A Justiça britânica decidiu, nesta segunda-feira (4), que o fundador do WikiLeaks, Julian Assange, não deve ser extraditado para os Estados Unidos para enfrentar acusações de infringir uma lei de espionagem e conspirar para obter documentos americanos secretos hackeando computadores do governo.
Assange, 49, foi alvo de 18 acusações relacionadas à divulgação de uma vasta coleção de registros militares e diplomáticos confidenciais dos EUA. De acordo com as autoridades americanas, os vazamentos das informações sigilosas colocaram muitas vidas em perigo.
Os EUA agora têm um prazo de 14 dias para recorrer da decisão e seu representante legal em Londres confirmou que o fará. A defesa de Assange, por sua vez, anunciou que vai protocolar um pedido de fiança para seu cliente. O australiano poderia ser condenado a 175 anos de prisão se a Justiça americana o declarasse culpado de espionagem.
Os advogados argumentaram que todas as acusações tiveram motivação política e foram apoiadas pelo presidente Donald Trump. Segundo a defesa do australiano, sua extradição representaria uma grave ameaça ao trabalho dos jornalistas.
“O mero fato de que este caso foi a tribunal, e que durou tanto tempo, constitui um ataque histórico e em grande escala à liberdade de expressão”, disse o editor-chefe do WikiLeaks, Kristinn Hrafnsson, neste domingo (3).
Em uma audiência na Corte Criminal Central, em Londres, a juíza Vanessa Baraitser rejeitou quase todos os argumentos dos advogados, mas disse que não poderia extraditar Assange porque havia um risco real de que ele se suicidasse.
“Diante de condições de isolamento quase total, estou convencida de que os procedimentos [determinados pelas autoridades dos EUA] não impedirão o sr. Assange de encontrar uma maneira de cometer suicídio”, disse Baraitser, em sua decisão.
Segundo a juíza, Assange tem crises de depressão severa e o risco de que ele tire a própria vida se uma ordem de extradição for emitida é substancial. Um mês após sua prisão, autoridades encontraram uma lâmina de barbear entre os pertences do australiano, e ele falou à equipe médica sobre seus pensamentos suicidas.
A advogada Stella Morris, com quem Assange tem dois filhos, chegou ao tribunal 30 minutos antes do início da audiência, mas não falou com a imprensa. Em entrevista ao jornal alemão Der Spiegel neste domingo, ela disse que “a defesa de Julian foi seriamente prejudicada” na prisão de Belmarsh, em Londres, onde ele está detido desde abril de 2019, depois de viver como refugiado por sete anos na embaixada do Equador.
Temendo que o companheiro, cuja saúde física e mental, segundo ela, parecia gravemente debilitada, Morris entregou em setembro ao gabinete do primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, uma petição com cerca de 800 mil assinaturas contra a extradição de Assange.
Nesta segunda, um pequeno grupo de pessoas se reuniu do lado de fora do tribunal desde o início da manhã para expressar apoio ao australiano.
“Não extraditem Assange, jornalismo não é crime” e “Divulguem a verdade, libertem Assange” eram algumas das frases escritas nos cartazes que o grupo carregava. Em outro, lia-se “Param o julgamento-espetáculo de Julian”.
“Estou aqui nesta manhã porque apoio um homem que, na minha opinião, foi injustamente preso por basicamente dizer a verdade. Ele não fez nada de errado. A vingança de Trump teve longos tentáculos”, disse a manifestante Myra Sands, 78, à agência de notícias AFP.
Houve um rápido atrito com os policiais britânicos, que pediram que os manifestantes deixassem o local devido às restrições impostas para impedir a propagação do coronavírus.
Assange e o site WikiLeaks se tornaram famosos em 2010 após a publicação de cerca de 700 mil documentos militares e diplomáticos confidenciais que colocaram os EUA em situações delicadas.
Entre as publicações, havia um vídeo que mostrava helicópteros americanos atirando contra civis no Iraque, em 2007. O ataque matou ao menos dez pessoas em Bagdá, incluindo dois jornalistas da agência de notícias Reuters.
Autoridades americanas dizem que mais de 100 pessoas foram colocadas em risco após as divulgações do WikiLeaks e cerca de 50 precisaram receber assistência, com algumas fugindo de seus países de origem com seus cônjuges e familiares para se mudar para os EUA ou outro país seguro.
Do outro lado, apoiadores de Assange o consideram um herói anti-establishment e reiteram o discurso de que atacar o seu trabalho é atacar o jornalismo e a liberdade de expressão com motivações políticas.
A juíza britânica rejeitou esses argumentos. Segundo Baraitser, não há evidências suficientes de que os promotores britânicos tenham sido pressionados de alguma forma pelo governo americano nem de demonstrações de hostilidade do presidente Trump em relação a Assange.
Em sua decisão, a juíza afirmou ainda que não há motivos para crer que o australiano não teria um julgamento justo nos EUA e disse que seus atos no WikiLeaks foram além do jornalismo investigativo.