*Da Redação Dia a Dia Notícia
O Brasil abriga uma diversidade de 391 etnias e 295 línguas indígenas, segundo dados do Censo Demográfico 2022, divulgados nesta sexta-feira (24) pelo IBGE. O levantamento revela que o país tem hoje 1,69 milhão de pessoas indígenas, e que São Paulo (271 etnias), Amazonas (259) e Bahia (233) são as unidades da federação com maior número de grupos identificados. As línguas Tikúna, Guarani Kaiowá e Guajajara permanecem entre as mais faladas, mas o estudo também registrou idiomas mantidos por grupos mínimos,e até por apenas uma pessoa.
Entre 2010 e 2022, houve um aumento de falantes de língua indígena entre as pessoas indígenas de cinco anos, passando de 293.853 para 433.980 falantes. Contudo, percentualmente ocorreu uma redução no período: passando de 37,35% para 28,51%. Por outro lado, dentro de Terra Indígena, o peso de falantes de língua indígena se ampliou, passando de 57,35%, em 2010, para 63,22%, em 2022.
Para Marta Antunes, gerente de Povos e Comunidades Tradicionais e Grupos Populacionais Específicos do IBGE, os resultados evidenciam a força da diversidade cultural no país.
“O Brasil, quando comparado a outros países da América Latina, apresenta uma diversidade étnica e linguística única. Esse quantitativo expressivo de etnias e línguas é um retrato da nossa pluralidade. Além disso, houve um aumento de quase 90% da população indígena entre 2010 e 2022, o que despertava muita curiosidade: quem são esses indígenas?”, afirma Marta.
Segundo ela, a ampliação do número de etnias é resultado de múltiplos fatores, como movimentos migratórios, urbanização, autoafirmação identitária e reemergência étnica, processos em que comunidades voltam a se reconhecer e se diferenciar dentro da sociedade.
“Há pessoas que se declaravam indígenas, mas não acionavam o pertencimento a uma etnia específica. Nos últimos anos, isso passou a ser valorizado, inclusive graças à visibilidade que o Censo proporcionou. Após anos de ocultação para lidar com o racismo, especialmente em contextos urbanos, surgiram condições favoráveis para a reafirmação étnica”, explica.
Além do reconhecimento de 75 novas etnias, o levantamento captou fenômenos como a divisão de subgrupos que passaram a se identificar de forma independente, migrações recentes, como a de indígenas venezuelanos, e melhorias metodológicas na coleta de dados do IBGE.
O Censo de 2022 também inovou ao permitir a declaração dupla de etnia, refletindo o pertencimento tanto à etnia materna quanto à paterna. Cerca de 1,43% da população indígena declarou duplo pertencimento étnico, especialmente entre os jovens de até 29 anos residentes em Terras Indígenas.
“Isso representa uma riqueza enorme”, afirma Marta. “O IBGE não pediu que o informante escolhesse uma etnia principal. Há pessoas que acionam as origens da mãe e do pai, e isso mostra como o pertencimento é vivido de forma múltipla.”
São Paulo lidera em número de etnias

Entre as Unidades da Federação, São Paulo lidera com 271 etnias identificadas, seguido por Amazonas (259) e Bahia (233). Em todos os estados, exceto o Amapá, houve aumento na diversidade étnica. Em termos proporcionais, os maiores crescimentos ocorreram em Mato Grosso do Sul, Roraima e Tocantins.
Os municípios com mais etnias declaradas são São Paulo (194), Manaus (186), Rio de Janeiro (176), Brasília (167) e Salvador (142). Fora das capitais, destacam-se Campinas (SP), com 96 etnias, Santarém (PA), com 87, e Iranduba (AM), com 77.
De acordo com Fernando Damasco, gerente de Territórios Tradicionais e Áreas Protegidas do IBGE, cidades médias se tornaram polos de diversidade indígena.
“Campinas, Foz do Iguaçu e municípios do Mato Grosso do Sul passaram a atrair populações indígenas, impulsionadas por universidades, políticas de inclusão e mobilizações comunitárias. Isso redesenhou o mapa da diversidade no Brasil”, afirma.
Tikúna é a etnia mais populosa
A etnia Tikúna permanece como a mais numerosa do país, com 74.061 pessoas, seguida pelos Kokama (64.327) e Makuxí (53.446). Por outro lado, 21 etnias possuem menos de 15 integrantes. O caso dos Kokama é emblemático: o grupo quase triplicou de tamanho desde 2010, reflexo da reafirmação identitária e da migração de indígenas provenientes do Peru, onde também habitam o rio Amazonas.
Diversidade linguística e desafios
O Censo identificou 295 línguas indígenas, 21 a mais que em 2010. As línguas Tikúna (51.978 falantes), Guarani Kaiowá (38.658), Guajajara (29.212) e Kaingang (27.482) lideram o ranking. Apesar do crescimento absoluto de falantes, houve uma redução proporcional, de 37,35% para 28,51%, no uso de línguas indígenas entre 2010 e 2022.
“O avanço do português nas Terras Indígenas é reflexo da urbanização e da necessidade de acesso à educação e ao trabalho”, observa Damasco. “A falta de políticas públicas que garantam o ensino em línguas indígenas também contribui para a perda linguística.”
O estudo aponta regiões de forte multilinguismo, como o Alto Rio Negro, o Norte do Pará e o Parque do Xingu. Jovens entre 15 e 24 anos são o principal grupo que combina o uso de português e língua indígena, o que indica potencial de continuidade cultural.
Desigualdades
Os dados do Censo também revelam desafios sociais enfrentados pelos povos indígenas. Entre as 1,19 milhão de pessoas indígenas com 15 anos ou mais, cerca de 21,45% são analfabetas, embora o índice tenha caído em relação a 2010 (32,13%).
No campo do saneamento básico, as carências ainda são severas. Mais de 90% dos Tikúna e Guajajara vivem em domicílios sem sistema adequado de esgoto, e 74% dos Tikúna não têm acesso à água encanada.
Entre as crianças yanomami, 3.288 não possuem registro de nascimento, o que representa 65,54% do total de menores de cinco anos dessa etnia.
