Com chuvas muito aquém do esperado e o desmantelamento da fiscalização, a Amazônia pode ter uma temporada histórica de queimadas, apontam especialistas. Apesar da cheia do Rio Negro que agora provoca enchentes em Manaus, de dezembro a abril, durante a estação chuvosa, algumas regiões do bioma receberam apenas 60% das precipitações que ocorrem em sua média histórica. O território seco e desmatado serve como gatilho para o alastramento do fogo. E há uma grande área em perigo: mais de 5 mil km² de floresta podem ser destruídos pelas chamas até o final do ano, diz o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).
O desmatamento segue a toda — nas primeiras três semanas de maio, a área devastada foi de 736 km², quase o mesmo visto em todo o mês em 2019 (739 km²).
— Um terço da água que formará as chuvas da Amazônia vem da transpiração das árvores. Quando elas são destruídas, a floresta perde precipitações. Toda a regulação climática é comprometida.
Liana Anderson, pesquisadora do Cemaden e especialista em incêndios florestais, destaca que há uma relação direta entre a área desmatada e os incêndios. Pelas suas contas, ao menos 5 mil km² poderão ser incendiados neste ano.
O instituto identificou também um agravante — 2021 teve março e abril com maior índice de desmate desde o início da série histórica, em 2015.
— Vemos florestas públicas invadidas por grileiros que usam o fogo para deixar o solo exposto, na expectativa de legalização de posse. Essas queimadas podem fugir de controle e provocar grandes incêndios — diz Anderson.
No dia 30 de abril, o Ministério da Defesa encerrou a Operação Verde Brasil 2, que mobilizou 20 mil militares por 354 dias para combater o desmatamento. Ambientalistas acusaram o governo de priorizar as tropas e enfraquecer o Ibama, que tem o conhecimento estratégico para fiscalizar delitos ambientais, conforme a reportagem do O Globo.
A investida militar foi marcada por revezes. O índice de desmatamento de 2020 foi o maior dos últimos 12 anos. O decreto que proibia queimadas na Amazônia e no Pantanal por 120 dias, a partir de meados de julho, não vingou. Somente no primeiro mês foram registrados mais de 35 mil focos de incêndio. Procurado pelo GLOBO, o Ministério da Defesa afirmou que as Forças Armadas estão “em condições de prestar, quando demandado, apoio logístico, de inteligência, de comunicações e instruções, de comando e controle aos órgãos ambientais, de segurança e de fiscalização”.
A nova aposta de Salles para conter a devastação é a Força Nacional de Segurança (FNS). O Ministério da Justiça, responsável pela corporação, não divulga o efetivo mobilizado por “questões de segurança dos agentes”. Além de fiscalizar atividades na floresta, a FNS está sendo empregada na proteção a terras indígenas atacadas por grileiros.
Combate inteligente
Paulo Moutinho, cientista sênior do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Impa), reivindica a criação de um plano de médio e longo prazo contra o crime ambiental.
— Precisamos muito mais da inteligência do Ibama e da Polícia Federal do que da força bruta. No entanto, esses órgãos têm sido colocados em xeque, e a Amazônia sofre um vazio de Estado — lamenta. — O desmatamento mudou. Antes, ocorria em propriedades privadas, e agora metade acontece em terras públicas. O Brasil conta com uma área abandonada, sem a proteção exigida pela lei, com tamanho equivalente ao da Espanha.
Coordenador geral de Pesquisa e Desenvolvimento do Cemaden, José Marengo adverte que a pluviosidade no Sul da Amazônia, próximo ao Pantanal e ao Mato Grosso, esteve muito aquém da média histórica na última estação de chuvas, entre dezembro e abril. Trata-se de uma área de fronteira agrícola, onde o manejo de fogo é comum:
— Além da falta de chuvas, o descontrole do fogo é agravado pelo desmatamento, cujo índice deve crescer pelo terceiro ano consecutivo. O governo tem o costume de agir tarde demais. Deveria criar uma polícia ambiental, em vez de investir em intervenções como a do Exército. E os estados precisam preparar seus bombeiros para atuar junto ao Ibama e ao ICMBio. O fogo não respeita fronteiras.