por exemplo,  o presidente rebateu as críticas do democrata recém-eleito sem ao menos citar seu nome.

“Assistimos há pouco um grande candidato à chefia de estado dizer que se não apagar o fogo da Amazônia, vai levantar barreira comercial contra o Brasil”, iniciou o mandatário brasileiro. “Apenas diplomacia não dá. Quando acabar a saliva, tem que ter pólvora, senão não funciona. Precisa nem usar a pólvora, mas tem que saber que tem. Esse é o mundo”, defendeu o presidente.

A declaração aconteceu dias após Mourão promover uma viagem com diplomatas de dez países pela Amazônia. O sobrevôo, entretanto, segundo Luiza Lima, do Greenpeace Brasil, não aconteceu em áreas que foram foco do fogo ou do desmatamento.

É o governo que acaba com sua própria imagem quando sufoca as possibilidades de ampliar a diplomacia, os acordos e uma política mais amistosa e aberta ao diálogo

Ela analisa que, com a não reeleição de Trump, Bolsonaro perde um aliado na agenda negacionista, de incentivo a combustíveis fósseis e de negação das mudanças climáticas e fica ainda mais isolado nas discussões internacionais.

“Eles falam muito sobre a soberania e dizem que ongs internacionais e outros países estão em um esforço para acabar com a imagem do Brasil e somos contra os ‘interesses nacionais’ e o que vemos é justamente o oposto. É o governo que acaba com sua própria imagem quando faz declarações desse tipo e acaba com as possibilidades de ampliar a diplomacia, os acordos e uma política mais amistosa e aberta ao diálogo”, critica Lima. Segundo ela, mesmo que as limitações do Conselho da Amazônia ainda não estejam estabelecidas, somento a intenção do governo causa impactos diretos.

“Mesmo quando, de forma inconstitucional, Bolsonaro desautoriza fiscais, fala de forma contrária aos ambientalistas, isso gera resultados. Não precisa nem haver mudanças na legislação para o resultado em campo. O desmatamento estoura e os desmatadores se sentem legitimados pelo presidente”, exemplifica a porta-voz do Greenpeace.

*Com informações do Brasil de Fato

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