Um documento enviado à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid reúne denúncias que apontam que vacinas contra o coronavírus destinadas a povos indígenas teriam sido desviadas para garimpeiros em troca de ouro.
De acordo com o jornal Folha de S. Paulo, o relatório, enviado pela Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Povos Indígenas, também acusa que indígenas receberam cloroquina e tiveram dificuldades para acessar leitos de Unidade Terapia Intensiva (UTI). Ao menos sete denúncias diferentes foram citadas no documento.
No mês passado, o ex-ministro da Saúde Nelson Teich afirmou em depoimento à CPI da Covid, que era contra a distribuição de cloroquina nas aldeias indígenas.
Criada em abril de 2019, a Frente Parlamentar na Câmara tem o objetivo de defender os direitos indígenas. Desde março do ano passado, a frente vem tratando sobre o impacto da pandemia e as medidas de enfrentamento entre os indígenas, conforme a reportagem do Yahoo!Notícias.
A coordenadora do grupo, deputada Joenia Wapichana (Rede-RR), encaminhou ao menos 21 ofícios a autoridades dos ministérios da Saúde, da Justiça e Segurança Pública e também ao Judiciário.
Em um ofício encaminhado aos ministros da Saúde, Marcelo Queiroga, e o da Justiça, Anderson Torres, a frente dizia que vacinas destinadas aos indígenas estavam sendo compradas por garimpeiros em troca de ouro.
“É comum a queixa por parte dos yanomami de que os materiais e medicamentos destinados à saúde indígena estão sendo desviados para atendimento aos garimpeiros, em prejuízo dos indígenas”, disse Dário Vitório Kopenawa Yanomami, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami.
Um ofício encaminhado à Procuradoria-Geral da República (PGR) revelou a influência negativa que missionários estavam exercendo sobre comunidades indígenas, infundindo temor por meio da propagação de fake news sobre a vacinação contra a Covid-19.
“A campanha de desinformação seria difundida via áudios e vídeos pelo celular, pelo sistema de radiofonia entre as aldeias e por cultos presenciais. No estado do Maranhão a maior influência seria da igreja Assembleia de Deus.”
Distribuição de cloroquina a povos indígenas
Outro documento encaminhado pelo Ministério da Saúde para a coordenadora da frente, no dia 15 de setembro, mostra que a pasta distribuiu pelo menos 265 mil comprimidos de medicamentos sem eficácia contra a Covid-19 aos indígenas em cinco estados, com o propósito de tratar infecções pelo coronavírus. São eles:
- cloroquina
- azitromicina
- ivermectina
Segundo a Folha, a pasta relatava que o Distrito Sanitário Especial Indígena de Vilhena, em Rondônia, tinha realizado a contratação de profissionais para ajudar na identificação precoce dos sintomas e que haviam sido montados kit’s Covid (azitromicina e ivermectina) para suprir a necessidade da demanda de casos sintomáticos nas aldeias.
Outro ofício revela que houve falta de acesso à medicação adequada, como bloqueadores musculares. Isso teria levado à morte de índios Cinta Larga, que não aguentaram o processo de intubação.
No documento, a coordenadora pediu “urgência para a gravidade que o caso dos Cinta Larga e demais povos de Rondônia e Mato Grosso requer e que sejam tomadas as demais medidas ensejadas, pois vidas indígenas importam”. De acordo com o relatório, 10 índios Cinta Larga haviam morrido também por falta de leitos de UTI.
Defesa distribuiu quase 3 milhões de comprimidos de cloroquina
No mês passado, o Ministério da Defesa informou à CPI da Covid que efetuou a distribuição de 2,9 milhões de comprimidos de cloroquina para estados e municípios e hospitais militares sob orientação do Ministério da Saúde. Os envios foram efetuados de abril a agosto de 2020, segundo a pasta.
Essa operação ocorreu “conforme pautas definidas pelo Ministério da Saúde”, afirmou a Defesa. A produção do medicamento, cuja ineficácia contra o coronavírus é comprovada, é um dos temas investigados pela comissão, que ouve, pela segunda vez nesta terça-feira (8), o atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga.
Discrepância dos dados oficiais sobre a Covid
Um dos pontos mais criticados nas denúncias enviadas à CPI foi a discrepância dos dados oficiais divulgados pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) sobre infecção e morte de indígenas em relação aos dados contabilizados pelo Comitê Nacional da Vida e Memória Indígena. O primeiro relata 673 óbitos, enquanto o segundo, 1.072 mortes.
Em nota, o Ministério da Saúde informou que 81% da população indígena recebeu a primeira dose de vacina Covid-19 e 70% a segunda dose. Disse que as ações de vacinação continuam em todos os distritos e que, desde o início da pandemia, trabalha em estratégias de proteção, prevenção, diagnóstico e tratamento da Covid-19.
“A pasta criou Equipes de Resposta Rápida, compostas por médico, enfermeiro e técnico de enfermagem, que permanecem de prontidão nos municípios que sediam os 34 Distritos Sanitários Espaciais Indígenas, para atender de imediato as aldeias que apresentarem surto da doença.”
A presidente da frente parlamentar afirmou ao jornal que espera que as denúncias sejam apuradas pela CPI.
“São documentos que a Frente Parlamentar Indígena recebeu e apresentados nas reuniões, enviados com o objetivo de contribuir com o andamento da CPI, para que investigue algumas questões que foram apontadas durante as reuniões”, disse.