É praticamente impossível encontrar alguém que nunca tenha ouvido falar sobre Elize Matsunaga – mulher responsável pela morte e esquartejamento do marido, Marcos Matsunaga, presidente da empresa alimentícia Yoki, em maio de 2012. O crime é um dos mais famosos da história do país e já foi solucionado, mas voltou à tona atualmente, em 2021, motivado pelo lançamento da série documental “Elize Matsunaga: Era Uma Vez Um Crime”, na Netflix.
Com quatro episódios, a série marca a primeira vez na qual Elize Matsunaga falou abertamente sobre o caso e mostrou para o público uma nova perspectiva do crime, abordando todos os fatos do assassinato, passando pela tentativa de enganar a investigação até a confissão e julgamento. Como não poderia ser diferente, o documentário caiu nas graças do público, mas resultou em um movimento no mínimo curioso: Nas redes sociais, pessoas têm demonstrado apoio à condenada, se dizendo fãs de Elize e até concluindo que, na verdade, ela é a vítima da situação.
Esse envolvimento do público com Elize acontece, principalmente, depois dos relatos da assassina sobre os bastidores de seu relacionamento com a vítima. O casal se conheceu, em 2014, no site onde Elize trabalhava como garota de programa, e mantinha um relacionamento extraconjugal por mais de 3 anos – Elize era amante de Marcos. Em 2009, o presidente da Yoki se divorciou da esposa e resolveu trocar alianças e assumir o relacionamento com Elize Matsunaga.
Tudo ia muito bem e o relacionamento era muito harmonioso até a metade de 2010, quando a mulher começou a desconfiar que estava sendo traída por Marcos. E realmente estava. Segundo ela, o casal iria se separar, mas a gravidez – descoberta por ela depois da traição – fez com que a história fosse esquecida, pelo menos momentaneamente. Nos anos seguintes, a coisa piorou e, além da desconfiança da existência da amante, Elize conta que passou a ser humilhada pelo marido, que usava o passado na prostituição para julgá-la. Enquanto estava no Paraná, onde nasceu, Elize contratou um detetive, confirmou a traição e voltou para São Paulo, onde vivia com Marcos, no dia 19 de Maio de 2012 – quando o crime aconteceu.
No documentário, Elize Matsunaga conta que ficou encurralada quando confrontou Marcos com as provas da traição e, depois de levar um tapa no rosto, descobrir um plano do parceiro de interná-la numa clínica psiquiátrica e ser ameaçada de perder a guarda da filha, atirou contra o marido. O relato sensibilizou algumas pessoas e abriu os olhos dos internautas para o outro lado do crime.
Elize Matsunaga e o machismo na acusação
Na série documental, o crime acaba se tornando o assunto secundário e a jornada de Elize do momento da prisão até o julgamento e condenação vira o ponto alto. Uma das características mais comentadas, no entanto, é o machismo impresso no discurso defendido pela acusação, amigos e familiares de Marcos Matsunaga.
Ao longo dos quatro episódios, as figuras ligadas à vítima dizem que Marcos não era uma pessoa ruim e Elize “reclamava de barriga cheia” do relacionamento, uma vez que sempre estava com bolsas luxuosas e viajava bastante ao lado do marido. Um dos amigos da família Matsunaga chegou a dizer que a ex-prostituta tinha o relacionamento que toda mulher sonha em ter e que, para ela, era como ter ganhado na loteria. O fato de Eliza Matsunaga ter sido garota de programa também é um ponto muito batido e usado praticamente como uma ofensa no documentário, uma vez que a assassina parou de trabalhar a pedido do marido e ganhava tudo ‘de mãos beijadas’.
Mas, um detalhe importante da investigação do crime incomodou bastante o público e a própria Elize: a acusação concluiu que, por ser mulher, ela não conseguiria matar e esquartejar Marcos sem a ajuda de um homem. Na produção, Elize Matsunaga rebate os comentários, garante que cometeu o crime inteiramente sozinha e reclama do machismo no caso. Os internautas, que falam muito bem do documentário, não pouparam críticas sobre isso.
Mesmo com toda a colaboração de Elize Matsunaga, que contou detalhes da noite do crime e facilitou a reconstituição do crime, a acusação e investigadores procuraram por homens que tivesse ligação com a condenada no prédio onde morava. Uma lista com médicos moradores foi levantada, porque os cortes no corpo foram muito precisos para terem sido feitos por Elize, mas a investigação não chegou a lugar nenhum.
O que dizem os especialistas?
Essa não é a primeira vez que criminosos ficam tão famosos e ganham atenção do público no Brasil. Um dos exemplos mais bizarros da história é o fato de Francisco Pereira – conhecido como o ‘Maníaco do Parque’ – receber cartas de amor na cadeia mesmo depois de ter matado mais de 10 mulheres. A informação foi compartilhada em uma reportagem da revista Época, publicada em 1999, e chocou muita gente por conta do comportamento das pessoas interessadas no condenado.
Ou seja, o apoio que Matsunaga está recebendo desde a divulgação do crime e todo o interesse do público em relação ao caso não é incomum. Segundo Sirlene Ferreira, psicóloga clínica com mais de 20 anos de experiência, esse comportamento é motivado, principalmente, pela curiosidade.
“A mente assassina gera curiosidade em muitas pessoas”, explicou. É a ideia de descobrir o desconhecido e essa curiosidade é evidente na sociedade, todos querem saber o porquê, o motivo que levou aquele indivíduo a cometer o assassinato”, completou.
Ela explica que essa curiosidade colabora no sucesso dos filmes e documentários sobre assassinatos e grandes crimes e que, muitas vezes, acaba tornando justificável a atitude assassina.