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Em janeiro, três toneladas de pirarucu foram apreendidas no porto de Manaus em pleno período de defeso

Na calamitosa Manaus não é difícil ver, nas gôndolas de mercados de peixes, exemplares vistosos e frescos de espécies como o matrinxã e o tambaqui. Tal oferta não condiz com o período de defeso, que para tais espécies começa em novembro e se estende até março.

“Com a equipe muito reduzida por conta do coronavírus, fica muito difícil a fiscalização apreender peixes retirados irregularmente dos rios”, diz Carlos Edwar Carvalho Freitas, professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e membro do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).

Trabalhando em home-office, Edwar afirma que toda vez que vai ao mercado de peixes observa exemplares suspeitos. “Tamanhos irregulares podem ser vistos facilmente e, mesmo que exista um estoque [refere-se aos peixes certificados da pesca sustentável], há um problema quando o peixe não possui o selo de identificação”, conclui.

O professor se refere ao Selo de Identificação de Conformidade, que faz parte do programa Selo Amazônico. Criada há 9 anos, a iniciativa, encabeçada pelo Inmetro, visa certificar que produtos oriundos da floresta cumpram requisitos básicos de sustentabilidade.

Dos critérios exigidos, a procedência do peixe é analisada. Um dos critérios impõe que peixes de vida longa, como o pirarucu e o tambaqui, venham de águas certificadas para a criação das espécies. O manejo é feito por pescadores cadastrados, respeitando o ciclo reprodutivo, já que a pesca do peixe selvagem é ilegal. Hoje, o pirarucu é uma espécie em extinção.

Nas comunidades ribeirinhas que pescam o pirarucu, estabelece-se um ciclo sustentável. Ou seja, com a pesca regularizada incentivando a economia local, a população ribeirinha, em 2019, conseguiu aumentar em 350% a população do peixe, ampliando seu número em 55 vezes, segundo dados do Instituto Juruá, cujo fundador, João Vitor Campos, foi premiado em 2020 em Washington como um dos 50 ativistas ambientais mais influentes do mundo — o prêmio é realizado pela fabricante de relógios Rolex.

Ele foi categórico quando recebeu o prêmio, reafirmando que seu objetivo é proteger os ambientes que sofreram pesca predatória em um passado não tão distante, além de incentivar, por exemplo, o protagonismo das mulheres que vivem à margem do rio. Majoritariamente masculina, a atividade pesqueira hoje ganha adeptas graças a iniciativas de empoderamento feminino promovidas por ONGs, entre elas o Instituto Juruá.

Sobrepesca na pandemia

Acontece que, com o recente colapso sanitário nos hospitais de Manaus, com covas abertas em massa, toda a economia foi impactada e o ciclo de pesca sofreu mudanças. “Eu fiz recentemente uma reunião no Conselho Estadual da Pesca. A princípio, o objetivo era retomar as atividades de fiscalização, mas as circunstâncias sanitárias impedem essa volta”, diz Carlos Edwar, que conta que há muitas evidências de pesca ilegal. “A estrutura do Ibama é fraca; se na capital a gente encontra essa situação, em direção ao interior do estado a situação se agrava”, completa o professor.

Ponta do iceberg do problema, o pirarucu é um peixe emblemático. Maior peixe brasileiro de água doce, quando adulto pode chegar a três metros de comprimento, pesando trezentos quilos, o que torna o animal especialmente fascinante para quem o vê em exposições, ou excursões nos rios Amazônia adentro.

Como o pirarucu necessita também respirar ar atmosférico para sobreviver, ele nada até a superfície e acaba tornando sua captura mais fácil. Em janeiro, mais de três toneladas de pirarucu ilegal foram apreendidas no porto de Manaus. Sua pesca foi proibida há mais de 20 anos, devido à exploração intensiva do peixe na região.

Segundo o professor Carlos Edwar, já o tambaqui é uma espécie que sofre da sobrepesca excessiva. Há uma estudo encabeçado por ele e pelos pesquisadores Maria Angélica de Almeida Corrêa, também da Ufam, e James R. Kahn, do departamento de Biologia da Washington and Lee University, nos Estados Unidos, que examina os contornos econômicos da política de defeso estabelecida na região amazônica.

A política de defeso foi implantada na Amazônia em 2005, com o objetivo de proteger os estoques pesqueiros e ao mesmo tempo manter o fluxo de renda dos pescadores, em sua maioria pescadores artesanais.

Segundo o estudo, porém, a política de subsídios atrelados à atividade pesqueira na região fez com que o número de pescadores crescesse descontroladamente e, na ausência de fiscalização, tornara-se comum pescar além do permitido, resultando, consequentemente, na redução dos estoques pesqueiros. É uma questão matemática básica.

Os autores defendem que “a política atual é pior do que nenhuma política.” Soma-se a isso – o artigo é de 2014,  à situação atual. Com o baque econômico gerado pela pandemia de covid-19, a pesca ilegal se transformou em uma fonte de renda. Segundo o professor Carlos Edwar, a penalização por captura ilegal é branda, e no período de recolhimento, devido à covid-19, a fiscalização é quase nula.

Edwar pondera que o defeso “é uma boa medida”. “Apenas ele precisa ser fiscalizado, precisa-se pensar em incentivos econômicos para quem realmente está cumprindo a lei, não um processo indiscriminado como é feito atualmente. É mais uma política de assistencialismo do que proteção de estoques naturais”, conclui.

*Com informações do Mongabay – Notícias ambientais 

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