A moça bonita da praia de Boa Viagem encontra a mensageira dos anjos no novo disco do cantor Alceu Valença. “Sem Pensar no Amanhã” é o primeiro dos três álbuns acústicos gravados pelo artista pernambucano, todos com lançamento previstos para 2021. A obra combina releituras de clássicos de sua carreira com canções inéditas em um “roteiro cinematográfico”, como define o próprio músico.
A trilogia foi pensada durante as noites em quarentena. Onze faixas compõem o primeiro trabalho de voz e violão de Alceu Valença. No seu “Táxi Lunar”, o músico chega cantarolando até a “Estação da Luz” (1985), apresentando também versos inéditos, como os da canção “Sem Pensar no Amanhã”, que dá título ao álbum.
“Todas as músicas têm uma conexão com a outra. Foi feito assim. É como se fosse um roteiro cinematográfico”
Alceu Valençamúsico
Construído durante a pandemia, período em que se reaproximou do seu violão, Alceu buscou novas maneiras de interpretar sucessos e reinventou versos do seu repertório, passeando pelo frevo, samba e forró. O que seria a princípio apenas um disco se tornou em uma coletânea de 30 músicas, gravadas entre novembro de 2020 e janeiro deste ano.
O próximo álbum, cujo nome ainda está sendo decidido pelo artista, tem data de lançamento para 23 de julho. “Neste próximo que virá, vamos ter uma música chamada ‘Era Verão’. Verão lembra tropicana. Aí vem o charme da morena”, adianta Alceu cantando a sequência de músicas do seu mais novo trabalho.
O artista se apresenta nesta sexta-feira (25) no Teatro Bradesco, em show inspirado na sua série de álbuns de voz e violão. Com repertório repleto de sucessos e canções inéditas, Alceu Valença propõe uma viagem intimista por meio da música, trafegando de São Bento do Una (PE), onde ele nasceu, até Paris, onde ele morou. Revivendo memórias em cidades como Recife, Olinda e Rio de Janeiro, que marcaram sua trajetória musical.
Você costuma dizer que gosta de pensar nos shows como um roteiro. Na apresentação oferecida pelo Teatro Bradesco, o que o público pode esperar desse roteiro?
Talvez cinematográfico. Seria mais um show meu sobre o forró do Nordeste porque, eu sou nordestino. Eu sou do agreste pernambucano, venho da cultura do sertão profundo que saiu também do Ceará, que está no Ceará, em Alagoas até na parte do sertão da Bahia, está no Rio Grande do Norte. Venho dessa cultura. Eu nasci na cidade de São Bento do Una, onde pertenci até 7 anos de idade. Lá, eu ouvia aboios de vaqueiros, via violas de violeiros, lá eu ouvia rabecas sendo tocadas, ouvia tudo o que deu ensejo ao forró que estava lá na minha formação primal.
Se você for a um show meu de Carnaval, você vai ouvir eu cantando frevo, se você vai ver um show de São João, você vai me ver cantando músicas que tem a ver com o repertório desse gênero musical chamado forró. Forró é baião, forró é xaxado, forró é xote – e outras coisas. Vão está nesse live tudo isso, porque é uma live de São João.
Qual é o roteiro do seu novo álbum, “Sem Pensar no Amanhã”?
O roteiro cinematográfico do “Sem Pensar no Amanhã” é o seguinte: eu construí esse disco aqui em casa, na pandemia, sentado em uma cadeirinha que está aqui ao meu lado e tocando violão. Eu tocava à noite, e uma música chamava a outra. Eu cantava uma, como “La Belle de Jour”, depois tocava “Mensageira dos anjos”, que seria de uma mesma musa. Depois dessa, veio “Táxi lunar”, que também casaria com essas personagens. Depois vem uma outra… Todas as músicas tem uma conexão com a outra. Foi feito assim. É como se fosse uma colagem, um roteiro cinematográfico. Você vai viajando, se você ouvir, evidentemente, de um canto a outro, da primeira até a última. Ou você pode ouvir uma música ou outra, mas aí você não vai seguir o roteiro.
Como foi a experiência de gravar um álbum diante desse cenário de incertezas no mercado musical provocado pela pandemia?
Eu não costumo tocar violão porque eu sou muito mais da estrada do que de casa. Estar em casa foi uma coisa que não acontecia havia anos e anos. Eu tô aqui, posso tá em Portugal, em Sobral, em Lisboa, em Porto Alegre, Cidade do Porto, Miami, Nova Iorque, Belo Jardim, Crato. Nesses cantos tudo eu vou. Viajando. Como houve pandemia, eu fiquei dentro de casa. Como eu comecei a ficar dentro de casa, comecei a tocar violão porque é uma coisa que não dá nem tempo de tocar nas viagens, porque eu namoro cidades, não moro. É tudo passageiro. Não sou casado com nenhuma cidade. Eu tô muito mais nas cidades do que dentro de casa.
Dentro de casa, veio essa vontade de tocar, de fazer música. Além desse daqui, já tem mais três discos que eu gravei. Eu saí para o estúdio, onde tem duas pessoas vacinadas. Eu também tô vacinado, já tomei as minhas duas. Eu ia pro estúdio e gravava lá. Dessa maneira, eu gravei quatro discos.
