Três judeus e 32 palestinos mortos, cerca de 700 foguetes lançados pelo movimento fundamentalista islâmico Hamas contra o sul de Israel e mais de 150 bombardeios israelenses sobre a Faixa de Gaza. A violência deixou o Oriente Médio às portas de uma nova guerra. Em resposta à chuva de 130 foguetes em direção a Tel Aviv, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu previu uma ofensiva militar longa. “O Hamas e a Jihad Islâmica pagaram e continuarão a pagar por suas ações. Nós estamos enlutados pelos mortos e rezando pelos que ficaram feridos. Damos todo o apoio às IDF (Forças de Defesa de Israel). Essa campanha levará tempo”, avisou.
Por sua vez, o ministro da Defesa, Benny Gantz, autorizou a mobilização de 5 mil reservistas. “Ainda há muitos alvos na mira. Isso é só o começo”, garantiu. Mais cedo, Ismail Haniyeh, líder do Hamas, desafiou Netanyahu. “Se (Israel) quiser uma escalada, estaremos preparados, e se quiser se deter, também estaremos prontos”, declarou, ao exortar às tropas de Israel que se retirem da Esplanada das Mesquitas, em Jerusalém Oriental, o terceiro local mais sagrado para o islã.
A comunidade internacional se apressa para evitar a repetição da chamada Operação Margem Protetora, lançada por Israel entre 8 de julho e 26 de agosto de 2014. Na ocasião, 2.251 palestinos morreram (1.462 civis), além de 67 soldados israelenses e seis civis.“Parem o fogo imediatamente. Estamos caminhando para uma guerra em grande escala. As lideranças de ambos os lados têm que assumir a responsabilidade pela redução das tensões. O custo da guerra em Gaza é devastador e está sendo pago por pessoas comuns. Parem com a violência agora!”, implorou Tor Wennesland, coordenador especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para o Processo de Paz no Oriente Médio.
Mortes
A terça-feira foi de horror para judeus e palestinos. Pela manhã, um foguete caiu sobre casas de Ashkelon (sul), a apenas 21km da Faixa de Gaza. Duas idosas, de cerca de 80 e de 60 anos, não resistiram aos ferimentos. Mais de 90 israelenses ficaram feridos. O Hamas tinha prometido transformar a cidade em um “inferno”. À noite, a Torre Hanadi, um prédio residencial de 12 andares, foi destruída por mísseis de Israel. O prédio tinha 80 apartamentos, incluindo escritórios de figuras importantes do movimento islâmico. Como resposta, Tel Aviv foi atacada. Dois foguetes atingiram alvos: um ônibus vazio, no surbúrbio de Holon, e um prédio no bairro de Rishon Lezion, onde uma mulher morreu.
Por volta das 21h30 (15h30 em Brasília), a designer gráfica israelense Adia Epstein, 31 anos, foi surpreendida pelas sirenes antiaéreas quando fazia compras em um supermercado perto de sua casa, no bairro de Givaataim, a cerca de 10 minutos do centro de Tel Aviv. “Eu não sabia o que fazer ou o que era um lugar seguro. Decidi correr o mais rápido que podia para casa, quando os foguetes começaram a ser disparados. Tive que me deitar no chão, no meio da rua”, relatou ao Correio. “Tudo estava chacoalhando. As pessoas abandonavam seus carros e se escondiam. Um foguete caiu perto daqui, no meu bairro. Uma criança de cinco anos foi atingida, e o estado dela é gravíssimo.”
Em Ashkelon, a 45 minutos de carro de Tel Aviv, Hadasa Paz Alluf, 26, estava dentro da “mamad” — uma “sala segura”, revestida de 1m de concreto — de sua casa. “Os foguetes palestinos atingiram escolas e alguns prédios. Eu tenho escutado as explosões. O som é muito alto… Estamos na sala segura… Espere, há uma sirene agora…”, afirmou, por telefone, enquanto era possível à reportagem ouvir o barulho do alerta ao fundo, pouco depois das 13h50 (7h50 em Brasília).
