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Especial: Expedição ao Monte Roraima

*Por Lane Gusmão

A viagem, a maior montanha plana do mundo.

A aventura de escalar a maior montanha plana do mundo tem levado milhares de turistas ao país vizinho, a Venezuela. O país é a porta de entrada para quem pretende escalar o Monte Roraima. A montanha, que tem o formato de mesa, chamada na região de Tepuí, guarda, nos quase 90 quilômetros quadrados, formações rochosas surpreendentes, passagens subterrâneas, jardins exóticos, lagoas em meio aos vales de cristais e até animais primitivos.

O sapinho é uma espécie primitiva do local, um símbolo do Monte Roraima.

Nossa viagem começou em Boa Vista, contratamos o pacote de uma das três empresas brasileiras autorizadas à ascensão ao topo do monte. De carro, por três horas, chegamos à fronteira, com a cidade de Santa Helena, território venezuelano, onde mudamos para veículo com tração 4×4 e percorremos mais 2 horas e 30 minutos de estrada por caminhos de difícil acesso até o vilarejo de Paraitepuy. Na vila, conhecemos os guias, Daniel e Manuel e a equipe de logística que ia acompanhar o grupo na expedição e onde o turista tem a opção de contratar um carregador de malas. Os indígenas da etnia Taurepangs, que moram na região, se oferecem pelo preço de R$ 70 a diária. A atividade de carregar a bagagem dos visitantes é a principal fonte de renda da comunidade. Os índios levam nas costas o Jamanchim, um cesto comprido onde é possível carregar mais de 30 quilos que distribui todo o peso pelo corpo, segundo eles, sem cansar.

O primeiro dia de caminhada seguiu com algumas subidas e obstáculos. O Parque Nacional de Canaima, o sexto maior do mundo em extensão, tem poucas árvores e sem sombra, o descanso é feito próximo aos igarapés onde fazemos o abastecimento dos cantis, a água corrente e fresquinha ajuda na caminhada. São 14 quilômetros até o primeiro acampamento, ficamos próximo ao Rio Tek, que passa por cima de pedras que mais parecem sabão. O local é cheio de Puri-puri, mosquitos que “atacam” a menor mostra de pele exposta. Os guias recomendam o uso de repelente até por cima da roupa. O jantar é feito pelos indígenas, da equipe de logística, e montamos acampamento.

No dia seguinte, logo após o nascer do sol, levantamos o camping e seguimos rumo ao acampamento base. São mais 12 quilômetros de caminhada, dessa vez, um solo diferente, mais rochoso e com muita subida. Atravessamos um rio maior, chamado de Kukénan, mesmo nome da montanha localizada ao lado do monte Roraima, que segundo os indígenas era o destino de ancestrais que se suicidavam e hoje é proibido subir nela.

Paramos para almoçar os sanduíches feitos com “arepa”, um pão venezuelano feito com farinha de milho e água, e continuamos a andar. Encontramos muitos turistas no caminho, esse é tido por muitos como o dia mais cansativo. Ao final da tarde, chegamos ao acampamento base, com bolhas nos pés, cansaço excessivo, e muita dor nas pernas, quem carregava a mochila também reclamava do peso nas costas.

Mas já nesse acampamento é possível ver o Monte Roraima de perto, estamos na base da montanha e já por cima de algumas nuvens, a vista é simplesmente deslumbrante. Encerramos o dia com chá/café quente, fim de tarde fria e a vista privilegiada da montanha e de todo percurso que fizemos até aqui.

A noite choveu bastante e nem o saco de dormir com isolante térmico pareciam nos proteger da baixa temperatura. Na manhã seguinte, após as histórias místicas sobre a montanha, considerada sagrada pelos indígenas Pemon (os primeiros a ter acesso ao monte), seguimos para o último dia de caminhada até o topo do Monte Roraima, escalando. Após o acampamento base, a trilha é feita por uma subida íngreme, com 75º de inclinação, difícil, escorregadia e muito arriscada. Depois de aproximadamente duas horas, chegamos a um trecho de mata, que lembra a floresta amazônica e é onde abastecemos os cantis com água do igarapé. Ao chegar ao pé do monte, acompanhamos os indígenas nas orações e seguimos pelo trecho chamado Vale de Lágrimas, o local tem esse nome porque aqui é possível ver duas cachoeiras descendo do meio da rocha, é lindo, mas torna a subida mais perigosa. O último trecho é de escalada pedras, algumas soltas, é preciso andar de quatro, se apoiando nos pés e nas mãos pra não perder o equilíbrio. Não é fácil, é cansativo e doloroso, nem todo mundo consegue concluir.

