Paricatuba: história, ruínas e natureza no coração do Amazonas
As ruínas de Paricatuba, um dos patrimônios históricos mais emblemáticos do interior do Amazonas, continuam enfrentando o abandono.
*Audrey Bezerra – Especial para o Dia a Dia Notícia
Um passeio por Paricatuba é como atravessar as páginas de um livro antigo, cujas palavras resistem ao tempo. Localizada à cerca de 25 quilômetros de Manaus, no município de Iranduba, a comunidade de Paricatuba abriga um dos mais fascinantes pontos turísticos da região metropolitana: as ruínas do antigo lazareto — um prédio centenário que guarda histórias, mistérios e memórias da Amazônia.
À primeira vista, o visitante se depara com uma grande construção de pedra, tomada pela vegetação e envolta por árvores centenárias. Mas basta parar por alguns minutos para sentir que o lugar guarda algo além das paredes: ali já funcionou alojamento, presídio, escola agrícola e hospital. É um dos poucos registros arquitetônicos históricos do interior do estado.
Foto: Audrey Bezerra
Um edifício cheio de vidas
O prédio começou a ser construído por volta de 1890, em uma época em que o Amazonas experimentava o auge do Ciclo da Borracha. O lugar funcionou como Lazareto de Paricatuba, um espaço destinado para o alojamento de imigrantes, mas ao longo dos anos teve várias destinações.
Anos mais tarde, entre 1905 a 1907, o prédio foi transformado no Instituto Afonso Pena, destinado a filhos de indígenas, para que pudessem estudar. Depois, o local seria uma Escola de Ofícios, destinado ao ensino de crianças de baixa renda e também funcionou como casa de detenção. Logo em seguida, foi transformado no hospital Belisário Pena, para atender e abrigar portadores de hanseníase, também conhecido como leprosário.
Foto: Abrahim Baze/historiador e jornalista
De acordo com Sérgio Gil Peres, guia turístico do espaço, o casarão funcionou como hospital por quase 40 anos, só fechando às portas, quando foi construída a Colônia Antônio Aleixo. Na época, a população achava que os hansenianos estavam contaminando as águas do rio, levando a doença para Manaus.
“Cada fase deixou marcas nas paredes e no imaginário da comunidade”, frisou. Segundo ele, o lugar foi desativado nos anos 80.
O prédio era imponente e luxuoso, com janelas coloniais com piso em pinho de riga, paredes revestidas de azulejo portugueses e vasos de louça inglesa importados da Europa.
Hoje, após décadas de abandono, só resta a estrutura de alvenaria, invadida pelo mato e pelas raízes de apuizeiros. Cipós escorrem pelas paredes de pedra, raízes rompem o chão e árvores brotam onde antes havia corredores. É essa combinação entre arquitetura histórica e floresta amazônica que transforma Paricatuba em um cenário único — procurado por fotógrafos, artistas, cineastas e viajantes em busca de experiências autênticas.
O silêncio das ruínas, cortado apenas pelos sons da mata e do rio, desperta sentimentos diversos: reverência, curiosidade, respeito. Muitos visitantes dizem que sentem como se estivessem “dentro de um filme” ou “em outro século”.
Paredes desgastadas, janelas quebradas e estruturas enfraquecidas contam uma história silenciosa de lutas e conquistas/ Foto: Ivan Izidro Jr
Patrimônio ameaçado
Tombadas como patrimônio estadual desde 2007, as ruínas de Paricatuba sofrem com deterioração, falta de segurança e ausência de políticas públicas efetivas para preservação. Tanto o Governo Federal quanto a Prefeitura de Iranduba têm papéis importantes — e complementares — na preservação, valorização e uso sustentável das ruínas de Paricatuba, no entanto, não há um plano ativo de restauração ou manutenção preventiva em curso.
A visita a esse local histórico proporciona uma experiência única de conexão com o passado e reflexão sobre o impacto das mudanças econômicas e sociais na região/ Foto: Audrey Bezerra
Estudos acadêmicos e registros técnicos apontam que, sem intervenções urgentes, a estrutura poderá sofrer colapsos irreversíveis. Especialistas alertam que o desmoronamento de partes do edifício colocaria em risco não apenas a história material da região, mas também a identidade cultural ligada ao local.
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional no Amazonas (Iphan-AM) afirmou, em nota, que o imóvel está incluído em seu mapeamento de bens em risco e que aguarda recursos federais para avançar em ações concretas. Essa inclusão, segundo o órgão, tem como objetivo identificar patrimônios que necessitam de medidas urgentes de proteção, monitoramento ou conservação, mas o órgão ainda não estabeleceu prazos para ações concretas de restauração ou intervenção direta no imóvel. A inclusão no mapeamento, portanto, é uma etapa de diagnóstico, mas não garante, por si só, a execução de obras imediatas.
A superintendência do órgão informou também que está em diálogo com instituições de ensino e grupos técnicos para fomentar projetos de pesquisa, inventário e educação patrimonial na região de Paricatuba, como forma de envolver a comunidade e manter viva a memória do local.
Com sua beleza natural e força simbólica, Paricatuba tem potencial para se tornar um ponto de turismo de base comunitária. Isso significaria envolver a população local na preservação, na mediação cultural e na geração de renda com o turismo consciente, sem depender exclusivamente de grandes empreendimentos.
A proposta é defendida por estudiosos da área de patrimônio e por coletivos artísticos que atuam em Iranduba. “A floresta não precisa ser derrubada para gerar economia. A história também é um recurso”, afirma o historiador Francisco Nascimento.
Um destino para viajantes curiosos
Paricatuba faz parte de muitos roteiros ecológicos que saem de Manaus rumo a comunidades do rio Negro. O trajeto pode ser feito por barco ou pela rodovia AM-070, cruzando a ponte sobre o rio Negro até Iranduba. De lá, segue-se por estradas vicinais até a comunidade. É recomendável ir com guias locais ou em grupos organizados.
Além das ruínas, a comunidade oferece paisagens naturais belíssimas, como igarapés, praias sazonais e trilhas que podem ser feitas a pé. Em certos períodos do ano, é possível participar de festas comunitárias e rodas de conversa com moradores que compartilham lendas e histórias orais da região.
Como chegar: Pela rodovia AM-070 até Iranduba, seguindo por ramal até a comunidade; ou por barco, via passeios turísticos saindo de Manaus.
Quando ir: O local pode ser visitado o ano todo, mas a época da vazante (entre agosto e dezembro) revela praias e trilhas com mais facilidade.
O que levar: Repelente, tênis confortável, protetor solar, água e lanche.
Cuidado: O prédio está em ruínas, com partes instáveis. Evite subir em estruturas ou acessar áreas isoladas.
O prédio era imponente e luxuoso, com janelas coloniais com piso em pinho de riga, paredes revestidas de azulejo portugueses e vasos de louça inglesa importados da Europa/ Fotos: Audrey Bezerra
As ruínas de Paricatuba são um testemunho vivo da história amazônica e devem ser valorizadas como parte da identidade cultural da região. Foto: Audrey Bezerra
A Vila de Paricatuba é cercada por belas praias banhadas pelo rio Negro/ Foto: Audrey Bezerra
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