É muito comum artistas de longa data lançarem músicas no começo da carreira, por exemplo, e algumas marcarem a carreira do artista pelo resto da vida. Músicas que foram gravadas em um momento totalmente diferente do que você está vivendo hoje ou canções que foram gravadas durante a juventude. Os fãs têm muito carinho por essas músicas, mas você como um desses artistas, como você analisa essa bagagem musical?
Hoje é mais complicado. Hoje você tem milhões de artistas e muitos com muito talento. Você vai encontrar um artista em uma cidade do interior que ele grava, ele faz um vídeo e coloca dentro da internet. Para acontecer hoje, uma música ser um sucesso inacreditável, é mais complicado. Antigamente, o que fazia o sucesso era a televisão e a rádio. Todas as pessoas estavam ligadas em uma rádio.
Vieram morar no Rio de Janeiro Belchior, Fagner, Ednardo, Geraldo Azevedo e Elba Ramalho, porque aqui era onde estavam as gravadoras. Hoje em dia, você grava em qualquer cidade do interior e pode botar até no Spotify. A oferta é muito grande.
Falando dessa questão de músicas que foram gravadas em contextos totalmente diferentes de hoje. Se fosse hoje, você acha que escreveria “La Belle de Jour” ou “Anunciação”, por exemplo, de forma diferente?
Eu componho o que eu componho. Ninguém manda em mim. Nem gravadora mandou em mim. Só faço o que eu quero. A produção do disco sou eu quem faço. Nunca, nem na época das gravadoras, elas mandavam em mim. O disco chamado “Cavalo de pau” (1982), quando eu cheguei lá e entreguei o disco com oito faixas, o diretor artístico chegou e falou: ‘Alceu, o pessoal do comercial, das vendas, disse que era preciso você botar mais quatro. O correto é 12”. Eu disse: “Não, meu disco só tem 8 músicas”. E foi um disco que vendeu mais de 2 milhões de cópias.
“Sem Pensar no Amanhã” é o primeiro de três álbuns previstos para este ano. O que você preparou para os outros dois?
Eu não preparo. As coisas vêm na minha cabeça de uma forma muito natural. No primeiro disco, eu ficava tocando na sala de noite e a minha mulher vendo séries e filmes. Até que um dia, eu comecei a tocar várias músicas. E aí ela disse: “Alceu, tá lindo”. Eu disse: “O que? O filme?”. Aí ela: “O que você está cantando”. Eu estava na minha viagem. Daí, ela disse que era um disco o que eu estava fazendo. Aí que eu fui olhar e tinha a conexão de uma música com a outra. Uma música vai puxando outra (disse citando e cantando a sequência de músicas do álbum “Sem Pensar no Amanhã”).
Ainda nesse contexto de pandemia, no qual a proximidade com o público ocorre apenas virtualmente e com a impossibilidade da realização de turnês, você acredita que um álbum musical tem que ser produzido e pensado como uma obra autônoma ou o disco necessariamente tem que ser pensado para o palco?
Não pensei para fazer o disco. Eu tenho vários tipos de shows. Quando eu vou cantar em um festival, em uma data que não tem nada a ver com festas, como Carnaval e São João, eu faço um tipo de show. Se eu fizer um show de São João, eu vou fazer com repertório muito mais do São João porque eu tô homenageando a festa. Aí eu vou cantar Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, vou cantar minhas músicas. Então, quando eu vou cantar em um festival de rock’n’roll, como fiz antes da pandemia, é outro repertório.
Em 2014, você atuou como diretor do filme “A Luneta do Tempo”. Como foi a experiência como diretor de cinema?
“A Luneta do Tempo” veio à minha cabeça depois da morte do meu pai. Foi uma homenagem que eu fiz a ele. Histórias que ele contava pra mim sobre o cangaço. Coisas que ele me contava e ficaram na minha cabeça de criança. Quando ele morreu, eu nem notava isso, mas me veio a ideia de fazer um filme. Eu estudei cinema, tive 10 aulas. Depois eu resolvi estudar só, fui autodidata, estudei roteiro e tudo, e fiz o filme “A Luneta do Tempo”. Para isso, demorou quase 10 anos. A ideia na cabeça e a coisa não saía, não tinha produção, era complicado, o filme era muito grande.
Você pretende fazer outros filmes?
Eu estava com um novo roteiro de um documentário ficcional. Um roteiro sobre o meu carnaval. Eu usaria muitas imagens que tenho de carnavais passados em Olinda, sobretudo. Apareciam imagens antigas e tal, e, ao mesmo tempo, existia dentro do filme uma história de amor de um menino, de um rapaz, filho do documentarista com uma moça bailarina. Esse filme iria ser filmado. A moça saiu e deixou o rapaz. Foi fazer um curso de balé lá em Montreux e o rapaz foi para Portugal, depois eles voltam para o Carnaval para reatar o namoro. Esse filme eu tava fazendo. Tinha dentro do filme um rapaz que era músico, cantor e compositor. E esse amigo meu morreu. Ele ia fazer um dos principais personagens. Ai eu parei, fiquei muito chocado com a história e aí não fiz. Talvez depois eu venha a fazer. Quando passar a pandemia. Talvez. Não sei.
*As informações são do Diário do Nordeste