Equipes médicas que trabalham para vacinar os indígenas em aldeias distantes contra a Covid-19 encontraram forte resistência em algumas comunidades, onde missionários evangélicos estão instigando temores da vacina, segundo líderes tribais e defensores dos indígenas.
Na reserva São Francisco, no estado do Amazonas, moradores da aldeia jamamadi expulsaram os profissionais de saúde com flechas quando eles os visitaram com helicóptero neste mês, disse Claudemir Silva, um líder apurinã que representa comunidades indígenas do rio Purus, tributário do Xingu, segundo reportagem da Folha de São Paulo.
“Não está acontecendo em todas as aldeias, só naquelas que têm missionários ou capelas evangélicas onde os pastores estão convencendo as pessoas a não tomar a vacina porque elas vão se transformar em jacarés e outras ideias malucas”, disse ele por telefone.
Isso aumentou os temores de que a Covid-19 possa devastar os mais de 800 mil indígenas do Brasil, cuja vida comunitária e atendimento de saúde muitas vezes precário faz deles uma prioridade no programa nacional de imunização.
Os líderes tribais culpam o presidente Jair Bolsonaro e alguns de seus apoiadores da comunidade evangélica por instigarem o ceticismo sobre as vacinas contra a Covid-19, apesar do grande número de mortes no país, atrás apenas dos Estados Unidos.
“Fundamentalistas religiosos e missionários evangélicos estão pregando contra a vacina”, disse Dinamam Tuxá, líder da Apib, maior organização indígena do Brasil.
A Associação Brasileira de Antropologia denunciou grupos religiosos não especificados em um comunicado na terça-feira (9) por disseminarem falsas teorias da conspiração para “sabotar” a vacinação dos povos indígenas.
Muitos pastores de grandes igrejas evangélicas do Brasil estão pedindo que seus seguidores se vacinem, mas eles dizem que missionários em territórios afastados não receberam a mensagem.
“Infelizmente, alguns pastores que não têm bom senso estão disseminando desinformação a nossos irmãos indígenas”, disse o pastor Mario Jorge Conceição, da Igreja Tradicional Assembleia de Deus em Manaus, capital do Amazonas.
A agência de saúde indígena do governo, Sesai, informou em comunicado à agência de notícias Reuters que está trabalhando para aumentar a consciência da importância da imunização contra o coronavírus.
O presidente Bolsonaro minimizou a gravidade do vírus e se recusou a se vacinar. Ele demonstrou maior à vacina mais disponível no Brasil, feita pela empresa chinesa Sinovac Biotech em parceria com o Instituto Butantan, citando dúvidas sobre suas “origens”.
Em um evento em dezembro, o presidente ridicularizou a fabricante de vacinas Pfizer porque, segundo ele, em negociações com seu governo a companhia se recusou a assumir a responsabilidade por efeitos colaterais.
“Se você tomar a vacina e se transformar num jacaré o problema é seu. Se você se transformar no Super-Homem ou as mulheres criarem barba, não tenho nada a ver com isso”, disse Bolsonaro em tom sarcástico.
A Pfizer disse que propôs garantias contratuais que são padrão ao governo brasileiro e as quais outros países aceitaram antes de usar sua vacina.
O acesso às redes sociais mesmo em recantos distantes do Brasil espalhou rumores sobre as vacinas.
Por exemplo, o cacique de 56 anos Fernando Katukina, do grupo nôke kôi, perto da fronteira do Peru, morreu em 1º de fevereiro de parada cardíaca relacionada a diabetes e insuficiência cardíaca. Segundo notícia que correu rapidamente pelas redes sociais e o rádio, a vacina para Covid-19 que ele recebeu em janeiro causou sua morte.
Fake News
O Instituto Butantan, que está produzindo e distribuindo a vacina Coronavac, se esforçou para convencer os indígenas de que o imunizante não foi a causa.
“Mensagens nas redes sociais dizendo que Fernando Katukina morreu depois de tomar a vacina para Covid são ‘fake news'”, escreveu o Butantan em um tuíte.
A Covid-19 matou pelo menos 957 indígenas, segundo a Apib, de cerca de 48 mil infecções confirmadas entre a metade dos 300 grupos étnicos nativos do Brasil. Os números podem ser muito maiores, porque a agência de saúde Sesai só monitora povos indígenas que vivem em reservas.
*As informações são da Folha de São Paulo