Instalada na terça-feira (27), a CPI da Covid no Senado tornou-se um dos principais desafios do presidente Jair Bolsonaro. Além do desgaste político, por ter seus ministros e aliados inquiridos publicamente, a comissão também põe em risco integrantes do governo, abrindo caminho para que sejam responsabilizados nas esferas administrativa e criminal, conforme a reportagem da Folha de S. Paulo.
A CPI não tem poder para condenar personagens. No entanto, seu relatório final pode sugerir indiciamentos. O texto será encaminhado ao Ministério Público Federal, que então decidirá se leva adiante as investigações.
Embora alguns integrantes da comissão considerem atualmente improvável, a apuração pode apontar crimes de responsabilidade do próprio Bolsonaro, embasando processos de impeachment.
Os membros da ala majoritária da CPI trabalham com a hipótese de que o governo federal agiu deliberadamente para deixar o coronavírus circular —de forma a buscar uma imunidade de rebanho. Caso isso seja confirmado, haveria elementos para sugerir a responsabilização coletiva, do próprio presidente e de alguns dos principais ministros do governo.
Em outra frente, os senadores também veem indícios para apurar a responsabilidade individual de alguns dos principais nomes do Executivo federal.
Quais as principais linhas de investigação que podem responsabilizar integrantes do governo Bolsonaro por eventuais falhas no enfrentamento da pandemia da Covid-19? Uma das hipóteses investigativas é a de que o governo agiu de forma deliberada para espalhar o vírus ou pelo menos para deixar de contê-lo. Teria apostado assim na imunidade de rebanho, que prevê que a contaminação de 70% da população criaria uma imunidade coletiva, mas acabou surpreendido pelos efeitos avassaladores da pandemia.
Se a apuração da CPI conseguir provar uma articulação geral do governo nesse sentido, alguns senadores acreditam que seja possível sugerir a responsabilização civil e criminal de Bolsonaro e dos ministros envolvidos. Além de crime de responsabilidade, os envolvidos poderiam precisar responder pelo crime de epidemia, com pena de 10 a 15 anos de reclusão.
Quais seriam os ministros envolvidos, segundo essa hipótese? Os senadores vão investigar a participação do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello e de sua equipe para verificar se ele retardou as ações de resposta à pandemia e a compra de vacinas. Outros focos da investigação seriam o ministro da Economia, Paulo Guedes; o ex-chanceler Ernesto Araújo e o ex-secretário de Comunicação Fabio Wajngarten.
Qual seria o principal alvo de investigação da CPI? O ex-ministro Eduardo Pazuello, por ter sido o mais longevo durante a pandemia. Os senadores vão investigar possíveis crimes de responsabilidade em várias frentes. Uma delas é a crise em Manaus, para saber se houve falta de planejamento para organizar o sistema de saúde e omissão em relação ao envio de oxigênio.
Outro ponto importante para os parlamentares é a atuação do ex-ministro na aquisição de vacinas, principalmente sua resistência para comprar as imunizações Coronavac e a produzida pela Pfizer.
Também pesaria contra o ministro o estímulo para estados e municípios usarem a hidroxicloroquina, medicamento sem comprovação científica contra a Covid. O relator já tem em mãos um ofício do Ministério da Saúde nesse sentido e incluiu no plano de trabalho da comissão a questão do TrateCov, aplicativo que receitava medicamentos sem comprovação. Senadores acreditam que Pazuello pode responder criminalmente.
A atuação diplomática será investigada? A maior parte dos membros considera que a investigação sobre o ex-chanceler Ernesto Araújo será mais periférica, embora importante para construir uma narrativa da atuação danosa do governo. Acreditam ser difícil chegar a uma materialização de provas contra Araújo.
No entanto, vão investigar como foi a atuação da diplomacia nas relações com países que poderiam ter ajudado o Brasil com vacinas e insumos e também na adesão a protocolos internacionais, como o Covax Facility.
Os dois senadores da comissão que são do Amazonas (Omar Aziz e Eduardo Braga), por outro lado, querem ir a fundo na questão da falta de oxigênio em Manaus, pois acreditam que o caminho mais rápido e fácil para se obter os cilindros era via Venezuela e que isso foi prejudicado pela diplomacia ideológica de Araújo.
Por que senadores consideram o ex-chefe da Secom Fabio Wajngarten importante? A comunicação do governo durante a pandemia é apontada como tema central, tanto que o relator Renan Calheiros (MDB-AL) o incluiu no plano de trabalho da comissão.
