Já imaginou acordar e viver o mesmo dia eternamente? Por mais que se tente mudar os acontecimentos, nunca sair daquele momento? Essa ideia de estar preso a um “loop temporal” costuma ser uma narrativa explorada nos cinemas.
Alguns exemplos recentes são “A Morte te dá parabéns” (2017) e “No Limite do Amanhã” (2014). Como não lembrar de Bill Murray no querido “Feitiço do Tempo” (1993). Curta-metragem indicado ao Oscar 2021, “Dois Estranhos” (2020) se insere nessa lista com elogios.
Dirigido por Travon Free e Martin Desmond Roe, a produção pode ser vista no Brasil pela Netflix. Conhecemos Carter, vivido pelo ator e rapper Joey Bada$$. Ele luta para escapar de um fatídico dia que se repete infinitamente.
Em “Limite do Amanhã”, Tom Cruise cai na mão com uns alienígenas feitos em CGI. Já “Feitiço do Tempo” nos mostra como Bill Murray aprende a ser um cara menos otário. No caso de “Dois Estranhos”, um drama real e bastante discutido recentemente entra em jogo.
Dois Estranhos e o racismo
Carter tenta voltar para casa e encontrar seu cachorro, mas é impedido por forças policias que o fazem reviver um dia de horror. Mesmo que ele fuja, o oficial Merk (Andrew Howard) vai encontrar uma forma de matá-lo.
A “primeira morte” de Carter é simbólica. Ele é imobilizado por policiais. Avisa que “não consegue respirar” e mesmo assim é asfixiado. O drama do fictício personagem espelha os assassinatos de Eric Garner (1970-2014) e George Floyd (1973-2020).
O recado dos diretores é explícito em “Dois Estranhos”. Nada mudará aquele trágico destino. A violência só se repete e tem alvo certo. Infelizmente, esta realidade não é tão distante dos brasileiros.
87% dos mortos por intervenção policial no Ceará são negros, diz estudo realizado pela Rede de Observatórios da Segurança. O dado pode ser ainda maior. Das 136 ocorrências, 105 não tiveram a cor informada nos registros. O Ceará figura entre os cinco estados que mais matam: Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo.
O “loop temporal” de “Dois Estranhos” traz um clima de mistério no estilo de “Além da Imaginação”. Criada por Rod Serling (1924-1975) nos anos 1950, a série ganhou cara nova nas mãos do diretor Jordan Peele. Ele é a mente por trás dos instigantes “Corra!” (2017) e “Nós”.
Em 2019, foi ao ar o episódio “Replay”. Nele, uma mãe descobre a existência de uma câmera filmadora que faz o tempo voltar. Na posse do aparelho, ela tenta evitar o assassinato do filho cometido por um policial.
“Dois Estranhos” concorre com os filmes “Feeling Through”, “The Letter Room” e “White Eye”. A riqueza de temas nestas produções promete uma boa disputa. Alguns deles estão disponíveis em plataformas de streaming com acesso no Brasil.
“The Letter Room”
O trabalho traz Oscar Isaac (trilogia Star Wars) na pele do agente penitenciário chamado Richard. A rotina do sujeito muda quando ele é transferido e passa a trabalhar na sala de correspondência da prisão. Isso o aproxima da vida pessoal dos detentos. O curta pode ser visto aqui.
A direção é de Elvira Lind, realizadora com experiência na área dos documentários. A cineasta é casada com Issac e “The Letter Room” é o primeiro projeto da produtora criada pelo casal, a Mad Gene.
“Feeling through”
O diretor Doug Roland resgata um episódio que ele mesmo já viveu. Nos 20 minutos de filme, ele conta o encontro de um jovem sem-teto e um homem surdo-cego que precisa de ajuda para ir para casa.
Elogiado e premiado, “Feeling through” se destaca por escalar Robert Tarango, um ator surdo-cego em seu elenco. A produção insere o debate em torno da comunidade surda.
No Oscar 2021, o tema também faz parte do filme “O Som do Silêncio” (ler crítica aqui), longa que está entre os indicados a Melhor Filme. O curta está disponível no canal da Omeleto e conta com legendas em inglês.
“White Eye”
Com direção assinada de Tomer Shushan, “White Eye” foi destaque no festival de cultura SXSW. O curta israelense conta a história de um homem que perde sua bicicleta e a descobre em posse de outra pessoa. Com isso, ele passa a acreditar que o veículo foi roubado.
É possível assistir pela T-Port. É uma plataforma online, paga, voltada a divulgar novos talentos do cinema. Segundo os organizadores, o site hospeda mais de 900 títulos feitos por cineastas independentes e estudantes, incluindo filmes premiados e seleções dos melhores festivais de todo o mundo.
“O Presente”
O curta gira em torno do palestino Yusef (Saleh Bakri) e sua filha Yasmine (Maryam Kanj). A dupla tenta cruzar a fronteira entre a Cisjordânia e Israel. Ele quer apenas comprar um presente para sua esposa. O filme é assinado pela palestina-britânica Farah Nabulsi.
Diretora, produtora e roteirista, Nabulsi fundou a produtora Native Liberty. Defensora dos direitos humanos, ela realiza trabalhos que desconstroem a ocupação militar israelense na Palestina. “O Presente” entrou no catálogo da Netflix nos EUA e segue indisponível no Brasil.
*As informações são do Diário do Nordeste.