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Cientistas alertam sobre novo crescimento de casos, após retomada em 1º de junho

O Ministério Público do Amazonas (MPAM) concluiu, nesta quarta-feira (27), uma Nota Técnica (NT) assinada por nove pesquisadores, ligados à Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e outras instituições de ensino e pesquisa, com formação em diversas áreas, que vai contra o plano de retomada a partir de 1º de junho, apresentado pelo Governo do Amazonas.

Os autores afirmam que a reabertura dos comércios, igrejas e templos, prevista para 1º de junho, medida anunciada nesta quarta-feira pelo Estado e a retomada dos transportes intermunicipais e interestaduais aumentarão novamente o número de infectados e óbitos.

Caso o número de óbitos e internações não diminuam expressivamente nestas quatro semanas, serão inevitáveis ações rigorosas como o lockdown, devido à necessidade de controle da pandemia “para mitigar a perda de vidas e para que não se postergue uma retomada econômica muito tardia”.

Os resultados das análises demonstraram que tanto o isolamento social propiciado pelo fechamento do comércio quanto a interrupção dos transportes intermunicipal e interestadual contribuíram para a redução dos casos e óbitos em Manaus.

“O trabalho desenvolvido pelos pesquisadores só confirma aquilo que o MP sempre defendeu, que é o isolamento social, ainda como medida necessária para preservação de vidas, para a tutela da saúde pública no nosso Estado. Lamentavelmente, o interior do Estado, sobretudo, vem demonstrando ainda, pelos números apresentados de contaminação e de óbitos, a necessidade do isolamento social. Eu sei que há uma discussão em torno da importância da retomada dessas atividades não essenciais por conta do desenvolvimento social e econômico do Estado mas, no momento, para o MP, é a preservação da vida que está em primeiro plano e é assim que o Ministério Público vai continuar trabalhando”, afirmou a Procuradora-Geral de Justiça Leda Mara Nascimento Albuquerque.

Subnotificações das causas de óbitos

A NT afirma, também, que existem indicações fortes de uma elevada taxa de subnotificação de óbitos decorrentes da Covid-19, com pelo menos metade do valor total tendo causa atribuída a outras doenças. Os pesquisadores afirmam que os resultados da pesquisa mostraram um aumento significativo de óbitos na cidade de Manaus no mês de abril, com 2.600 óbitos registrados, cerca de 1.700 acima da média dos meses anteriores em 2020 e dos mesmos meses correspondentes em 2019.

Sobre suposta imunidade adquirida por pessoas que tenha contraído da doença, os dados estudados apontam que não existe atualmente uma imunidade de rebanho (efeito de proteção que surge em uma população quando uma percentagem alta de pessoas adquire imunidade mesmo sem ter tomado vacina) para a cidade e que a população está longe de adquirir tal imunidade. Se nenhuma ação for tomada para conter o avanço da pandemia em Manaus, diz a NT, muitas vidas ainda serão perdidas, pois de 85% a 90% da população ainda é suscetível à Covid-19. Nossos resultados indicam que entre 10 e 15% da população de Manaus contraíram o SARS-CoV-2, o que contrapõe pseudoestudos que indicariam que a população estaria adquirindo imunidade de rebanho.

“A matemática é o estudo dos padrões. Se você tem um padrão que se repete milhares de vezes como numa pandemia, nós podemos estudá-lo. Uma vez que você tem parâmetros numéricos desses casos, você consegue montar um estudo para entender o que está acontecendo em larga escala. Por isso é importante a participação de um estudo como esse de profissionais de diversas áreas científicas”, afirmou o matemático Wilhelm Steinmetz, Doutor em Matemática (Université Paris/França) e chefe do Departamento de Matemática da Ufam, um dos autores da NT.

Testagem da população

Como medidas a serem tomadas, os cientistas dizem que a determinação das taxas de mortalidade e da proporção de infectados é de grande importância para a estimação dos parâmetros da epidemia, pois permitiria uma calibração mais precisa dos modelos epidemiológicos e sua utilização mais efetiva como instrumento de gestão de saúde pública, orientando as autoridades de saúde para a tomada de decisões quanto ao nível de isolamento que deveria seria buscado, ao número de leitos que seriam necessários, e ao investimento desejado em pessoal e equipamentos para conter a Covid-19 de forma mais eficiente18. Desta forma, recomendamos a implementação de um programa periódico de testes aleatorizados na população em geral.

