Pelos menos 31% das pessoas, que tiveram Covid-19 em Manaus, em janeiro deste ano, foram casos de reinfecção pela variante P.1, afirma um estudo realizado por pesquisadores do instituto de Medicina Tropical da USP e da Universidade de Oxford, conforme a reportagem do O Globo.
Segundo o artigo, em outubro de 2020, 76% dos habitantes de Manaus já tinham sido expostos ao vírus, e 87% de todas as infecções na segunda onda da epidemia na cidade teriam sido causadas pela variante P.1.
O trabalho, liderado pelos cientistas Ester Sabino (USP) e Nuno Faria (Oxford), foi feito com base em amostras de 238 doadores de sangue na cidade. Entre os critérios, foram selecionados aqueles que tinham feito três ou mais doações, com uma durante a primeira onda (antes de julho) e pelo menos uma entre janeiro e março deste ano.
Em artigo “pré-print” (ainda sem revisão independente), o grupo descreve como os anticorpos, moléculas do sistema imune, reagiam a testes de anticorpos em cada amostra. A partir daí, determinou quais tinham sido infectados pela P.1 e inferiu quais dos doadores tinham probabilidade de ter sido infectados mais de uma vez, baseados na força da resposta imune.
Usando essa técnica de análise indireta, os pesquisadores descrevem um cenário preocupante.
“Nossos dados sugerem que a reinfecção pela P.1 é mais comum e mais frequente do que tinha sido detectada por métodos tradicionais de vigilância genômica, molecular e epidemiológica de casos clínicos”, escrevem os cientistas.
Por estimar número altos de prevalência da Covid-19 em 2020, porém, o grupo da USP e de Oxford atraiu críticas por parte de cientistas locais de Manaus. Como essa proporção de infectados (76%) colocaria Manaus num suposto estado de “imunidade de rebanho” contra a Covid-19, ainda no ano passado os números da USP acabaram sendo usado politicamente na região. Vereadores, deputados e comerciantes argumentaram que a cidade já estava protegida do vírus àquela altura e não precisava se retrair em medidas de distanciamento social.
A reabertura que se seguiu determinada pela prefeitura e pelo governo só cessou quando os casos e mortes por Covid-19 explodiram na cidade, em janeiro. Naquele mês o sistema de saúde da cidade entrou em colapso, e a variante P.1, altamente contagiosa, já estava circulando.
Para o epidemiologista Jesem Orellana, da Fiocruz Amazonas, a variante P.1 é mesmo muito preocupante e tem causado reinfecções, mas não explica por si só a dimensão da segunda onda em Manaus, quando a cidade supostamente estaria acima do limiar de imunidade coletiva.
Orellana diz que os cientistas da USP/Oxford superestimaram a extensão da epidemia ao adotar apenas doadores de sangue como parte da amostragem de seus estudos. Segundo ele, nos primeiros meses da epidemia, bancos de sangue em Manaus tiveram procura maior porque ofereciam acesso fácil a testagem para coronavírus. Isso cria um viés em que um número maior de pessoas contaminadas se oferece para doação, e distorce as estatísticas. Um médico não envolvido na controvérsia afirmou à reportagem que um efeito similar ocorreu no Brasil no início da epidemia de HIV na década de 1980.