Na mesma cidade, a britânica Beverley Jamil, 58, o marido e os dois cães enfrentavam, ontem, o segundo dia consecutivo confinados na mamad. “Esta é a pior escalada de violência de que me recordo”, disse a agente de turismo, que mora em Israel há quatro décadas. “Algumas vezes, 20 foguetes sobrevoam Ashkelon ao mesmo tempo. As sirenes também ressoam com poucos minutos de intervalo. O primeiro ataque direto foi nesta manhã, e quatro pessoas de uma mesma família ficaram feridas. Agora há pouco, dois moradores foram mortos em outro bombardeio”, relatou. Ela compara Ashkelon a uma cidade fantasma, com lojas e escolas fechadas.
“A cada foguete lançado, eu escuto crianças, na rua abaixo, celebrando, enquanto ele rasga o céu”, contou ao Correio a professora de inglês palestina Sarah Saftawi, 23, moradora do bairro de Al Sudanya, na Cidade de Gaza. “De 15 em 15 minutos, escuto uma explosão. Gaza é muito pequena, são apenas 360km de comprimento. Há cerca de uma hora, uma delegacia de polícia a uma rua de minha casa foi bombardeada”, acrescentou, por volta das 22h (16h em Brasília). “Ser palestino significa uma grande possibilidade de ser assassinado a qualquer momento.”
Medo
“Uma imensa explosão acaba de ocorrer enquanto eu escutava seu áudio”, disse à reportagem o também palestino Muhammad Smiry, um professor de 28 anos que vive em Khan Younis, a 23km da Cidade de Gaza. “Sei que famílias aguardam para abandonar suas casas a qualquer momento e encontrar um lugar mais seguro, como escolas mantidas pela ONU. Não quero que isso perdure muito. As pessoas estão com medo. Israel deveria interromper isso. Eles começaram, alvejando civis”, desabafou. Dos 32 mortos em Gaza, 10 eram crianças.
Professor de relações internacionais da Universidade de Nova York e especialista em Oriente Médio, Alon Ben-Meir advertiu que, por mais trágica que seja a situação, palestinos e israelenses devem compreender que esse tipo de violência explodirá de forma repetida. “Isso tornará a ocorrer a menos que haja uma solução pacífica para todas as questões conflitantes entre as duas partes. É fundamental que os Estados Unidos façam todos os esforços para evitar o colapso”, declarou. “O presidente Joe Biden não pode deixar de envolver os EUA e buscar uma solução realista e permanente.” Ontem, o ex-presidente Donald Trump acusou o sucessor de fracassar em apoiar Israel. “Com Biden, o mundo está se tornando mais violento e instável, pois a fraqueza de Biden e a falta de apoio a Israel está provocando novos ataques contra nossos aliados”, disse, em um comunicado.
Relatos do front
Hadasa Paz Alluf, 26 anos, ativista de direitos humanos, moradora de Ashkelon (sul)
“Escutar as explosões é a parte mais assustadora. Nós apenas esperamos para ver se podemos ouvir o Domo de Ferro (escudo antimísseis) ou se o foguete caiu em algum lugar. Então, telefonamos para nosso familiares para saber se tudo está bem. Não se pode acostumar com isso. Nós estamos com muito medo, mas, também, resilientes. Essa situação não é nada nova para nós, israelenses.”
Adi Epstein, 31 anos, designer gráfica, moradora de Tel Aviv
“É terrível precisarmos enfrentar esse tipo de situação. No sul de Israel, é muito pior. Eles têm apenas 15 segundos para buscar um abrigo antibombas. Essa situação entre israelenses e palestinos é muito complicada. Infelizmente, nós precisamos viver em meio a esse conflito. Acho que os dois povos têm que se abrir para o diálogo, combater o extremismo em suas sociedades e promover a coexistência.”
Sarah Saftawi, 23 anos, professora de inglês, moradora da Cidade de Gaza
“Com toda essa tensão, nós, palestinos, não estamos em choque. Tudo era esperado. Conhecemos Israel e sua política. Agora, estão aterrorizados com os foguetes lançados pela resistência. Por isso, nos bombardeiam como loucos. Não tenho medo de morrer. É verdade que tenho sonhos e ambições, mas sei que não sou melhor do que os palestinos que morreram nesses últimos ataques de Israel.”