Manaus, segunda-feira 16 de junho de 2025
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Por quantas decepções você precisa passar para finalmente desistir?

“Você não deve lembrar, mas depois que ela foi embora você me disse que a raposa às vezes abandona as crias quando está morrendo de fome ou em alguma outra situação de estresse extremo. Os filhotes morrem, como teriam morrido de qualquer jeito, mas a raposa sobrevive para acasalar de novo quando as condições melhoram, quando tem chance de criar uma nova ninhada até a maturidade. Esses comportamentos, à primeira vista cruéis, na verdade aumentam o número de descendentes da fêmea ao longo da vida, e assim seus genes relacionados ao abandono das crias em momentos de estresse são transmitidos para a geração seguinte. E assim por diante. Acontece com os humanos também.”

Há exatos dois anos, chegava a minha mesa na editora um arquivo de 336 páginas que eu ainda não sabia que se tornaria um dos meus livros preferidos. Sempre digo que há obras que a gente lê, não gosta e abandona; há aquelas que a gente lê, acha bacana e coloca na estante; e tem poucas que quando a gente termina mudam a nossa história. Um lugar bem longe daqui, de Delia Owens, é deste último tipo.


Neste livro poderoso e singular acompanhamos a vida da Kya Clark, uma menina que foi abandonada ainda muito pequena pela mãe, pelos irmãos e pelo pai e forçada a sobreviver sozinha no meio de um brejo, que ela chama de lar. O que parece ser mais um romance de crescimento feminino, envolvendo meninas abusadas emocionalmente na infância e que precisam se reerguer, acaba se tornando uma espécie de relicário: um texto rico, repleto de nuances e poesia, que mistura sentimentos conflitantes, encontros áridos, a beleza e ao mesmo tempo a feiura da solidão e o poder crescente e perigoso da escrita.

Conforme acompanhamos a história de Kya, observamos como ela cresce dia após dia e se liga cada vez mais à natureza do lugar onde ela mora, transformando aquele espaço e ela própria. Mesmo isolada, os garotos da cidade acabam atraídos pela Kya adolescente, do mato, e ela vai se ver obrigada a aprender e reaprender várias vezes o que é o amor, a paixão e a solidão. Além de todas essas lutas internas, um dos meninos com quem ela se envolve aparece morto, e Kya, a menina do brejo, vira a principal suspeita do assassinato.

Uma das coisas que mais me encantou na trama é como a autora conseguiu fazer com que o brejo se tornasse um personagem. A vida de Kya é contada no lodo, ela é parte integrante daquele ecossistema do brejo, a sensação que dá é que  ela é planta, é bicho, é concha, ela não vive naquele lugar, ela é aquele lugar. Além disso, a autora, que é cientista e viveu por muitos anos sozinha na África, faz belas referências a alguns comportamentos cruéis de animais, que são comparados aos dos humanos. A dura verdade é que em momentos difíceis, o instinto humano é o do abandono. Nós vamos embora.

 

Um lugar bem longe daqui é ao mesmo tempo uma ode à natureza e um tratado sobre a força da dor e da desilusão. É sobre o poder da palavra, a transformação forçada pelo tempo e também sobre resistência. Afinal, por quantas decepções você precisa passar para finalmente desistir?

 

 

Heloiza Daou é movida a palavra. É diretora de marketing da Intrínseca, um pouco obsessiva, louca por azeitonas e também mãe do Tomás, o job mais insano e amado da vida.

 

 

 

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