Gandalf, Mestre dos Magos, Dumbledore, Senhor Miyagi… É longa a lista de sábios anciãos da cultura pop. Sem a sabedoria deles, o que seria de seus jovens discípulos, completamente inexperientes em achar soluções para seus desafios?
Fora da ficção, um neuropsicólogo russo-americano chamado Elkhonon Goldberg garante que realmente os velhos são mais sábios e que isso não tem a ver com superpoderes, mas com um pico de desenvolvimento mental que ocorre paradoxalmente quando a capacidade do cérebro começa a diminuir. Complicado?
“Alguns tipos de conhecimento não reduzem com a idade, mas vão acumulando, devido a passagem por muitas experiências, como a capacidade de resolver problemas. Por outro lado, a atenção complexa, dividida [de fazer duas coisas ao mesmo tempo], a velocidade de processamento e a capacidade de aprendizagem diminuem”, explica Fábio Porto, neurologista do HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), segundo o UOL Notícias.
O acúmulo de conhecimentos específicos e adquiridos com o passar dos anos (vocabulário, orientação espacial, habilidades motoras), é chamado pelos médicos de “inteligência cristalizada”.
Porto explica que o cérebro faz um processo de filtragem e, dependendo da relevância da informação, a retém, solidificando em memória, ou a apaga. “Assim, por mais que a pessoa tenha 90 anos de idade e não consiga aprender tão bem informações novas, o conhecimento cristalizado dela é uma ‘biblioteca’ gigante e daí que vem a ideia de sabedoria”.
Ápice da sabedoria
Essa “biblioteca” também conta com um “sistema de busca” poderoso que Goldberg chama de redes de neurônios “atratoras”. Ou seja, ao se deparar diante de uma situação que precisa ser solucionada, o cérebro aciona essa rede, que se formou a partir de tudo o que a pessoa armazenou ao longo dos anos a respeito de padrões, situações similares, e que agora interliga e apresenta como ferramentas, ou referências.
“Os jovens podem adquirir informação com muito mais facilidade, mas não necessariamente vão ter a capacidade de manipular essa informação e tomar decisões, pois é preciso ter essa experiência, e aí entra a sabedoria, a maneira como você amadureceu tudo o que aprendeu. Nesse sentido, ter a idade avançada pode contar e muito ao próprio favor”, explica Paulo Camiz, geriatra e membro do corpo clínico nos Hospitais Albert Einstein e Sírio-Libanês (SP).
Mas a sabedoria do envelhecimento não se limita apenas a uma soma de experiências. Gary Small, psiquiatra do Centro de Longevidade da Universidade da Califórnia (EUA), afirma que o pico de desempenho cerebral nos mais velhos também se deve à mielina, uma substância que, segundo ele, em vez de reduzir com a idade, isola e impulsiona as terminações dos neurônios, possibilitando ao cérebro solucionar problemas quase que de imediato e sem grande trabalho.
Como tudo, há exceções
Apesar de o tempo contribuir para uma maior sabedoria, não quer dizer necessariamente que todo idoso seja sábio e não erre nunca. Em 2016, cientistas das universidades de Warteloo (Canadá), Göttingen (Alemanha) e Tilburg (Holanda) teorizaram, após um estudo conjunto, que a sabedoria seria como uma onda que vai e volta e estaria muito mais relacionada ao nosso estado emocional. Uma possível hipótese para os conselhos duvidosos do Mestre dos Magos, você lembra?
Tendo em mãos anotações de voluntários sobre como se sentiam diante de situações adversas, os pesquisadores avaliaram aspectos relacionados à sabedoria, como “humildade intelectual, autotranscendência e preocupação com perspectivas e resultados diferentes” e concluíram que o agir sabiamente hoje não reflete um comportamento igual no dia seguinte, ou vice-versa. E que a sabedoria variava entre as pessoas, mesmo entre os mais velhos.
“É verdade que quem viveu mais teve mais experiências, mas é preciso considerar se o idoso teve a oportunidade de transformar o que aprendeu em sabedoria. Além disso, da mesma forma que existem idosos que leem bastante, se instruem, procuram sempre melhorar, não se deixam envelhecer e não perdem a ambição, há aqueles que não se preocupam com isso”, informa Luiz Scocca, psiquiatra e membro da APA (Associação Americana de Psiquiatria).
Como turbinar o cérebro?
Deixando de lado eventuais acidentes vasculares cerebrais (AVC), doenças neurodegenerativas (Alzheimer, Parkinson), traumas físicos na cabeça e seus desfechos negativos, para retardar as mudanças que natural, heterogeneamente e em ritmos diferentes ocorrem na maneira como o cérebro lida com a memória, concentração e aquisição de novos conhecimentos, é preciso não ficar parado fisicamente, nem no tempo e expor-se constantemente a novos desafios mentais.
Entre os que foram além das expectativas e se destacaram estão o alemão Heinz Wenderoth, que aos 97 anos obteve o título de professor doutor com uma tese sobre biologia marinha primitiva e a desbravadora e historiadora americana Dorothy Davenhill Hirsch, que com 89 anos atravessou de navio geleiras até o Polo Norte.
Entre os que foram além das expectativas e se destacaram estão o alemão Heinz Wenderoth, que aos 97 anos obteve o título de professor doutor com uma tese sobre biologia marinha primitiva e a desbravadora e historiadora americana Dorothy Davenhill Hirsch, que com 89 anos atravessou de navio geleiras até o Polo Norte.
Mas para manter o corpo e a mente ativos não é preciso tanto, basta seguir simples cuidados de saúde, assegura o geriatra Paulo Camiz.
“Ser sábio e ter uma boa memória, em geral, está relacionado com manter bons hábitos de vida, controlar comorbidades, praticar atividades físicas regulares, se interessar pelas coisas, estudar, cuidar da alimentação, da saúde emocional e da vida social. O cérebro deve ser trabalhado como um músculo, pois seu maior inimigo e de qualquer sistema é a preguiça. Ter conhecimento nem sempre se traduz em sabedoria, a resposta está em como se faz uso dele”.