“Tivemos uma turista inglesa que chorou muito, mas não conseguiu subir a “rampa”, como é chamada esse último trecho, é difícil, precisa ter resistência mesmo”, disse o nosso guia Daniel.

E após muita dor, cansaço, momentos de introspecção e choro, chegamos ao topo da maior montanha plana do mundo. A sensação é indescritível.

Mas a viagem não acaba aqui, menos ainda as longas caminhadas. É aqui no topo que a nossa aventura começa. Ficamos em uma caverna, das setes chamadas de “hotéis”, a nossa, a maior do lado venezuelano é chamado de Guácharo, que é um pássaro conhecido por morar em cavernas e que também é tido pelos indígenas como espíritos guardiões do monte. Enquanto nos organizamos nas barracas, a equipe de logística improvisa uma cozinha, por aqui é proibido fazer fogo, e só utilizamos utensílios de acampamento como pequenas botijas para preparar a comida, as pedras são usadas como mesa, e barracas que servem de banheiro, até os dejetos das necessidades básicas são recolhidos junto com cal, para serem levados de volta para a cidade.

Na montanha existem muitos destinos, os mais conhecidos são a La Ventana, o abismo mais extremo do monte onde é possível fazer fotos por cima das nuvens, caminhando sobre elas,  ou mesmo, voando nos céus; as jaccuzzis, piscinas formadas em crateras com fundo de quartzo, ótimas para relaxar e energizar o corpo; os vales dos cristais com caminhos extensos de cristais de quartzos que refletem o brilho do sol e se tornam caminhos lindos, em meio a paisagem de pedras e lagoas; outro ponto turístico do Monte Roraima é a pedra Maverick, chamada assim porque parece mesmo o carro, esse é o ponto mais alto da montanha chegando a quase 3 mil metros de altitude. Também é possível conhecer alguns jardins, chamados de jardim japonês; a fenda, uma enorme fenda que leva a um abismo e rende fotos criativas e fantásticas e também o labirinto, esse não muito explorado por conta da dificuldade.

A tríplice fronteira é um destino quase obrigatório, que leva o viajante ao marco da fronteira da Venezuela, Brasil e Guiana. O monte Roraima esta localizado nos três países, com a maior parte no território Venezuelano (80%), outra parte na Guiana (15%), e no Brasil (5%). Ali pertinho tem o maior vale de cristais e também o El fosso, uma cratera que se abre no chão da montanha com uma cachoeira constante e água cristalina, que leva a uma arquitetura subterrânea encantadora.

No caminho também encontramos à Catedral, uma pedra gigantesca que parece mesmo uma construção milenar, e ao redor, pedras que formam esculturas bem familiares como prédios, pessoas e até animais. Entre eles, dinossauros, e devem ter sido elas que influenciaram o escrito britânico Arthur Conan Doyle a escrever o livro The Lost World, lançado em 1912, após a expedição que fez ao Monte Roraima, e que baseou o filme hollywoodiano Jurassic Parck, o mundo perdido. Outro sucesso do cinema, com base no Monte Roraima, é o filme UP Altas Aventuras, que mostra inclusive animais como a tartaruga em formato de Pedra.

E você já viu um sapo rastejante? Pois é, por aqui eles não aprenderam a pular, primitivos os Tepuy, nome científico Oreonphyella Quelchii, são os moradores favoritos dos turistas, já viraram o símbolo das expedições.

Além das diversas atrações, o Monte Roraima é destino de muitos que buscam renovar as energias, buscam respostas de conflitos internos e também se reencontrar, isso porque a energia que sentimos é difícil de explicar, mas nos deixa com a sensação de paz. É de verdade um outro mundo, um mundo perdido, como se estivéssemos em outro planeta, mágico, místico e com muita coisa a ser descoberta.

São seis dias de muita exploração e conhecimento. O retorno, bem, depois de tanta maravilha desfrutada nos últimos dias, descer todo o caminho, em dois dias, parece não ser mais tão difícil. Arriscado em alguns momentos, porque boa parte do caminho é de pedras, algumas soltas e é preciso agachar para não cair, mas o corpo já está preparado para as longas caminhadas e energizado para voltar para casa depois de tudo que experimentou e “cresceu”.

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