*Estadão
As empresas brasileiras raramente pregam uma política verde. Mas em julho do ano passado, depois de Jair Bolsonaro assumir a Presidência, o desmatamento desenfreado na Amazônia levou 30 CEOs a se manifestarem em alto e bom som. O investimento estrangeiro vinha caindo e as conversões comerciais paralisaram.
“Esta percepção negativa tem um potencial enorme para causar danos”, escreveram eles numa carta ao governo, insistindo para Bolsonaro fazer alguma coisa. Ele os ignorou e o ritmo do desmatamento, como foi noticiado em novembro, foi 10% mais acelerado do que em 2019. O presidente ainda fez cortes no orçamento para a fiscalização ambiental pelo terceiro ano consecutivo.
Agora, os patrões brasileiros colocam suas esperanças em um outro presidente que não tem o desprezo populista de Bolsonaro para com a ciência. Joe Biden indicou que suas políticas domésticas e externas terão por meta conter a mudança climática. Mais de 60% da cobertura florestal remanescente na Amazônia está no Brasil. Não só a floresta tropical abriga uma grande biodiversidade insubstituível, mas também é um reservatório de carbono. As queimadas e as derrubadas de árvores a transformam, ao contrário, numa fonte de emissões de dióxido de carbono.
A diplomacia americana neste governo Biden vai tentar convencer Bolsonaro a não permitir que isso ocorra. Esta talvez seja a primeira vez que uma importante relação bilateral se concentra nas árvores.
E isso representa riscos e oportunidades para o Brasil. Quando Biden afirmou em um debate em setembro que o Brasil enfrentaria “consequências econômicas” se não “detiver a destruição da floresta tropical”, Bolsonaro, pelo Twitter, respondeu que “nossa soberania não é negociável”. Posteriormente, no que soou como uma ameaça, afirmou que o Brasil necessitará de “pólvora” se a diplomacia falhar.
Agora as tensões de algum modo diminuíram. Biden pediu a John Kerry, seu enviado para o clima, para cumprir uma promessa feita durante sua campanha, de arrecadar US$ 20 bilhões, com ajuda de outros países, para a Amazônia. Em fevereiro, Kerry manteve uma conversa telefônica com o chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, e com o ministro de Meio Ambiente, Ricardo Salles. “Temos de construir pontes”, afirmou Salles.
Em entrevista a The Economist, Kerry afirmou que não estaria “apenas impondo”, mas trabalhando com o Brasil. Admitiu que não será fácil, acrescentando que está lidando com um “governo que se sente ofendido da maneira como foi abordado até agora”.
Em ambos os países, especialistas tentam montar um acordo em que os dois presidentes possam clamar vitória. Em janeiro, um grupo de autoridades de governo e membros de delegações negociadoras na questão climática publicaram um “Plano de Proteção da Amazônia”, em que o financiamento para os países da região Amazônica seria uma condição para reduzir o desmatamento. No Brasil, CEOs de empresas e cientistas criaram o movimento chamado Consertação pela Amazônia e vêm fazendo pressão para que uma parcela dessa ajuda vá para o desenvolvimento sustentável.
Doações
Até recentemente, Brasil e EUA eram participantes ativos nas negociações sobre o clima. Quando foi secretário de Estado, em 2016, Kerry assinou o acordo sobre o clima de Paris. O Brasil usou sua posição de gestor da Amazônia para “se mostrar muito pretensioso”, diz Tom Shannon, ex-embaixador americano no Brasil. Entre 2008 e 2019, Noruega e Alemanha doaram mais de US$ 1 bilhão para o Fundo da Amazônia do Brasil, cuja meta é reduzir o desmatamento e apoiar o desenvolvimento sustentável. Mas depois que o presidente Donald Trump se retirou do Acordo de Paris, Brasil, China e outros países pareceram usar sua indiferença pelo meio ambiente como pretexto para negligenciar seus compromissos.
Quando Bolsonaro assumiu a presidência, em 2019, “uma relação que era entre Estados e sociedades se tornou um relacionamento entre dois moleques”, disse Shannon, referindo-se à amizade dele com Trump. Outras relações do Brasil também se deterioraram. Depois de duas décadas de negociações, a União Europeia ainda precisa ratificar um acordo comercial com o Mercosul, o que está parado principalmente por causa das políticas adotadas por Bolsonaro.
O setor privado brasileiro, pelo contrário, tem agido. Depois de uma década ignorando a tendência global no sentido de um planeta mais verde, bancos, fundos e empresas do país agora começam a prometer reduzir suas emissões de carbono e eliminar o desmatamento das suas cadeias logísticas. O preço dos créditos de carbono no mercado voluntário emergente triplicou em 2020.