Um dos focos da investigação será a contratação de influenciadores para difundir a cloroquina em suas redes sociais, além de omissões e falhas na política de comunicação que deveria transmitir mensagens em defesa de isolamento social e uso de máscaras.
Wajngarten também passou a ser importante para a CPI após entrevista na qual disse que, por “incompetência” do Ministério da Saúde, não se comprou antes vacina da Pfizer, além de levar o problema para o Planalto, por admitir que ele próprio esteve à frente das negociações. Nesse caso, investiga-se também possível crime de advocacia administrativa —defesa de interesses privados perante a administração pública.
O que o ministro Paulo Guedes (Economia) tem a ver com a pandemia? Senadores querem investigar, primeiramente, se ele resistiu a liberar recursos para o enfrentamento da pandemia, para contratar leitos hospitalares e para a compra de vacinas, em nome da rigorosidade fiscal.
A investigação também vai se aprofundar nos programas econômicos, se houve lentidão e resistência para implementar auxílio emergencial e outros programas que garantiriam que os brasileiros ficassem em casa, respeitando o isolamento social. E, principalmente, se isso efetivamente ocorreu, se foi por omissão ou de maneira deliberada.
As Forças Armadas são alvo da investigação? Embora não sejam alvos centrais, já foram apresentados requerimentos de pedido de informações ao Ministério da Defesa para que explique a compra e fabricação de remédios sem comprovação científica contra a Covid, sendo a hidroxicloroquina o mais notório deles.
Nesse caso, a responsabilidade recairia sobre o ex-ministro da Defesa Fernando Azevedo, que deixou o governo afirmando que preservou as Forças Armadas como “instituições de Estado”, insinuando que havia pressão para que atendesse interesses do Planalto.
O que pode acontecer com Bolsonaro e seus aliados? A CPI não tem poder de condenar ou mesmo oferecer denúncias formais. No entanto, seu relatório, que será encaminhado ao Ministério Público Federal, pode sugerir indiciamentos ou apontar crimes de responsabilidade.
Na esfera administrativa, os ministros podem responder por crime de responsabilidade. Especialistas e senadores da comissão apontam que possíveis omissões podem configurar como atentado a direitos sociais previstos na Constituição, mais especificamente direito à saúde.
Ministros podem ser afastados do cargo. Em relação ao presidente da República, o apontamento de eventual crime de responsabilidade pode embasar um futuro pedido de impeachment, impetrado na Câmara dos Deputados. Senadores também indicam que ele pode responder pelo crime de pandemia ou mesmo homicídio.
Na esfera criminal, senadores da comissão acreditam que um relatório final, caso a apuração aponte nesse sentido, pode sugerir indiciamento de ministros por possivelmente três crimes: crime de epidemia (caso se comprove uma articulação para não impedir o avanço da pandemia), de homicídio ou então de negligência.
QUEM SÃO OS PRINCIPAIS ALVOS DA CPI
General Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde
Possível omissão na compra de oxigênio e no planejamento hospitalar, que resultou no colapso do sistema público de Manaus; incentivo ao uso da hidroxicloroquina, medicamento sem comprovação científica; atraso e obstrução para a compra de vacinas contra a Covid-19
Ernesto Araújo, ex-ministro das Relações Exteriores
Possível omissão ou obstrução nas relações com outros países e organizações internacionais, que resultaram em dificuldades para comprar vacinas, insumos e medicamentos. Senadores também querem apurar possível resistência a comprar oxigênio para Manaus da Venezuela, por questões ideológicas
Fabio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação da Presidência
Falhas nas campanhas de comunicação, que não teriam informado corretamente a população sobre a importância de medidas para evitar a propagação da pandemia, contratação de influenciadores para difundir a hidroxicloroquina e, mais recentemente, seu papel na negociação para a compra de vacinas da Pfizer
Paulo Guedes, ministro da Economia
Possível obstrução na liberação de recursos para o enfrentamento à pandemia, em especial para a compra de vacinas; atraso na implementação de programas, como o auxílio emergencial e suspensão de contrato de trabalho e redução de jornadas e salários, que poderiam ter contribuído com isolamento social
Fernando Azevedo e Silva, ex-ministro da Defesa
Participação do Exército na compra e fabricação de hidroxicloroquina, medicamento sem comprovação de eficácia contra a Covid-19