O Ministério Público da Bolívia pediu, neste domingo, 14, seis meses de prisão para a ex-presidente de direita Jeanine Áñez e dois de seus ministros, presos no sábado em uma investigação por golpe de Estado contra o ex-presidente Evo Morales em 2019, segundo a acusação a qual a AFP teve acesso.
Três promotores assinaram a acusação para a aplicação de “medidas cautelares que consistem na prisão preventiva (…) pelo tempo de seis meses” em presídios de La Paz, disse o documento.
Áñez permanece detida em um quartel da polícia desde sábado 13.
A televisão boliviana mostrou Áñez chegando ao aeroporto de El Alto, que serve La Paz, momento em que ela acusou sua prisão como “ilegal”. Junto a ela, que não estava algemada, estavam o ministro do Governo (Interior) Carlos Eduardo del Castillo e vários policiais.
Áñez enviou cartas para a União Europeia e para a Organização dos Estados Americanos, pedindo que enviem missões de observadores para acompanhar este caso em seu país.
O objetivo é que “avaliem de forma objetiva e imparcial a ilegal preisão da qual fomos vítimas, eu e meus dois ex-ministros, na sexta-feira e na madrugada deste sábado”, escreveu Áñez em uma carta da qual a AFP obteve uma cópia.
O secretário-geral da Organização das Nações Unidas, Antonio Guterres, considerou que é importante respeitar “as garantias ao devido processo e que haja uma transparência toal em todos os procedimentos” do caso contra os ex-membros do governo boliviano, segundo um comunicado de seu porta-voz.
Ele lembrou “os importantes passos tomados por todas as partes na Bolívia para a consolidão da paz” e reiterou o compromisso da ONU para continuar apoiando esses esforços.
O Alto Representante da UE, Josep Borrell, expressou no Twitter que “as acusações pelo ocorrido em 2019 devem ser resolvidas com uma justiça transparente e sem pressões políticas”. Com o critério de que se respeite a independência dos poderes, ele pediu “diálogo e reconciliação”.
Enquanto a influente Conferência Episcopal da Bolívia exigiu em um comunicado “a libertação imediata dos detidos”. E argumentou que como instituição não podem “permanecer passivos, enquanto prendem cidadãos que serviram a Bolívia, com suas limitações, em difíceis momentos de sua história e buscando caminhos e pacificação”.
A UE e a Igreja Católica cumpriram um papel chave na transição do governo de Morales para Áñez e propiciaram mesas de diálogo entre oficialistas e opositores durante esses dias conflitivos.
Satisfação governamental
O ministro da Justiça, Iván Lima, rejeitou as declarações opositoras de que existe uma gestão política no MP e no processo, destacando que as leis estão sendo aplicadas.
Em seu critério, Áñez não tem direito a um julgamento de responsabilidades ou de privilégio, em razão de sua condição de ex-governante, mas sim a um processo ordinário pela sua atuação como senadora, antes de ter assumido a primeira magistratura.
Um julgamento de privilégio significa que a Procuradoria Geral pode pedir ao Parlamento para autorizar o julgamento e depois desenvolver o processo no Supremo Tribunal de Justiça.
O ministro do Interior confirmou a prisão de Áñez e parabenizou as forças de ordem pela “histórica tarefa de fazer justiça para o povo boliviano”.
A ex-presidente acusou nas redes sociais “um ato de abuso e perseguição política”.
O governo “me acusa de ter participado de um golpe de Estado que nunca aconteceu”, disse Áñez em sua conta do Twitter.
Em sua primeira reação pública, o ex-presidente Evo Morales pediu no Twitter que “se investigue e sancione os autores e cúmplices” do que denunciou como um “golpe de Estado” contra ele, mas sem mencionar sua sucessora Áñez.
A ordem do MP partiu de uma denúncia apresentada em dezembro passado por Lidia Patty, ex-legisladora do governante Movimento Ao Socialismo (MAS, esquerda), de Morales.
Em sua denúncia, Patty afirmou que o líder civil da região de Santa Cruz (leste), Luis Fernando Camacho, Áñez, vários ex-ministros, ex-militares, ex-policiais e civis promoveram a queda de Morales em novembro de 2019, após 14 anos no poder.
Áñez substituitu Morales constitucionalmente após sua renúncia em novembro de 2019 em meio aos protestos após eleições denunciadas como fraudulentas. Liderou o governo até novembro de 2020, quando o atual presidente Luis Arce foi eleito.
Em uma carta, Camacho alertou que “os bolivianos não ficarão de braços cruzados diante do abuso” e garantiu que não deixará o país. Camacho venceu a eleição do fim de semana passado para governador da rica região de Santa Cruz (leste) com mais de 55% dos votos.
A ordem dos promotores abrange também os ex-ministros Arturo Murillo (Interior), Luis Fernando López (Defesa) e Yerko Núñez (Presidência).
Um grupo de investigadores da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) está na Bolívia indagando o ocorrido no final de 2019.