A Câmara dos Deputados terminou na quinta-feira (16) a votação do Código Eleitoral (Projeto de Lei Complementar 112/21). Aprovado na forma do substitutivo da relatora, deputada Margarete Coelho (PP-PI), o texto será analisado ainda pelo Senado Federal. No entanto, sem consenso para votar mudanças nas regras eleitorais, o Senado não deve analisar o projeto do novo código aprovado anteontem pela Câmara a tempo para valer em 2022.
Para valer no ano que vem, os senadores precisariam aprovar o texto a tempo de ser sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro até 2 de outubro. A consequência é que mudanças como restrições à divulgação de pesquisas, limites ao poder da Justiça Eleitoral de ditar normas e a liberação ao transporte de eleitores – se confirmadas na Casa – só devem vigorar a partir das disputas municipais de 2024. O projeto é criticado por especialistas por flexibilizar regras de transparência do uso do dinheiro público por partidos e derrubar uma série de restrições de como esses recursos podem ser aplicado.
Votação na Câmara
A votação dos destaques na Câmara dos Deputados só começou no início da noite da quinta-feira. O texto-base tinha sido aprovado na semana passada. Depois de muita negociação, o presidente da Câmara, Arthur Lira, do Progressistas, costurou o acordo com líderes do Centrão e da oposição, que resgatou a quarentena para que juízes, procuradores, promotores, militares, policiais e guardas civis possam se candidatar. A partir de 2026, eles vão ter que deixar o cargo que ocupam quatro anos antes de se candidatarem. Associações que representam as categorias profissionais divulgaram nota criticando o texto.
A relatora do novo Código Eleitoral, deputada Margarete Coelho, afirmou que, no caso de juízes e magistrados, a própria Constituição veda a filiação político partidária. “Quando a Constituição veda a filiação partidária, de uma forma ou de outra abre uma fenda para que haja, realmente, limitações de direitos políticos dessas categorias, que são garantes da democracia”, declarou.
Margarete Coelho lembrou que a legislação eleitoral estabelece diversos tipos de vedação às candidaturas, como a de parentes, o que autoriza o Congresso a determinar novas regras para que determinadas pessoas possam ou não se candidatar.
O vice-presidente da Câmara, o deputado Marcelo Ramos (PL-AM) afirmou que a proposta busca evitar o uso político de cargos tão estratégicos no Estado.
“Há uma série de garantias para que possam exercer o seu poder de julgar, de prender ou de denunciar com a mais absoluta liberdade. E, obviamente, há que ter mecanismos e travas para garantir que esse poder de julgar, de prender ou de denunciar não possa ser contaminado por objetivos eleitorais”, afirmou.
Deputados do Cidadania apresentaram destaque para tentar tirar do texto um dos artigos mais criticados, o que limita a divulgação de pesquisas eleitorais. Mas o destaque foi derrubado e continua valendo o texto que prevê que as pesquisas só poderão ser divulgadas até a sexta-feira antes da eleição. Na véspera e no dia da votação, como é hoje, serão proibidas. E os institutos ainda terão que informar o percentual de acerto das pesquisas realizadas nas últimas cinco eleições.
Especialistas avaliam que a mudança é uma forma de censura.
“Certamente a censura às pesquisas na véspera e antevéspera das eleições vai provocar uma onda de fake news, de números falsos atribuídos aos grandes institutos e os institutos não vão poder mostrar os números reais. A consequência disso é que os eleitores, os principais interessados em obter a informação, ficarão no escuro, à mercê da boataria que vai surgir”, diz o diretor-geral do Datafolha, Mauro Paulino ao jornal O Globo.
O projeto tem quase 900 artigos. E a restrição às pesquisas é apenas um dos muitos pontos criticados por especialistas e também por parlamentares, que esperam que o Senado possa barrar as mudanças consideradas como um retrocesso, como reduzir a transparência e dificultar a análise sobre o uso do dinheiro público pelos partidos.
