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Aspectos míticos presentes na genealogia do auto do boi-bumbá

Imagem ilustrativa/Internet

UM CONTEXTO AMAZÔNICO

PARTE 1: O Culto do Boi

Embora presente em diversas culturas e assumindo diferentes formas, existe um rito taurino que nos interessa, particularmente, por estar na origem de uma genealogia que se estende até o Amazonas.

Foi na sequência da revolução agrária, ocorrida há cerca de 8.000 anos, no Próximo Oriente, que – ao dominar a técnica do plantio -, o homem abandonou definitivamente a prática nômade de procurar alimentos.

O domínio da técnica agrícola permitiu observar a recorrência cíclica de um fenômeno natural. Da semeadura à colheita, um ciclo se repetia anualmente.

Sabe-se que desde o Paleolítico a Lua era observada e o seu ciclo estudado. Isso corria desde o período Aurignaciano (34.00 a.C. – 23.000 a.C.). Eliade (2010; 34).

As primeiras descrições documentadas da presença do touro na mitologia do Próximo Oriente datam do período de transição entre o Mesolítico e o Neolítico, cerca de 8.000 a.C., quando o homem passa a dominar o ciclo agrícola. É consensual entre vários autores, ter sido esta a região onde surgiram as primeiras manifestações do mito taurino de que há notícia.

Terá sido no ciclo lunar que o homem provavelmente identificou o primeiro complexo simbólico de morte e renascimento. Tal qual a vida humana a vida da Lua também chegava ao fim. A Lua, porém, renascia ao final de três dias e, com a Lua Nova, reavivava-se no homem o sentido da regeneração, do renascimento cíclico.

O domínio do ciclo agrícola dotará o humano de uma Imago Mundi, onde tudo parece subordinado a uma dimensão cósmica omnipresente e cíclica. Os valores religiosos resultantes da invenção da agricultura foram se sedimentando, no decorrer dos milênios ao longo do mesolítico e do paleolítico. Recorrentemente, ideias religiosas, mitologias e ritos relacionados com a observação da natureza, foram se entrelaçando. No entanto, como ressalta Eliade, (2010;52) não terá sido a criatividade religiosa despertada pelo fenômeno empírico da agricultura, mas pelo mistério do nascimento, da morte e do renascimento identificado no ritmo da vegetação. Esse ritmo cósmico, agora identificado na agricultura, já anteriormente havia sido notado no ciclo lunar. As incessantes catástrofes naturais que colocavam em perigo a sobrevivência humana, serão então mitologizadas, isto é, traduzidas em narrativas simbólicas para serem compreendidas e aceitas, dramatizadas em representações mitológicas. Terá sido no Oriente Próximo que as culturas agrícolas elaboraram assim o que se pode chamar de religião cósmica, já que a atividade religiosa terá como questão central a renovação periódica do mundo. A experiência do tempo cósmico acabará por impor a ideia do tempo circular e do ciclo cósmico. “Visto que o mundo e a existência são valorizados em termos de vida vegetal, o ciclo cósmico é concebido como a repetição indefinida do mesmo ritmo: nascimento, morte, renascimento.” (ELIADE:2010;52)

Os indícios arqueológicos apontam a Anatólia, mais especificamente Çatal Hûyûk, na atual Turquia, como sendo a região onde surgiu a relação entre o culto dos mortos e o da fertilidade.

Ainda de acordo com Eliade, é dada como certa a hipótese de que o culto do touro tenha se originado no Próximo Oriente, não obstante o fato de aqui não terem sido obtidas provas substanciais, como as encontradas, por exemplo, em Creta ou nas culturas do Indo Neolítico (2010; 57). Campbell corrobora esta tese, ao afirmar que o ponto de partida para a disseminação do culto taurino tenha mesmo sido o Próximo Oriente, não obstante, analogias encontradas em outras civilizações, para onde o mito tenha se difundido (CAMPBELL: 1992; 122).

Testemunho desta origem é-nos ofertado pela cerâmica Halaf, que tem como principal centro o norte da Síria ao sul das montanhas Tauro, ou Touro, na Anatólia, de onde o Eufrates desce alcançando a planície. É nessa cerâmica que se encontra profusamente o bucrânio como motivo decorativo, visto de frente, com os grandes chifres arqueados. Estamos, portanto, face a um complexo simbólico que tem uma origem comum, como o atestam estudos comparados de linguística, nos quais se identificam diferentes vocábulos mantendo simbologias comuns. Conforme Eliade (1977; 120), “o touro e o raio foram desde muito cedo (a partir de 2.400, a.C.) os símbolos conjugados das divindades atmosféricas. (…) tanto um como o outro eram

Com base nos textos de Eliade, pode-se afirmar que em todas as culturas pálio-orientais “o poder era sobretudo simbolizado pelo touro;” (1977; 121), e que “o que se venera em primeiro lugar (…) não é o seu caráter celeste mas as suas possibilidades fecundantes.” (1977; 124) Ou seja: renovar a vida.

A Lua torna-se símbolo de uma concepção mitológica, qual seja, a de viver permanecendo, simultaneamente, imortal. A morte tida como um repouso e uma regeneração da própria existência, não um fim. É essa a concepção presente no cerne da associação entre o bucrânio taurino e a Lua.

Ou seja, é imortal porque se regenera, portanto é uma força da Lua, e, como tal, distribui fecundidade, ciência (profecia) e mesmo imortalidade.

Configura-se, portanto, um arquétipo. uma epifania da força fecundante”.

Essa mesma concepção estará presente em diversas expressões míticas. A que nos interessa em particular revela-se no Mitraísmo, o qual passamos agora a abordar.

 – Primeira parte do texto original integrante do livro INTERFACES CONTEMPORÂNEAS ENTRE RELIGIÃO E EDUCAÇÃO NA AMAZÔNIA, Ed. Autografia, RJ 2018.

  • Rui Carvalho é regente titular da Amazonas Band, arranjador e compositor, doutor em Etnomusicologia pela Unicamp e diretor-geral do Festival Amazonas Jazz.

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