“Neste exato momento, precisamos intensificar as medidas de prevenção. Enquanto isso, precisamos acompanhar a difusão do vírus através de uma testagem regular de população, com um método científico que considere, por exemplo, diferenças de renda, gênero, local de moradia, raça e etnia, dando atenção a populações mais vulneráveis como indígenas e pessoas encarceradas”, afirmou o cientista social da Ufam, doutor em Sociologia pela Unicamp, Fabio Magalhães Candotti, também autor da NT.

E como medida unânime e geral, dada a ausência de medicamentos e vacinas para o controle da pandemia, o isolamento social6 é a única medida viável para conter o escalonamento progressivo de casos positivos, com agravo e mortes, e o colapso do sistema de saúde.

“O MP considerou necessário ouvir diversos especialistas que estudam a situação de contaminação comunitária pelo coronavírus no Amazonas. A Nota representa a opinião desses pesquisadores e que indicam ao Estado a continuar trabalhando no combate à covid-19. O caminho apontado por esse grupo de pesquisadores é o de adotar medidas rígidas de convívio social que o Estado, infelizmente, com a manifestação que já tornou pública, pretende abandonar”, afirmou a promotora de Justiça Silvana Nobre Cabral, titular da 58ª Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos à Saúde Pública (58ªPRODHSP).

Campanha para divulgação de informações

Dado o grande número de matérias sensacionalistas e pseudoestudos que tem circulado, os pesquisadores recomendam que uma campanha de informação seja realizada para divulgar dados científicos e com critério de análise (revisão por pares ou pareceres de especialistas) sobre a situação da atual pandemia. Devido ao grande volume informações divulgadas nas redes sociais e outras mídias sugerindo que a pandemia esteja “passando” em Manaus, recomendamos que o Ministério Público avalie medidas jurídicas, visto que a propagação de tais opiniões representa uma ameaça à saúde pública no contexto da atual pandemia, induzindo a população à adotar comportamentos deliberados que desrespeitam os protocolos de isolamento e distanciamento social.

Salientamos que medidas mais restritivas, assim como o lockdown, já adotado em outros 8 municípios amazonenses, não devem ser descartadas, sendo as únicas medidas eficazes que podem permitir uma gradual retomada das atividades. Futuras modificações de medidas restritivas devem ser reavaliadas conforme a evolução da doença na cidade, diz outro trecho da Nota Técnica.

Assinam o documento:

Lucas Ferrante – Biólogo, Mestre em Biologia pelo Inpa, Doutorando em Biologia – PPG-Eco – Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA).

Wilhelm Alexander Cardoso Steinmetz – Matemático, Doutor em Matemática, Université Paris-Sud 11/França – Departamento de Matemática (DM), Programa de Pós-Graduação em Matemática (PPGM), Universidade Federal do Amazonas (Ufam).

Luiz Henrique Duczmal – Matemático, Doutor em Matemática, PUC/RJ – Departamento de Estatística (DEST), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Rodrigo Tavares Teixeira – Matemático e cientista de dados, Mestre em Matemática, Escola de Tecnologia da Universidade do Estado do Amazonas (EST-UEA).

Henrique dos Santos Pereira – Agrônomo (Ufam), Mestre (INPA) e Doutor em Ecologia (PSU/EUA), Centro de Ciências do Ambiente, Universidade Federal do Amazonas (Ufam).

Jeremias da Silva Leão – Estatístico, Doutor em Estatística (UFSCar/USP), Programa de Pós-Graduação em Matemática, Universidade Federal do Amazonas (Ufam).

Fabio Magalhães Candotti – Cientista Social (USP), Doutor em Sociologia (Unicamp), Departamento de Ciências Sociais, Universidade Federal do Amazonas (Ufam).

Fabricio Beggiato Baccaro – Biólogo, Mestre em Ciências Biológicas (Inpa), Doutor em Biologia (Inpa), Departamento de Ciências Biológicas, Universidade Federal do Amazonas (Ufam).

Ruth Camargo Vassão – Bióloga, Mestre em Imunologia pela Universidade de São Paulo (USP), Doutora em Imunologia pela Universidade de São Paulo (USP), Pós-Doutora em Imunologia pelo Instituto Max Planck em Imunobiologia de Freiburg (Alemanha), Pesquisadora Científico VI aposentada do Instituto Butantan.

Todos os autores declaram não possuir conflitos de interesse, sendo as atividades de pesquisa financiadas exclusivamente com verbas públicas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino de Superior, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam).

*Informações da assessoria

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