A demanda vem aumentando por ações em empresas que prometem padrões de governança corporativa, sociais e ambientais mais estritos. Grande parte disto é “greenwashing” (ou maquiagem verde, discurso que não se traduz na prática), acha Fabio Alperowitch da Fama Investimentos, fundo que se dedica a essas ações. Mas em alguns casos não é.
Biden pode ajudar. Os US$ 20 bilhões que prometeu arrecadar para a Amazônia podem ficar condicionados ao cumprimento pelo Brasil de metas ambientais. Também o pedido do Brasil para ingressar na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).
No passado, o Brasil colocou obstáculos à criação de um mercado global de carbono insistindo que seus créditos vendidos a outros países deveriam também contar como as próprias reduções de emissões. Essa dupla contabilidade resultaria numa redução total menor. Uma pressão do governo Biden no sentido de rejeitar essa dupla contagem, se der certo, impulsionará a conservação na Amazônia.
Mas em privado, muitos CEOs admitem estar mais inquietos do que aparentam. Um acordo com o governo Biden “é nossa única esperança” de evitar barreiras comerciais e mais danos à nossa reputação, disse um deles. Tanto a União Europeia quanto o Reino Unido vêm analisando leis para punir empresas que importam produtos ligados a desmatamentos e os bancos que as financiam. O Congresso americano, controlado pelos democratas, deve seguir o exemplo se a diplomacia falhar, o que talvez provoque uma maior obstinação da parte de Bolsonaro. Um acordo só funcionará se ele puder qualificá-lo como uma vitória.
A maneira mais eficaz para isso seria ter os fazendeiros envolvidos. A agricultura gera um quinto do Produto Interno Bruto do Brasil e quase a metade das suas exportações. Mas se multinacionais como a JBS, maior produtora de carne do mundo, e a Cargill, produtora e processadora de alimentos, se juntaram ao movimento Concertação para a Amazônia, os fazendeiros da região estão visivelmente ausentes. Estão fartos de serem acusados pelo desmatamento e das promessas não cumpridas de dinheiro para conservação da floresta. Acham que a demanda dos ambientalistas de um “desmatamento zero” é irracional.
“Quem deseja ajudar o Brasil deve começar respeitando a lei, incluindo o direito ao desmate”, disse o pecuarista Caio Penido.
O maior desafio para um acordo patrocinado pelos Estados Unidos será sua aplicação. Noruega e Alemanha congelaram suas doações para o Fundo da Amazônia em 2019. Bolsonaro e Biden provavelmente discordarão sobre como o novo fundo seria aplicado. O governo americano espera avanços na redução do desmatamento. Mas Bolsonaro reluta em reprimir os madeireiros, mineiros e criadores de gado ilegais – esse pessoal com frequência é seu apoiador.
Biden parece mais preocupado com a mudança climática do que seus predecessores. Kerry é o primeiro czar do clima a se sentar no Conselho de Segurança Nacional. Mesmo assim, caso o Brasil não cumpra suas metas, Biden tem poucos recursos diplomáticos para pressioná-lo. Ele teme isolar um aliado do porte do Brasil. O comércio bilateral entre os dois países é de US$ 100 bilhões ao ano; a cooperação militar vem aumentando. As sanções, se impostas, poderão não funcionar. O maior comprador de carne e soja do Brasil, que às vezes são produzidos em terra desmatada, não são os EUA, mas a China.
Fazendeiros
Se Bolsonaro se mostrar intransigente, o governo Biden deveria trabalhar com os Estados da região do Amazonas. O governo do Mato Grosso tentou reduzir o desmatamento incentivando os fazendeiros a participar de um registro ambiental. E vem pagando para os fazendeiros desmatarem menos de 20% das suas terras. Mas com a burocracia e a desconfiança existentes, o Estado processou autorizações para aproximadamente 8% das terras aráveis. Criar uma economia sustentável para a Amazônia implica mais do que pagar aos fazendeiros para não destruírem a floresta, afirmou Denis Miney, da Bemol, a maior loja de departamentos da região. Ele quer dinheiro americano para apoiar pesquisa sobre como o Brasil pode lucrar com a biodiversidade da Amazônia.
Em abril, Biden acolherá uma Cúpula da Terra para convencer os líderes mundiais a intensificar seus compromissos ambientais antes da reunião das Nações Unidas em novembro. Bolsonaro afirmou que participará. O Wilson Centre, grupo de estudos americano com elos com o Brasil, começou a reunir especialistas de cada país. Kerry está atento a suas propostas, disse um diplomata. O teste de verdade será quando elas chegarem a Bolsonaro./ TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
© 2021 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM