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Ética da casa comum

“Se nada for feito, iremos ao encontro do pior, e milhões de seres

humanos poderão deixar de viver sobre o planeta”.

Leonardo Boff

Em mais um de seus escritos sobre a relação do ser humano com a natureza, o filósofo e pensador Leonardo Boff expressa a sua preocupação e sua indignação com a forma que o ser humano se relaciona com a Terra. Poluição, queimadas, lixo, extração de materiais naturais, produção de bens e consumismo irresponsável, são apenas alguns dos exemplos de que nossa forma de produzir e de produzir riquezas se baseia em uma terrível aniquilação do (talvez) maior bem que possuímos: a Terra nossa Casa Comum.

Nestes dias de verão e de forma mais intensa neste último mês de outubro as populações do Norte do país se encontram diante de um problema crônico, as queimadas ilegais. É difícil o dia em que não somos assolados com o terrível incômodo da fumaça que encobre nossas cidades e invade nossos lares e nossos pulmões. O que de fato acarreta sérios problemas de saúde para nossa população, principalmente para os mais vulneráveis, como crianças, idosos e enfermos.

Do ponto de vista ético e moral, podem-se levantar vários questionamentos, principalmente quanto ao senso de cidadania e de cuidado com o outro, do cuidado com a natureza e principalmente do cuidado com o bem estar coletivo. Nestes momentos é que nos damos conta de que o compromisso ético e social que cada cidadão deve se empenhar em defender deixa a desejar. Por isso é bom sempre lembrar do princípio ético mais fundamental: de que devemos sempre fazer o bem.

É evidente que a abordagem ecológica e ambiental não se trata de uma nova discussão, mas de uma pauta urgente há décadas e que, na maneira em que nos encontramos, passa a ser de extrema importância. É gratificante perceber que muito se tem feito para amenizar os efeitos da ação humana sobre o planeta, sobre a natureza e sobre a vida de um modo geral, no entanto, essas discussões, medidas e o empenho de inúmeras instituições parecem não estar surtindo o efeito desejado.

De acordo com o balanço do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas se faz claro e evidente que a ação humana influenciou para uma elevação média da temperatura do planeta em 1,07ºC e o mais preocupante é que este aumento se aproxima do limite de aquecimento de 1,5ºC, definido no Acordo de Paris. Para muitas pessoas esta elevação pode parecer mínima e sem uma agravante e brusca mudança, no entanto, se trata de um fator que pode trazer sérias consequências para a vida de um modo complexo e geral.

É exatamente neste ponto que a reflexão filosófica tenta oferecer uma reflexão que nos alerte para a vivência de princípios norteadores necessários para mudar e reestabelecer a relação entre seres humanos e a natureza. Lembre-se, a Ética Filosófica não é uma lei, uma obrigação, mas se trata de um conjunto de ideias e questionamentos que devem orientar e iluminar nossas ações, de forma correta e principalmente voltadas para o Bem.

Tomemos como exemplo de uma boa relação entre o ser humano e a natureza, a experiência de vida dos povos nativos das américas. Os povos indígenas nos ensinam com sua sabedoria que a mata, os animais, a natureza são dotados de anima (alma). E sua organização social, política, econômica, educacional está voltada para uma íntima ligação e ao respeito a todos os elementos presentes na natureza. Bom seria fazermos um retorno a essas sabedorias de vida para aprendermos e retomarmos este elo ecológico, ético e respeitoso.

Nas filosofias de vida e religiões afro descendentes encontramos valores correspondentes aos povos indígenas, ao entenderem as formas de vida com a presença essencial do sagrado, de um profundo respeito à natureza, a seus elementos, bem como de sua preservação e cuidado.

Em sua carta encíclica “Laudato Si” o Papa Francisco nos exorta para a ideia de que “Casa Comum”, “refere-se a uma Casa que tem lugar para todos e todas, e aí pensamos nas pessoas, na natureza, nos animais, em todos os seres vivos”. E em sua missão de chefe da Igreja Católica, Francisco vem acentuando seu apelo aos governos e aos fiéis para que aprimorem seu cuidado com a natureza, com o planeta, com todas as formas de vida e claro, evidenciando em sua mensagem a ideia de que por ser obra de Deus, todas as formas de vida são sagradas.

