*Da Redação do Dia a Dia Notícia
Um estudo inédito da Universidade de São Paulo (USP) revelou que a presença indígena no Brasil vai muito além do que mostram os censos oficiais: cerca de 27 milhões de brasileiros carregam em seu DNA a ancestralidade dos povos originários. A descoberta, publicada na revista Science, reposiciona a história nacional ao demonstrar que, apesar de séculos de violência e tentativas de apagamento, a herança indígena segue viva e disseminada por todas as regiões do país.
A pesquisa apontou que 13% da ancestralidade da população tem origem indígena. Projetado para o universo de mais de 200 milhões de habitantes, o dado indica que cerca de 27 milhões de brasileiros possuem ascendência indígena direta, número 16 vezes maior que o registrado pelo último censo do IBGE, que contabilizou 1,7 milhão de indígenas.
“Nossas descobertas ressaltam a influência perceptível de diferentes origens ancestrais na saúde e na constituição genética de indivíduos miscigenados brasileiros. Demonstramos que esse panorama genético tem suas raízes na história evolutiva das comunidades indígenas brasileiras e na complexa interação demográfica resultante tanto da imigração histórica forçada quanto voluntária para o Brasil”, escrevem os pesquisadores, no resumo do trabalho na Science.
O estudo tem 24 autores, 22 deles brasileiros e 11 vinculados à USP (incluindo todos os autores principais).
“A história da formação da nossa população a gente já conhece — a extinção de populações indígenas, a vinda dos africanos escravizados, a violência imposta a esses dois povos pelos europeus”, diz a geneticista Lygia Pereira, professora do Departamento de Genética e Biologia Evolutiva do Instituto de Biociências (IB) da USP e uma das coordenadoras da pesquisa. “O que a gente enxerga agora, nesse estudo, são as consequências biológicas dessa história.”
Além da contribuição indígena, a pesquisa identificou que a ancestralidade da população brasileira é composta por 60% de origem europeia, 27% africana e uma pequena parcela asiática, localizada em regiões específicas. A análise em alta definição revelou quase nove milhões de variantes genéticas inéditas jamais vistas em outras populações do mundo.
Entre os resultados mais simbólicos está o DNA mitocondrial — herdado exclusivamente das mães —, que demonstrou predominância de ancestralidade indígena e africana. Para os cientistas, esse dado reforça o papel das mulheres indígenas e africanas na formação do povo brasileiro, mostrando como sua herança genética foi transmitida ao longo de gerações, apesar da violência e do trauma da colonização.
“É como se o DNA contasse a história que os livros muitas vezes não narram. Ele guarda a memória dos povos escravizados, das populações dizimadas e da construção de um povo único no mundo”, destaca a geneticista Tábita Hünemeier, também coordenadora do estudo.

O levantamento integra o Projeto DNA do Brasil, iniciado em 2019 e vinculado ao programa Genomas Brasil, do Ministério da Saúde. Até agora, mais de 6 mil genomas já foram sequenciados, e a meta é alcançar 100 mil. Os pesquisadores esperam que os resultados sirvam não apenas para compreender melhor a história nacional, mas também para orientar políticas públicas de saúde e pesquisas biomédicas adaptadas às especificidades da população brasileira.
Mais do que estatística, a descoberta reforça um elo histórico e cultural: os povos indígenas não pertencem apenas ao passado, mas ao presente e ao futuro do país. Como dizem as próprias comunidades originárias: “Somos todos parentes.” Agora, a ciência confirma — com precisão genética — que essa frase é também uma verdade biológica.
Ancestralidades africanas
Outra constatação do estudo é que a miscigenação produziu uma mistura inédita de ancestralidades africanas na população brasileira, em função do cruzamento de pessoas oriundas de diferentes regiões e etnias do continente africano. “As porções africanas dos genomas brasileiros são altamente diversas e compartilham ancestrais recentes com grupos de diferentes regiões subcontinentais, especialmente da África Ocidental e Oriental, mas também do sul e do norte da África. Isso sugere que grupos dessas diferentes regiões, que talvez nunca tivessem tido contato entre si dentro da própria África, se miscigenaram no Brasil, resultando no surgimento de indivíduos brasileiros que são um mosaico de diferentes populações africanas”, escrevem os pesquisadores.
Estima-se que mais de 5 milhões de africanos foram trazidos como escravos para o Brasil até a abolição da escravatura, em 1888 — número igual ao de europeus que teriam migrado para o País ao longo dos últimos cinco séculos, segundo dados citados no estudo. Nos Estados Unidos, comparativamente, o número de africanos escravizados foi da ordem de 400 mil.
*Com informações jornal da USP e Conafer
