*Audrey Bezerra – Da Redação do Dia a Dia On-line
O processo de impeachment tem uma peculiaridade muito grande: quem investiga, julga e condena autoridades por crime de responsabilidade é o Poder Legislativo e não o Poder Judiciário necessariamente, diferente de um processo contra crimes comuns. Isso significa que a Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam) tem os papéis de acusador, de juiz e de júri, tudo ao mesmo tempo. O Dia a Dia On-line entrevistou advogados no Amazonas que alegam que não há motivações jurídicas para um eventual afastamento do governador Wilson Lima (PSC) nos pedidos de impeachment apresentados na Aleam e que as consequências seriam danosas economicamente e politicamente para o Estado. Para os especialistas, as motivações são meramente políticas.
Este ano, sete pedidos de impeachment contra Wilson Lima foram apresentados na Aleam. No ano passado, foram seis. No total, há 13 pedidos tramitando na Procuradoria da Casa, que faz a análise jurídica dos pedidos. Praticamente, todos os pedidos são baseados em notícias veiculadas na imprensa nacional e local que citam os desdobramentos das investigações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal (MPF) que resultaram na Operação Sangria – fato que por si só já tramita no Judiciário e já há investigações. Os pedidos também citam o colapso na saúde, a falta de leitos, de UTIs, falta de oxigênio, entre outros problemas ocorridos durante a pandemia no Estado.
Em entrevista ao Dia a Dia On-line, o advogado e professor de Direito Constitucional da UEA, Neuton Alves de Lima, explicou que do ponto de vista jurídico não há motivações nos pedidos de impeachment apresentados na Aleam que justifiquem um eventual afastamento do governador.
“Sob o ponto de vista jurídico não há motivação, são matérias já requentadas, essas matérias já vêm se arrastando há muito tempo. O fato de ter havido o recrudescimento da pandemia nesses meses de janeiro e fevereiro, isso não é motivação, isso não é um ato que se deu por conta dele simplesmente”, considera.
O professor de direito também reforça que as consequências de um eventual processo de impeachment serão desastrosas para o Amazonas. “As piores possíveis. Porque a gente está num momento, voltado todas as energias, todo foco, toda atenção para combater uma pandemia no Estado, medindo o momento de se restringir a movimentação das pessoas pelas ruas, aquele decreto do lockdown e iria desconfigurar toda essa atenção para um processo de impeachment que iria se arrastar aí por no mínimo 6, 7 meses e esquecendo o principal que é cuidar da vida das pessoas, cuidar da questão da vacina. Então, as consequências seriam piores nesse aspecto e fora os interesses políticos”, explicou.
Segundo o professor, o impeachment é um processo jurídico, mas dirigido por um órgão político, o que lhe dá característica política devido ao sujeito. Em outras palavras, o conteúdo do processo é todo jurídico, mas os sujeitos, julgados e julgadores, são políticos, assim como o efeito da condenação, que, apesar de ser jurídico, também produz uma gravíssima consequência política e administrativa, a destituição do cargo, conforme art. 78 da Lei 1.079/1950.
Deste modo, ainda que a decisão seja tomada por políticos, eles precisam ser muito bem assessorados por juristas, tendo em vista que é preciso respeitar os conceitos do direito, a começar pelos princípios, como o da presunção de inocência e da adequação social.
“Um afastamento vai atender o interesse de uma pessoa, por exemplo, que quer se cacifar politicamente para as próximas eleições? No meu entendimento não há motivação. Mas, se eles quiserem que haja, há sim. Porque o processo é político e jurídico”, afirmou.
O professor ainda conclui: “a avaliação da gestão de um governador é feita a cada 4 anos, porque no sistema presidencialista, diferente do parlamentarista, não se pode derrubar um governador, presidente ou prefeito ao bel prazer por conta do mal desempenho da sua gestão. Agora, existem crimes de responsabilidade, aí sim, que estão previsto tanto na constituição federal, como na constituição do estado do Amazonas”.
Neuton Alves de Lima tem graduação e pós-graduação em Direito pela Universidade de Fortaleza; possui mestrado pela Universidade do Estado do Amazonas; é professor efetivo da Universidade do Estado do Amazonas; é advogado público federal e atua na Procuradoria Federal Especializada junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra.
Para o cientista político, Helso Ribeiro Filho, também advogado, um impeachment neste momento que o Estado está – com a pandemia do novo coronavírus, seria danoso para a economia e demais setores.
“Por conta desta pandemia, o Estado do Amazonas, você observa que turismo nós não temos, atividades culturais mínimas, atividades econômicas com uma retração de 6% mais ou menos, até um pouco mais. Uma unidade federativa, um estado da federação que está com um processo de impeachment ou que afasta seu governador isso gera uma crise não só no campo político mas também econômico. Então qualquer pedido de impeachment, eu acredito que é um passo a trás”, afirmou.
Helso, em entrevista ao Dia a Dia On-line, esclarece que o resultado das eleições é uma das principais manifestações da soberania popular e que Wilson Lima foi eleito pelo voto popular. Para ele, em 2022, a sociedade poderá decidir se aprovou ou não a gestão dele por meio da eleição estadual.
“Eu não quero tirar a liberdade de que alguém protocole o pedido de impeachment, é um direito, mas eu vejo faltando 1 ano e 10 meses para a acabar o mandato, então considero um retardo em investimentos para o Amazonas, para o desenvolvimento até social do Estado, essa é a minha visão. Portanto, ainda que as pessoas que ingressaram com o pedido, eu acho que é um direito deles, mas não é o melhor momento para esse tipo de pedido”, afirmou.
O cientista político considera ainda que a crise na saúde com a pandemia é uma realidade em todo o País. “Não só o Amazonas, mas principalmente o Amazonas, o Brasil atravessa um período cruel, pessoas morrendo. Eu nunca vi nos meus quase 58 anos, eu destinar tanto do meu tempo a desejar pêsames, condolências a pessoas, muita gente morrendo. Eu vejo que é um momento de irmanarmos, sermos solidários aos alheios e tentarmos envidar esforços para combater esta pandemia, não é momento para esse tipo de situação”, completou.
Previsto na Constituição
O julgamento de impeachment é previsto na Constituição e, para que seja desempenhado, deve cumprir os requisitos constitucionais. Um impedimento de um mandante do Executivo, como prevê a Constituição, deve acontecer em decorrência de um chamado crime de responsabilidade. Esses crimes são listados minuciosamente na Lei 1.079, do ano de 1950. São dezenas e dezenas de crimes previstos, agrupados em oito categorias.
Portanto, para que o processo de impeachment seja legítimo, deve haver no mínimo provas de que foi cometido um dos crimes de responsabilidade previstos na legislação, além do respeito a uma série de etapas obrigatórias (desde o recebimento da denúncia na Assembleia Legislativa até o julgamento final junto com os desembargadores do TJAM). Esse é o lado técnico de um processo de impeachment: existe um processo legal claramente previsto na lei.
O que se defende por trás desse fato é que o crime de responsabilidade seja comprovado de forma rigorosa e também que o impeachment decorra da existência desse crime – e não meramente por motivações políticas.