Na área de combate à corrupção, a proposta altera o período de inelegibilidade definido pela Lei da Ficha Limpa. O prazo de oito anos, que hoje começa a valer depois do cumprimento da pena, começaria a ser contado a partir da condenação.
Sobre crimes de campanha, o projeto revoga o que hoje é estabelecido como crime em dia de eleição como a realização de comícios, carreatas, boca de urna e o transporte irregular de eleitores; e inclui as resoluções da Justiça Eleitoral, regras para orientar, organizar as eleições, dentro do regime de anualidade, ou seja, qualquer regra estabelecida pelo Tribunal Superior Eleitoral tem que ser editada um ano antes de entrar em vigor. E o Congresso poderá derrubar essas resoluções quando discordar delas.
Sobre redes sociais, aliados do governo tentaram incluir no código um artigo que limitava a remoção de conteúdos falsos publicados por candidatos nas redes sociais, mas não conseguiram.
Para valer nas eleições do ano que vem, o novo código precisa ser votado e aprovado pelos senadores e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro até o início de outubro.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, do Democratas, disse que não tem como garantir que isso vai acontecer.
“Nós sabemos a complexidade do tema, são muitos artigos que estão nesse Código Eleitoral aprovado na Câmara. Mas também, em respeito à Câmara dos Deputados, vamos ter toda dedicação para fazer uma avaliação sobra a apreciação ainda no mês de setembro, se isso é possível ou não”, afirmou Pacheco.
Veja as principais mudanças com a votação dos destaques
– Quarentena para juízes e policiais
Juízes, membros do Ministério Público, policiais federais, rodoviários federais, policiais civis, guardas municipais, militares e policiais militares que queiram concorrer nas eleições terão de se desligar de seus cargos pelo menos quatro anos antes do pleito.
– Redes sociais
Foi retirado trecho do projeto que proibia redes sociais de limitarem “conteúdo de ordem política, ideológica, artística ou religiosa de candidatos a cargos políticos”. Segundo a oposição, essa parte do projeto repete os termos da Medida Provisória 1068/21, devolvida ao governo pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Mesmo podendo até excluir conteúdo, as medidas de moderação ou limitação não devem ser adotadas visando desequilibrar a igualdade de condições entre candidatos.
– Divulgação de pesquisas
As pesquisas eleitorais só poderão ser divulgadas até a sexta-feira anterior à eleição (antevéspera do pleito). Até então, os resultados dos levantamentos podiam ser publicados no dia da votação. Os institutos ainda deverão divulgar o percentual de acerto das últimas cinco eleições.
– Sobras de vagas
Podem concorrer apenas os candidatos que tiverem obtido votos mínimos equivalentes a 20% do quociente eleitoral e os partidos que obtiverem um mínimo de 80% desse quociente. As sobras são vagas para cargos proporcionais (deputados e vereadores). O quociente eleitoral é o número a partir da divisão dos votos válidos pelo número de lugares a preencher em cada circunscrição eleitoral (câmaras municipais, assembleias legislativas e Câmara dos Deputados).
– Crimes eleitorais
Texto acrescenta delitos como a divulgação de notícias falsas (fake news) e a violência política contra as mulheres. Boca de urna, transporte de eleitores, propaganda e comícios ou carreatas no dia das eleições deixam de ser considerados crimes eleitorais.
– Dados falsos
Publicar ou compartilhar fatos inverídicos ou “gravemente” descontextualizados, de modo consciente, para influenciar o eleitorado pode resultar em pena de 1 a 4 anos de reclusão e multa. O mesmo vale para quem produz, oferece ou vende vídeo de conteúdo inverídico sobre partidos ou candidatos. Produzir banco de dados para divulgar informação fora dos limites permitidos resulta em reclusão de 2 a 4 anos. No caso de fake news, a pena aumenta da metade a 2/3.
– Violência política contra mulheres
A violência política contra mulheres é caracterizada por impedir, dificultar ou restringir os direitos políticos da mulher, constranger, humilhar, perseguir, assediar ou fazer qualquer distinção contra a mulher. O crime pode levar à reclusão de 1 a 4 anos, e a pena é aumentada em 1/3 se for contra gestante, maior de 60 anos ou pessoa com deficiência.
