O Ministério Público Federal em Rondônia vai instaurar um procedimento para apurar a venda ilegal de terras públicas na Amazônia por meio do Facebook, prática revelada após uma investigação da BBC News Brasil.
Segundo documentário lançado nesta sexta-feira (26/02) (assista aqui), até mesmo áreas localizadas dentro de reservas ambientais e de territórios indígenas estão sendo anunciados na seção “Venda de imóveis residenciais” do MarketPlace, espaço do Facebook aberto a todos os usuários. A reportagem da BBC News Brasil esteve em Rondônia e, com uma câmera escondida, visitou locais anunciados e filmou as tentativas de transação ilegal.
Por meio da assessoria do MPF de Rondônia, a procuradora da República Daniela Lopes de Faria informou que existem investigações em curso sobre venda de terras ilegal no Estado, em especial dentro da Terra Indígena Uru Eu Wau Wau (RO). Caso o procedimento aberto pelo MPF conclua que a apuração da BBC News Brasil trouxe fatos novos, uma investigação específica será iniciada.
A ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva, por sua vez, disse que a operação revelada pela BBC News Brasil é criminosa, já que envolve a tentativa de venda de terras griladas. Ela cobrou a atuação do governo federal para que os anúncios ilegais sejam derrubados pelo Facebook.
“Além das denúncias de cidadãos e organizações da sociedade ao Facebook, é preciso que o governo, que detém toda a informação e guarda oficial dessas áreas protegidas — portanto sobre os lotes que estão sendo ilegalmente comercializados — faça seu papel de acionar a empresa formalmente indicando quais anúncios de venda de terras devem ser derrubados”, disse, por meio de sua assessoria.
“O governo deve também punir os vendedores, pois a tentativa de comercialização é resultante de um crime, que é a grilagem de terras públicas”, acrescentou Silva.
“A comercialização de áreas protegidas é um ataque aos direitos ambientais de todos os brasileiros, à ordem institucional de nosso Estado e uma transgressão das leis que regem a propriedade em nosso país”, criticou ainda a ex-ministra.
Presidente da Comissão de Meio Ambiente do Senado, Jaques Wagner (PT-BA) também classificou as ações como criminosas e defendeu ampla investigação por parte dos órgãos de controle, principalmente da Polícia Federal e do Ministério Público. Ele disse que a comissão vai analisar medidas a serem tomadas junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) e ao Facebook.
“Como Comissão de Meio Ambiente, vamos solicitar também ao TCU que cobre do Ministério do Meio Ambiente, do Ibama e do Instituto Chico Mendes o que vem sendo feito em relação a essas denúncias. E ao Facebook, encaminhar uma indicação para que revise sua política de investigação com vistas a coibir essa prática”, disse o senador à BBC News Brasil.
Para Wagner, o presidente Jair Bolsonaro favorece ações como desmatamento e queimadas.
“É uma realidade lamentável que existe hoje, porque o governo federal que favorece esse tipo de postura. Esse cenário ficará ainda pior, pois o Ministério do Meio Ambiente terá este ano o menor orçamento dos últimos 21 anos. Houve uma redução de 30% da verba para a gestão ambiental. Ou seja, a fiscalização diminuirá ainda mais, favorecendo a atuação desse grupo que atua com grilagem de terra pública”, criticou.
“Precisamos retomar a gestão ambiental de alta performance que já tivemos no passado com o reforço do orçamento da área, com a retomada da contratação de servidores de fiscalização e a volta dos satélites de mapeamento do INPE, que, sem dúvidas, são importantes aliados nas ações de fiscalização”, defendeu também.
As revelações da BBC News Brasil também provocaram reação na Câmara dos Deputados. O deputado federal Nilto Tatto (PT-SP) está preparando uma representação criminal para pedir que o Ministério Público investigue a venda de terras com anúncios no Facebook. Tatto questionou a posição do Facebook de se abster de responsabilidade pela venda ilegal de terras na plataforma.
“Qual a diferença entre vender pelo Facebook terra roubada, grilada, com violência contra direitos indígenas e vender entorpecentes pela plataforma? O Facebook então pode ser usado para a venda de entorpecentes? Como parlamentar, vou fazer esse questionamento”, disse.
Em nota enviada à BBC, o Facebook diz que suas “políticas comerciais exigem que compradores e vendedores cumpram as leis e regulações locais quando compram ou vendem no Marketplace”.
“Estamos à disposição para trabalhar com as autoridades locais em qualquer uma das questões levantadas pela reportagem da BBC”, diz a empresa.
A reportagem questionou o governo de Rondônia sobre providências para coibir a venda ilegal de terras no Estado, mas não obteve retorno até a publicação desse texto.