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A Páscoa da amizade social e a ética da compreensão

“Se soubermos compreender antes de condenar, estaremos no caminho da humanização das relações humanas.” Edgar Morin

A Páscoa dos cristãos que celebramos nestes dias é minha inspiração para o artigo desta semana. Trata-se da festa mais importante do cristianismo pois nos convida a celebrar e adorar a vitória de Cristo sobre a morte e sobre todas as formas de pecado, consolidando assim seu projeto de salvação da humanidade. E a Igreja Católica no Brasil, através da Campanha da Fraternidade, nos convidou a refletir e mudar nossas atitudes a partir do tema “fraternidade e amizade social”.

Falar de fraternidade e amizade social é tocar algumas dimensões importantes da vida humana, do convívio em comunidade, a interdependência que há entre nós, e mais do que isso, trazendo presente o processo ético, político e cidadão. O conceito da amizade deve ser encarado como uma fonte para pensar e repensar nossas atitudes atuais na medida em que evidenciam processos de humanização, de caridade, de compromisso com o bem social, o bem comum, a coletividade.

Evidentemente que por se tratar de uma abordagem religiosa cristã não poderia deixar de relacionar a vida humana às verdades da fé contidas nas Sagradas Escrituras, a Bíblia. E como fundamentação bíblica foi escolhida a passagem do Evangelho de São Mateus (capítulo 23, versículo 8) em que afirma “Vós sois todos irmãos e irmãs”. Trata-se exatamente de uma verdade da fé cristã que nos convida a reafirmar a dimensão de filhos e filhas de Deus, e a partir disto, rever e refazer nossas práticas para com o próximo a partir desta filiação divina.

Diante de uma sociedade que vem perdendo a noção e os princípios éticos da cooperação, do respeito, do diálogo, da compreensão, a Igreja pretende atentar para a noção de que os principais ideais cristãos se referem justamente à inclusão, à vivência comunitária e à comunhão, condenando o pecado social da indiferença, da eliminação do semelhante, da vida, da natureza.

Estaríamos nós cada vez mais fechados em nós mesmos? Vivemos um individualismo doente que nos impede de manter relações sadias e abertas com o outro? Em nosso país temos vivenciado nos últimos anos atitudes de separação, de conflitos, de afastamento e de inimizade, que muitas vezes deixam marcas e feridas cada vez mais difíceis de ser solucionadas.

Na sua história a humanidade aprendeu que a cooperação é uma das grandes chaves de sua sobrevivência. Diante das dificuldades, dos desafios, do perigo eminente da morte, os seres humanos aprenderam que a unidade, a organização, trabalhar e viver em comum era uma garantia de vida, de proteção, de conforto, de alimento, de dias mais tranquilos.

Porém, para que esta contribuição mútua funcione se faz necessário a humanidade aprender a lidar com as diferenças, com os conflitos internos, com os impasses da vida que sempre fizeram e fazem parte de nossa convivência. Veja as atitudes de Jesus, perdoou até mesmo seus algozes, orou por seus carrascos momentos antes de desfalecer na cruz. O que de fato motivou Jesus a um ato tão desprendido e tão benevolente? Quando afirmou “Pai, perdoai-lhes, pois não sabem o que fazem”, Jesus estaria inaugurando um novo princípio ético de vida social que o permite compreender até mesmo quem lhe faz qualquer tipo de mal. O que Jesus de fato estava tentando transmitir e ensinar com estas palavras e atitudes?

E é a partir desta necessidade de aprender a conviver que recordo as ideias de Edgar Morin quando se refere à ética da compreensão. A ética da compreensão seria uma forma de viver que exige de nós, em primeiro lugar, compreender de modo desinteressado. É claro que esta forma de agir demanda grande esforço. E até posso assegurar, viver eticamente não se trata de tarefa fácil.

Os caminhos que nos proporcionam desenvolver uma atitude da compreensão dizem respeito ao bem pensar, levando-se sempre em consideração a condição de vida do outro, do próximo. Por que age desta maneira? Quais fatores históricos e culturais influenciam seu jeito de ser e de agir, causando assim seus delírios, suas patologias, ou até mesmo seu ódio?

Edgar Morin defende a ideia de que deva haver no processo de compreensão a prática da introspecção. Se recordarmos das atitudes do próprio Jesus Cristo, o veremos sempre em atitude de discernimento, de oração, de uma prática do autoexame. E partindo desta prática passamos a não agir como juízes que apenas julgam e condenam, mas que antes de tudo, desejam compreender para iluminar suas ações sequentes.

Ao nos abrirmos para a compreensão da complexidade da existência humana constatamos que em virtude de sua complexidade, inúmeros elementos e fatores podem definir nossos atos. De que forma poderíamos desenvolver uma atitude aberta e simpática em relação ao outro? Esta abertura é fonte de todas as formas de tolerância, e de acordo com Morin, “a verdadeira tolerância não é indiferente às ideias ou ao ceticismo generalizados”.” Ela supõe convicção, fé, escolha ética e ao mesmo tempo aceitação da expressão das ideias, convicções, escolhas contrárias às nossas.

O filósofo Voltaire elencou quatro atitudes básicas de tolerância: respeitar o direito de afirmar um propósito mesmo que este não seja de nosso interesse; nutrir a essência da democracia acolhendo até mesmo as opiniões diversas e contrárias à minha; entender que uma ideia contrária à minha se trata também ela de uma outra ideia, portanto digna de respeito e; o respeito pelas várias formas de expressão de fé.

O próprio Jesus se fez aberto ao outro, escutou, dialogou, compreendeu e perdoou a várias pessoas em diferentes situações e contextos. Enfatizou a necessidade de cada um se fazer um bem para o próximo, independentemente de sua etnia, de sua crença, de seu gênero ou mesmo de condição social. Celebrar estes mistérios da vida de Cristo em plena Páscoa também significa trazer consigo um ideal que evidencia a todos nós como semelhantes, como “irmãos”, como amigos sociais. O mundo precisa de paz, o mundo está desgastado com tantos conflitos, guerras e divisões.

É tempo de compreender a raiz destes males e solucioná-los urgentemente. A natureza e a vida em todas as suas formas de ser necessita, em todos os sentidos, de compreensões recíprocas. E todos os esforços, todos os mecanismos, recursos possíveis à nossa disposição devem favorecer este processo de mudança, de uma Páscoa que se faz vida nova, vida em abundância: sistemas de educação, nossas ciências, nossos recursos, nossas sabedorias de vida, as religiões, e claro, uma profunda vontade esperançosa de mudar.

Por Sérgio Bruno

É um livre pensador e professor formado em Ética e Filosofia Política, com mais de 15 anos de experiência na docência e formação de jovens e adultos. Atualmente também é professor em cursos pré-vestibulares na área de Ciências Humanas e suas tecnologias, atuando também como professor de Sociologia, Cultura Religiosa e Teologia. É apaixonado por temas como Cultura e Sociedade, Cidadania, Política, Direitos Humanos e Diálogo Inter-religioso. Adora livros, leitura e literatura e deseja convidar você para compartilhar pensamentos, ideias e reflexões diversas.

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