– Caixa 2
Recursos não contabilizados usados nas campanhas eleitorais próprias ou de terceiros são criminalizados. Quem pratica esse delito, doando, recebendo ou utilizando os recursos, está sujeito a pena de 2 a 5 anos de reclusão. Pelo texto, o juiz deixar de aplicar a pena ou pode reduzi-la de 1/3 a 2/3 se a irregularidade não informada na prestação de contas for referente a valores de origem lícita e respeitando regras como os limites legais de doação ou de gastos para o cargo.
– Improbidade
Prazo de inelegibilidade continua sendo de oito anos, mas passa a ser contado a partir da sentença de condenação e não após cumprimento da pena. É considerado inelegível por oito anos o político que renunciar durante o processo de cassação.
– Debates eleitorais
Candidatos de partidos com um mínimo de cinco deputados federais têm direito a participar de debates políticos.
– Candidaturas coletivas
O código autoriza a prática de candidaturas coletivas para os cargos de deputado e vereador. O partido deverá autorizar e regulamentar essa candidatura em seu estatuto ou por resolução do diretório nacional. A candidatura coletiva será representada formalmente por apenas um filiado do partido, mas o nome coletivo poderá ser registrado na Justiça Eleitoral juntamente com o nome do candidato. O mesmo vale para propagandas, caso não haja dúvidas sobre a identidade do candidato registrado.
– Prestação de contas
Os partidos agora podem prestar contas do que foi arrecadado e gasto nas campanhas pelo sistema da Receita Federal. Até então, isso era feito exclusivamente pelo modelo da Justiça eleitoral.
– Prisão no período eleitoral
Novo código prevê restrição de prisão nos três dias que antecedem a eleição (antes eram cinco dias), exceto quando flagrante ou sentença criminal condenatória por crime inafiançável. A restrição após a eleição será de 24 horas (antes eram 48 horas). Para candidatos, o período em que não poderão ser presos é reduzido de 15 para 10 dias antes da eleição até o fim da votação, exceto no caso de flagrante.
– Fundo Partidário
Código mantém os tipos de gastos e acrescenta despesas com transporte aéreo, aluguel de veículos, consultoria sobre proteção de dados e outros gastos de interesse partidário, “conforme deliberação da executiva do partido político”. Projeto proíbe uso de recursos do fundo para pagar multas aplicadas aos partidos, em caso de dolo específico comprovado (intenção de cometer o crime). Isso inclui atos infracionais, ilícitos penais, administrativos ou eleitorais ou para a quitação de encargos decorrentes de inadimplência de pagamentos, como multa de mora, atualização monetária ou juros. A distribuição dos recursos seguirá a proporção dos votos obtidos na última eleição para a Câmara dos Deputados (lei prevê 5% distribuídos igualmente a todos os partidos que cumpriram essa cláusula e o restante pelo critério de votos).
– Fundo Eleitoral
Valores serão distribuídos em percentuais iguais aos definidos atualmente, levando em consideração o número de eleitos na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.
– Empresas
Partidos podem contratar empresas privadas para auditar prestação de contas utilizando recursos do fundo partidário.
– Votos para mulheres, negros e indígenas
Os votos de mulheres, negros e indígenas serão contados em dobro no momento da distribuição dos recursos do fundo partidário.
– Poderes do TSE
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) passa a ter poder limitado na regulamentação das normas eleitorais. A partir de agora, o Congresso Nacional pode sustar resoluções do TSE que considerar exorbitantes de seu poder regulamentar – a exemplo do que ocorre com atos do Poder Executivo.
– Coligações
Coligações entre partidos para cargos proporcionais (deputados e vereadores) continuam proibidas, segundo o código (seguindo a Emenda Constitucional 97, de 2017). Uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) revertendo essa proibição foi aprovada em agosto deste ano na Câmara dos Deputados e está em tramitação no Senado.
*Com informações da Agência Câmara de Notícias e R7