O filósofo e teólogo Leonardo Boff elabora a ideia do Princípio-Terra, onde aponta a necessidade do respeito, do cuidado, e até mesmo da veneração que devemos ter para com a vida e com o planeta em que vivemos. Ou seja, refere à valorização e cuidado com o planeta Terra como um organismo vivo, reconhecendo a interdependência entre todos os seres e a necessidade de preservação ambiental.

Não se tratando apenas de uma compreensão racional, mas que parte de uma mística em que a consciência e o espírito humano se voltam para uma relação profunda com os elementos da natureza,

Na filosofia, quando o tema ecologia e sustentabilidade é abordado, sempre carrega em si o compromisso ético da responsabilidade social e também de um senso coletivo. O filósofo francês Michel Serres alargou esta ideia fazendo referência ao contrato social no período moderno, e propõe de maneira mais atual e contemporânea a ideia do contrato ou pacto natural, em que reafirma a necessidade de leis que salvaguardem todas as formas de vida e não somente a vida humana. Serres argumentou que, assim como os seres humanos estabelecem contratos sociais, também devemos estabelecer um contrato com a natureza, reconhecendo nossa responsabilidade de preservá-la e agir de forma sustentável. O contrato natural busca uma relação equilibrada entre humanos e o meio ambiente.

O filósofo e poeta libanês Khalil Gibran, na obra “O Profeta”, desenvolve ideias como amor, liberdade, vida e morte. Ele defende a importância de viver em harmonia com a natureza, cultivar o amor e a compreensão, e buscar a conexão entre o espiritual e o material.

Para encerrar a lista de pensadores, trago presente a filósofa brasileira Ana Maria Vidigal Ribeiro, que nos fornece contribuições para a ideia da ecologia integral. Trata-se de uma abordagem que busca integrar diversas dimensões da vida humana e do meio ambiente, reconhecendo a interdependência e interconexão de todos os elementos: a interdependência entre corpo (ecologia pessoal); sociedade (ecologia social) e natureza (ecologia natural). Vidigal explora estes conceitos e promovem uma visão abrangente e holística da ecologia, que tenta abarcar todas as dimensões da realidade humana, portanto, integral.

Sempre falamos em nossos artigos sobre uma crise ética atual. Crise esta que se agrava a cada dia, e que exige cada vez mais da humanidade uma toma da de atitude e retomada de valores necessários para que viver não se torne para nós um grande risco, mas que seja essencialmente um motivo de existência plena e realizada.

É importante compreender que não existe um “jogar fora”, pois, estamos todos na mesma casa, a casa comum, o planeta, a natureza. E nossas atitudes sempre carregam consequências, muitas delas negativas e prejudiciais. Pense comigo, cada sacola plástica, cada objeto descartado, todo o lixo, nada desapareceu magicamente, mas, se encontra em algum lugar do planeta, poluindo, infectando, intoxicando. É necessário refletir sobre a relação ser humano e natureza, com o outro, a maneira como nossas escolhas e ações afetam no entorno. A reflexão deve iluminar nossas ações e vista de práticas mais ecológicas e mais sustentáveis. Observe, pense, mude de atitude!

 

 

Por Sérgio Bruno

É um livre pensador e professor formado em Ética e Filosofia Política, com mais de 15 anos de experiência na docência e formação de jovens e adultos. Atualmente também é professor em cursos pré-vestibulares na área de Ciências Humanas e suas tecnologias, atuando também como professor de Sociologia, Cultura Religiosa e Teologia. É apaixonado por temas como Cultura e Sociedade, Cidadania, Política, Direitos Humanos e Diálogo Inter-religioso. Adora livros, leitura e literatura e deseja convidar você para compartilhar pensamentos, ideias e reflexões diversas.

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