*Da Redação do Dia a Dia Notícia
“Eu já era adulta quando comecei a assumir publicamente a fluidez do meu gênero, algo que experimentava de forma privada na minha intimidade. E, nesse sentido, eu entendi que os elementos visuais também são parte do processo de comunicação da minha transição para a sociedade.
Quando pequena, eu invadia o guarda-roupa da minha mãe e colocava os sapatos altos dela, me envolvia em uma echarpe e olhava no espelho. Sinto que a transição já acontecia quando, de alguma forma, me reconhecia naquele reflexo. Mais velha, quando passei a pintar as unhas com tons mais neutros, depois furei as orelhas e comecei a usar brincos. Em seguida, quando coloquei o meu primeiro aplique de mega-hair. Sempre esteve ali.
A maquiagem também chegou nesse lugar para mim. Ela é um elemento importante, porque contribui para um alívio de sensação do que vem de fora, da possibilidade de se olhar no espelho e se ver como de fato é.
A gente escuta muito sobre a beleza natural, sem filtro, e eu acho isso muito positivo e necessário, mas para a realidade de muitas trans femininas, a maquiagem do mundo real e o filtro do mundo virtual são os salvadores, são a possibilidade de ver quem se é.
Para nós, muitas vezes, é uma uma questão de saúde mental, de vida ou morte, porque o espelho é muito cruel. É ele quem mostra a imagem de um corpo que não corresponde com quem somos na essência.
E, para além do hábito, há uma construção de história por trás de se pintar: o início da relação, que é assumir o uso, o aprendizado com os pincéis, a experiência de exibir publicamente os nossos rostos maquiados. Para então, só depois, passar por um intenso processo de desapegar da maquiagem, de conseguir encontrar conforto no próprio rosto, nas nossas próprias marcas… E isso é libertador, porque ajuda esta mulher a ter um trânsito mais simples e imediato na sociedade. É uma defesa e também uma armadura, porque com ela há uma expressão de feminilidade.
Claro que acredito que não pode ser uma amarra, nem uma condição, mas é uma ferramenta de comunicação social. Ainda mais porque, mesmo com ela, ainda há quem tenha dificuldade em ler os códigos. Você vai a uma loja e é atendida por uma mulher cisgênero que erra os seus pronomes ainda que esteja te observando, vendo o seu belo batom ou uma ótima máscara para cílios. Isso é violento, é um bug mental – lembra os episódios que a Linn da Quebrada está passando dentro do BBB. Neste caso, é difícil de assistir, mas, ao mesmo tempo, revigorante em razão da postura dela.